Wednesday, December 29, 2010

L´Etrangère - Yves Montand

Como falar aos mercados

Este tempo

Não no meio das ruínas
a delicada
exposição do verso,
mas aqui, no meio do mundo,
a respirar com os outros
e a dissipar a raiva,
como um anjo esquecido
e necessário.

O resto é aproximarmo-nos do que não faz sentido
e entender que disso exactamente
é que precisamos.

Monday, December 27, 2010

Contra a evidência das coisas, o saber dos iluminados

"Dizer que a economia irlandesa falhou é uma patetice"

(João Salgueiro, no PUBLICO de hoje)

Saturday, December 25, 2010

Crisofilia

Foi o embaixador do Reino Unido em Lisboa que encontrou o nome para a nossa perversão favorita : somos "crisófilos". E é verdade.

Friday, December 24, 2010

En étrange pays dans mon pays lui même (Aragon)

Lisboa, sabes?

É o lugar onde te sentes estrangeiro
na tua própria terra.

É como se fosses
"o idiota da família":
só vês gente cheia de certezas,
ninguém se põe em questão,
nem a si nem a nada.

E depois toda esta alegria sado-masoquista com a crise
("eu bem dizia")...

E ainda falam dos pobrezinhos como se falava nos versos de João de Deus!

Lisboa, sei.

O Império Austro-Húngaro era melhor!

Depois da Áustria em 2000, ostracizada pela UE por causa de um ministro, não perca os salamaleques que vai receber a próxima presidência húngara, garante, como se está a ver, das mais amplas liberdades...

(Disse salamaleques? Isso a alguns franceses pode lembrar a ocupação nazi, dada a origem da palavra! Je m'excuse...)

Franklin Roosevelt Social Security

Wednesday, December 22, 2010

Para nascer, Portugal; para morrer, todo o mundo (Vieira)

Pequenos e cercados,
buscando grandeza "qual a sorte a não dá",
obstinados numo pertinaz desânimo,
aqui continuamos, a Ocidente do Ocidente,
a sonhar com o mundo todo na nossa mão
e ao mesmo tempo
a invejar o quintal do vizinho,
desesperadamente

J. S. Bach - (2/3) Weihnachtsoratorium BWV 248 - Kantate IV - Nos. 39-40

Ladainha dos Póstumos Natais, David Mourão Ferreira

Ladaínha dos Póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira

Monday, December 20, 2010

Portugal

"Terra pátria serás nossa
e mais o céu que te cobre,
serás nossa,
mãe pobre de gente pobre!"

(Carlos de Oliveira)

Monday, December 13, 2010

A Europa connosco (1891, Ultimatum) ou o utilitarismo

"Salisbury believed that it was not his duty to protect the Braganza dynasty, even though he came under pressure from the Kaiser, the Prince of Wales and Queen Victoria to do just that. He believed that the Portuguese were "making the most of their weakness" and told Petre (EMBAIXADOR BRITÂNICO EM LISBOA) that his language "should be stiff and uncompromising", pointing out that the British government had to placate "a public opinion as exacting and powerful as their own". Salisbury's typical utilitarian attitude, understandably not shared by his royal correspondents, was that "if the Portuguese monarchy is so desperately weak that our demands will overthrow it, it is not worth saving".

Salisbury found the Portuguese the least satisfactory negotiators of any he had dealt with, for, as he told Morier, when pressed in argument, "instead of arguing back, they throw themselves on their backs and scream"."

(Andrew Roberts "Salisbury: A Victorian Titan", Londres, Phoenix, 1999)

Tuesday, December 7, 2010

Varanasi 2010 : homenagem no momento

India holy city blast 'hurts 20'
www.bbc.co.uk
At least 20 people have been injured by an explosion in the Indian holy city of Varanasi, Indian media reports say.

Varanasi 2010

Sunday, December 5, 2010

Um historiador chinês do futuro olha uma borboleta

Ano 2050 e eis que o mundo por fim se ordena!
Apenas durante um pequeno período de seis séculos
conseguiram os bárbaros do Ocidente desinquietar
a harmonia do Mundo.
Deixaram-nos finalmente todo o capital, as armas e as técnicas
e vivem hoje entre as ruínas da sua inteligência,
sonhando com passados: os que existiram
e os que nunca existiram.

Nós olhamos uma borboleta
antes de construir a arma definitiva e fatal
e pensamos que o tempo da borboleta é como o nosso ciclo de vida:
um dia cabe num milénio e um milénio não é mais do que um dia.
Há que explicar isto aos indígenas da Europa:
um dia voltará a crescer alguma coisa a Ocidente
e teremos então que sabiamente estar precavidos
com a nossa arma definitiva e fatal.

Outra Despedida

Deixa-me explicar-te uma última vez:
a poesia não é edificante.
Se eu te amei ou te guardei rancor,
nunca o irás entender se me leres.
Os anos que passei junto de ti tornaram-me cada vez mais alheio,
mas isto nada tem que ver com o amor.
Os anos que passei junto de ti chamaram-me para bem longe de ti,
mas isto nada tem que ver com o amor.
Porque o amor é muitas vezes só
a alegria de eu não ser tu,
a alegria de tu não seres eu.

(Publicado em 2001 no meu livro "Os Dias Inventados", sob o título "Outra Despedida do Brasil". Hoje revivido noutro lugar.)

Depois de ler os jornais de manhã

Tuesday, November 30, 2010

O futuro

"Antigamente, também o futuro era melhor"

(Karl Valentin)

Stand de Portugal no bazar diplomático de Nova Deli

Saturday, November 27, 2010

Recado pessoal

PONT-MARIE

Saudades de viver
à míngua do teu corpo
-iremos esquecer
a sede nesse rosto?

Ou é porque lembramos
e não queremos dizer
que dura nestes anos
toda a luz por esconder?

(do meu livro "O Jogo de Fazer Versos", 1994)

Sunday, November 21, 2010

Mais uma vez Goa...

IDYLL

When Goa was Goa
my grandfather says
the bandits came
over the mountain
to our village
only to splash
in cool springs
and visit Our Lady's Chapel.
Old ladies were safe
among their bags
of rice and chillies,
unperturbed
when souls restless in purgatory
stoned roofs
to ask for prayers.
Even the snakes bit
only to break the monotony.

Eunice de Souza, in "Fix" (1979)

Wednesday, November 17, 2010

Adeus a Goa : 1871

"Noutro número das "Farpas" lembrámos a respeito das colónias este grande melhoramento - vendê-las! Ocorre-nos outro ainda maior a respeito da Índia - dá-la!"

(Eça de Queiroz, "As Farpas", Setembro de 1871)

Tuesday, November 16, 2010

Adeus a Goa : 1888

"Quanto a nós, habituados a ver nos homens os joguetes da necessidade e convencidos de que o estudo da História requer aquela apatia sublime que abre mão de todos os interesses humanos ante a majestade das leis naturais, lamentando a sorte dos últimos portugueses da Índia, mas admirando a habilidade dos seus vencedores, não nos surpreendemos ao assistir ao desenlace desta contenda histórica. Ela é o resultado directo da estrutura mental dos dois adversários. Cada homem traz dentro do peito o seu destino"

(Moniz Barreto, in "O Reporter", 2 de Junho de 1888)

Monday, November 15, 2010

Adeus a Goa

O que amaste verdadeiramente fica:
e os que te ofenderam,
esses ficarão?

"What you lovest well remains,
the rest is dross"

(Ezra Pound)


Farewell, my dear friends!

Good bye, my dear dross!

Thursday, November 4, 2010

Autocrítica 2

É verdade que as funções que exerço não me permitem dizer tudo o que penso...

Autocrítica

Sei que não soube (não fui capaz) de experimentar e de pensar tudo o que a Índia me ofereceu, simplesmente pela sorte que eu tive de aqui ter vivido quase quatro anos.

Algo em mim se crispou e a experiência precisa de leveza; algo em mim endureceu e o pensamento precisa de equanimidade (estou com Séneca: nunca louvar nem lamentar, mas sim compreender).

O pensamento indiano pode ser agressivo, mas é ao mesmo tempo acolhedor, ricamente diversificado e heterogéneo e profundamente argumentativo, para usar a conhecida expressão de Amartya Sen. O pensamento ocidental sobre a Índia tem montes de lixo, mas encontram-se pérolas e jóias lá dentro (e autores incontornáveis).

Agora que parto, prometo a mim próprio repensar de longe a Índia, esta Índia impossível de reduzir a fórmulas e a frases, mas infinita no dom da sua experiência.

Esta Índia que é muito mais do que os milionários do crescimento dos 9% do PIB e os gurus da espiritualidade cobrada ao dólar.

Esta Índia, que tem a maior pobreza da Terra, mas que não é uma terra de mendigos.

Esta Índia que tem a maior diversidade religiosa da Humanidade, mas que constantemente trabalha, cria e inventa.

Esta Índia que construíu a mais improvável democracia do Mundo, no meio de um dos mais terríveis exemplos de "som e de fúria" da História.

Assim me ajude Ganesha!

Sunday, October 31, 2010

"Europa, sonho por vir" (Casais Monteiro)

ESCRITO NA ÍNDIA


Europa, mãe pálida,
espectro da História num eterno presente,
aprende outra vez a escutar o esplendor do mundo,
não te feches na mágoa dos ressentidos,
na amargura dos vencidos,
no niilismo que o velho Frederico temia em ti!

Às vezes ocorrem-nos poemas assim pretensiosos,
como se dizer estas coisas tivesse alguma importância.
Eu vi a luz em um país perdido,
mas eu sou dessas casas, dessas ruas,
e há muito aprendi que sou europeu!

Europa, mãe pálida,
reaprende a ser europeia!

(tem citações de Brecht, Nietzsche, Pessanha, Eugénio e Natália... e é para quem quer!)

Thursday, October 28, 2010

Nós, Portugal, o poder ser

TORMENTA

Que jaz no abysmo sob o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.

Isto, e o mysterio de que a noite é o fausto...
Mas subito, onde o vento ruge,
O relampago, pharol de Deus, um hausto
Brilha, e o mar scuro struge.

26-2-1934

Fernando Pessoa, "Mensagem"

Poema para o dia de hoje!

Thursday, October 21, 2010

O Cônsul Geral

À Ruben Dario

Ni les attraits des plus aimables Argentines,
Ni les courses à cheval dans la pampa,
N’ont le pouvoir de distraire de son spleen
Le Consul général de France à la Plata !

On raconte tout bas l’histoire du pauvre homme:
Sa vie fut traversée d’un fatal amour,
Et il prit la funeste manie de l’opium;
Il occupait alors le poste à Singapoore...

— Il aime à galoper par nos plaines amères,
Il jalouse la vie sauvage du gaucho,
Puis il retourne vers son palais consulaire,
Et sa tristesse le drape comme un poncho...

Il ne s’aperçoit pas, je n’en suis que trop sûr,
Que Lolita Valdez le regarde en souriant,
Malgré sa tempe qui grisonne, et sa figure
Ravagée par les fièvres d’Extrême-Orient...

(Henry Jean-Marie LEVET, CARTES POSTALES, 1902)

Outras Índias...

BRITISH INDIA
A Rudyard Kipling
Les bureaux ferment à quatre heures à Calcutta;
Dans le park du palais s'émeut le tennis ground;
Dans Eden Garden grince la musique épicée des cipayes;
Les équipages brillants se saluent sur le Red Road...
Sur son trône d'or, étincelant de rubis et d'émeraudes,
S.A. le Maharadjah de Kapurthala
Regrette Liane de Pougy et Cléo de Mérode
Dont les photographies dédicacées sont là...
- Bénarès, accroupie, rêve le long du fleuve;
Le Brahmane, candide, lassé des épreuves,
Repose vivant dans l'abstraction parfumée...
- A Lahore, par 120 degrés Fahrenheit,
Les docteurs Grant et Perry font un match de cricket, -
Les railways rampent dans la jungle ensoleillée...
Henry J.-M. Levet.


Poète, chroniqueur au Courrier français, 1895-1896, puis à La Plume, obtient par l'intermédiaire de son père une mission en Inde, 1897. Il devient diplomate, en 1902, ayant choisi cette carrière par goût du voyage. Elle le conduit aux Philippines (secrétaire-archiviste, à Manille, en 1902), puis en Argentine, en 1906, (chargé de la Chancellerie de Las Palmas). Il meurt de phtisie à Menton âgé de 33 ans.
Le meilleur de son œuvre consiste en 11 poèmes, les Cartes postales, parues en revue en 1902 et rééditées après la mort de l'auteur par Valery Larbaud et Léon-Paul Fargue à La Maison des amis des livres en 1921, sur qui elles eurent une grande influence, ainsi que sur d’autres poètes du voyage.

Wednesday, October 20, 2010

Magistratura e poesia: para não nos levarmos demasiado a sério

Enquanto isso, o procurador solicitou ao funcionário para lhe trazer o casaco do gabinete, para que pudesse tirar do bolso e ler algumas das quadras que escrevera e que quis que ficassem “expostas em verso”. E que passou a ler assim que a magistrada regressou à sala de audiências:

Adoro levantar cedo

E ter a obrigação cumprida

dos falsos tenho medo

são o pior que há na vida

(...)

São sete e pouco da manhã

Viajo de metro para o trabalho

Fi-lo ontem, falo-ei amanhã

Só sou aquilo que valho

Os comboios já vão cheios

Muitos se levantam cedo

Nas mulheres aprecio os seios

Mas têm outro enredo

(...)

Viajam brancos e pretos

Nacionais e estrangeiros

Alguns vivem em “guetos”

Outros em lugares foleiros

(...)

Entram uns, saem outros

É o frenesim da manhã

Levam-se alguns encontrões

Levo eu, e mulher minha.

E com este verso anunciou o procurador ser tudo “quanto a quadras”

(PUBLICO de hoje)

Diplomacia e Poesia

Many diplomats have used poetry in their diplomatic work: wrapping words in silk is the diplomat’s job. A diplomat may turn a lie into a ‘constructive ambiguity’ – which is a way of defining poetry. Some poets have been diplomats – Neruda, Claudel, St. John Perse. It’s an occupational hazard: the stimulating place, the sheltered existence – and the ability to paraphrase the unknowable. Few diplomats will admit to using poetry as a survival strategy.
Diplomats are like sentinels at an outpost scrutinising the desert beyond. Expecting the barbarians never to appear over the hazy horizon, they sceptically await the inevitable improbable. Meanwhile, drill replaces skill. From dawn till dusk and deep into the night beyond, on the parade grounds, they are made to practice coherence and coordination as if their career depended on it. In an attempt to strengthen morale and impart character, chanting of ‘public diplomacy’ mantras has been taken up. Numbing menial jobs – arranging ministerial junkets, tripping bleary-eyed through dilapidated factories – replace detention.
Diplomats are like watchmakers: their art is hidden inside a bland, if polished, case. Only a couple of hands, forever going round and round to no apparent purpose, betray the existence of an intelligent design. The best designer is the one who leaves no signature – just invariant perfection. Creating a masterpiece, however, is a rare opportunity.
In daily diplomatic routine one is to judge the quality of a negotiated text not by its content, but by its discards. At the end of the day, under a diplomat’s table one may find crumpled amendments, execrable points of order, and many a plain word. The box of useless qualifiers, the well of slimy compromises, lie about empty.
To survive, a diplomat needs poetry. Filed amidst the many layers of the brief, the short poem will refresh the bleary mind. Poetry brings distance – hence perspective and insight. Poetry reminds the diplomat that the best professional is the amateur.
Most deeply – poetry is truth.

(Aldo Mateucci)


Mr Aldo Matteucci graduated from the Swiss Federal Institute of Technology (ETHZ) in Agriculture, and from Berkeley in Agricultural Economics. He spent three years in East Africa doing research on land use, then in Maryland, working on rural development. In 1977 he joined the Swiss Federal Office of Economic Affairs. He was deputy director of the EUREKA Secretariat in Brussels, and from 1994 to 2000, deputy secretary general of EFTA. He obtained early retirement upon leaving EFTA.

Monday, October 18, 2010

"Un misérable tas de petits secrets" (Malraux)

A lua abriu no céu um grito de alegria
que me fez esquecer o molho de segredos

trazidos do nascer.

O túnel

Não, não são os anos que nos levam
por este túnel escuro onde amarga
todo o mel que nos deram ao nascer.

Somos nós que cavamos fundo
na flor ou no deserto
de uma vida.

Saturday, October 16, 2010

Days of Wine and Roses

Se o vinho azedou
e as rosas murcharam,
o que é que mudou
do que te deixaram?

Quem te prometeu
que serias feliz?
Teu pai já morreu
e ninguém mais diz

que o vinho faria
junto com as rosas
promessa do dia
em cores vitoriosas.

Thursday, October 14, 2010

One Art

Perdemos muitas pessoas durante a vida e não só quando elas morrem. Pessoas mais ou menos importantes, mas que de repente notamos "já cá não estão". Ou porque morreram, ou porque desistiram de nós, ou porque nós desistimos delas.

One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three beloved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) a disaster.

Elizabeth Bishop

Wednesday, October 13, 2010

Obituários

"Apenas na morte amamos os nossos irmãos. Bem no sabeis todos vós, os que cuspis um veneno inútil sobre a amargura de outrem contra vós, sobre a opinião diferente, a cor que não preferis, a pátria que desdenhais. Que é esta aversão, este panfleto, senão uma condenação à morte, um voto para o fim de algo que não sois vós, não vos corresponde ou acerta com o vosso eu? Eis porque, quando o homem morre, logra então começar a viver na sua dignidade mais pura; amam-no então, uma vez que se diluiu a bélica estabilidade da sua imposição vital. Ele participa desse privilégio de que se exclui o efémero, não é já prisioneiro da corruptora fraude do tempo(...). Os mortos são populares porque não mudam."

(Agustina Bessa Luís, "A Muralha")

Monday, October 11, 2010

Meeting poets (Eunice de Souza)

MEETING POETS

Meeting poets I am disconcerted sometimes
by the colour of their socks
the suspicion of a wig
the wasp in the voice
and an air, sometimes, of dankness.

Best to meet in poems:
cool speckled shells
in which one hears
a sad but distant sea.

(Eunice de Souza, from "Five London Pieces")

Saturday, October 2, 2010

Nova poesia portuguesa: Margarida Vale de Gato

ANIVERSÁRIO

Há tanto tempo eu
trazia um vestido curto nós
subíamos as escadas eu
à frente sem reparar deixava
as pernas ao desamparo do teu
agrado, tínhamos bebido ao meu
futuro e era uma fuga o teu
presente um disco que me deste
reluzia em semi-círculo e a nós
excitava seriamente escapar eu
fazia vinte anos tu
relanceavas-me as pernas eu
abandonava a adolescência
nem olhara para trás tu
miravas-me as pernas de trás. Nós
subíamos ao telhado eu
trazia um vestido curto nós
estávamos tristes creio tu
fingias-te um sátiro e nós
subíamos ao alto desarmados.


O tambor do sol batia
nos olhos que a luz e o álcool e a luz
e o álcool diminuíam
e os brancos raiavam o solstício
incandescentes eu
fazia vinte anos tu
tinhas-me dado uma música eu
rodava-a na mão e o sol
girava no gume do metal eu
de vestido curto descrevia
um círculo de desejo nós
estávamos tristes creio nós
tínhamos subido e a crista
das telhas beliscava na pele
petéquias de luz e tu
ao disco do sol dançavas e eu
de olhos cegos espiava fazia calor nós
tínhamos bebido e tínhamos calor eu
já tinha vinte anos nós
éramos o grande amor.

(Margarida Vale de Gato, "Mulher ao Mar", Mariposa Azual, Lisboa, 2010)

Tuesday, September 28, 2010

La Solitude

Este blog serviu-me essencialmente para escrever.

Mas escrever em público é estranho : porque a escrita é uma actividade solitária, a que o leitor só deveria chegar no fim do percurso.

Podemos comentar a vida : e Mathew Arnold chamava à poesia "a criticism of life"... Podemos contar histórias. Podemos lançar boatos. Podemos fazer maldades.

E tudo isso pode ser escrita.

Mas a solidão faz falta. Agora faz-me falta.

Pus no Facebook (aqui não consigo copiar do YouTube) "La Solitude" do Léo Ferré.

É do que às vezes precisa a escrita.

Wednesday, September 22, 2010

Lendo Ruy Duarte de Carvalho

Lendo "Desmedida", o excelente livro de viagens de Ruy Duarte de Carvalho pelo Brasil, vejo como um angolano (que era também um bocado português, desculpa lá, ó Ruy!)sente exactamente o que eu senti como português face àquela permanente "fábrica do inédito" (na expressão dele) que é o Brasil : eu só entendi bem o que era ser português (e, pelo que ele diz, o Ruy só entendeu completamente o que era ser angolano) depois de ter vivido a experiência do Brasil.

O Brasil é a nossa desmedida. O Agostinho da Silva tem a clássica fórmula "o brasileiro é o português à solta". Eu penso que esta imagem produzida pelo Ruy do Brasil como "fábrica do inédito" é ainda melhor e mais generalizante. Reparem o que o Brasil faz dos imigrantes de todas as etnias. E reparem na complexidade do processo de branqueamento, que está a ser agora deturpado com acções afirmativas copiadas dos americanos, não que não haja injustiças no Brasil em relação aos negros que têm de ser corrigidas, mas acontece que o Brasil não tem nada que ver com os Estados Unidos (sorry, Mr. Vianna Moog!...).

Pergunto-me : e a Índia? E Goa? E Damão e Diu, tão diferentes de Goa? E Cochim e Calicute? Em que nos vem a Índia confrontar enquanto portugueses?

É muito complicado. Areia demais para a minha camioneta? Ou inibição fatal do diplomata em posto? Só soube responder, até agora, com um livro de poemas, que, em princípio, irá sair em Maio : "Lendas da Índia". Mas talvez se sigam mais reflexões, com tempo e com distância...

Dormente é que não estou!

Tuesday, September 21, 2010

Thursday, September 16, 2010

Et pourtant...



"Il n'y a pas d'amour heureux" (Aragon)

Uma carta de Eça de Queiroz sobre a França



" Quatro quintos da França desejaram, aplaudiram a sentença. A França nunca foi, na realidade, uma exaltada da Justiça, nem mesmo uma amiga dos oprimidos. Esses sentimentos de alto humanitarismo pertenceram sempre e unicamente a uma elite que os tinha, parte por espírito jurídico, parte por um fundo inconsciente de idealismo evangélico. Não nego que, aí por 1848, essa elite conseguiu propagar o seu sentimento na larga burguesia, sensibilizada, amolecida desde 1830 pela educação romântica. Mas logo, com o Império, a França se recuperou, regressou à sua "natureza natural" e recomeçou a ser como sempre a Nação videira, formigueira, egoísta, seca, cúpida"


(carta a Domício da Gama de 26 de Setembro de 1899; a sentença referida foi a segunda condenação de Dreyfus)

À entrada de uma reunião de embaixadores em Nova Deli

Tuesday, September 14, 2010

Passeio matinal



Quando passo à porta da Embaixada da China, todas as manhãs, encontro muitas vezes monges budistas na fila para os vistos.

Sunday, September 12, 2010

Voltámos!



Rumo à livraria Bahri and Sons, no Khan Market!

Friday, September 10, 2010

Intempestivas (reflexões com o jet lag)

Voltemos a pensar a Índia, a partir de a viver.

Os europeus ante a Índia oscilam entre o fascínio e o esquecimento. Considerada ora como uma fonte de sabedoria, ora como um manancial de charlatanismo, o pensamento indiano foi ganhando contornos tanto míticos como mistificadores para a chamada consciência ocidental.

A seguir veio a promoção da imagem do novo gigante emergente, pronto para arrumar as nossas ineptas idealizações do Estado Social (Bismarck não chegou a conhecer Hayek e o próprio Adam Smith tinha umas ideias morais extravagantes!). A vida num slum de Bombaim conviria perfeitamente aos nossos trabalhadores. Mas a constatação do dinheiro que este gigante gasta a impedir os camponeses de morrerem de fome e a sustentar os luxos e consumos dos funcionários públicos, os mais inúteis e perniciosos dos seres, logo virou os entusiasmos liberais de novo para a grande e democrática China, terra das mais amplas liberdades...

E assim voltámos ao tio Mao, que já nem temos o Simon Leys para dizer que o rei vai nu!

Thursday, September 9, 2010

Fado do Amigo da Onça



Nenhum destino me espera
à beira de entristecer:
se um amigo me faz guerra,
traição o fará morrer.

Trago o soluço comigo
de um choro que jamais tive:
não era amigo o amigo,
nem sei se morre se vive!

Se mentiu ou se levou
a minha amada com ele,
largou memória, passou
por baixo do rio, aquele

que os mortos vão conhecer
quando o tempo se esconder.

Tuesday, September 7, 2010

Regresso à Índia



(imagem roubada no facebook a Assírio e Alvim)

Monday, September 6, 2010

Para encerrar o ciclo do Algarve

Algarve

1

A luz mais que pura
Sobre a terra seca

2

Um homem sobre o monte desenhando
A tarde transparente das aranhas

3

A luz mais que pura
Quebra a sua lança

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Sunday, September 5, 2010

Homenagem ao Algarve e a António Ramos Rosa

Eu sou algarvio, nasci no Sul [...] o espaço mais luminoso de Portugal, sim, terá tido alguma influência na minha obra poética onde a “nudez” é uma palavra que terá talvez alguma correspondência com a paisagem algarvia

(António Ramos Rosa)



Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"

Homenagem à Ria de Faro

LEMBRANÇA DA RIA DE FARO

Dunas atrás da casa
gafanhotos cor de
madeira cardos cor de areia
ao fim da tarde,
barcos na água rósea
onde a cidade, em frente à casa, cai
De madeira caiada a
casa está
sobre a areia, que escurece quando
a maré devagar desce na praia

Gastão Cruz
Crateras
Lisboa, Assírio & Alvim, 2000

Wednesday, September 1, 2010

Homenagem à Ria de Alvor

NUMA NOITE DE AGOSTO SOBRE A RIA DO ALVOR
(à Elisabeth Enders e à Lena Abreu)

Gritam grilos na noite serrilhada, cosidos a ela
como lantejoulas

gritam grilos como as estrelas
no infinito imaginado:

a invisibilidade dos números
faz os brilhos

um gato passa no seu passo lento e fino
um gato temerário que me fita

um comboio corta a noite correndo
pelo som que faz
o romper do ar que há na sua voz
na sua voz

Velocidade é tempo e o comboio é a sua
mais perfeita imagem

- tudo o que corre ocorre no sentido inverso
à marcha do comboio

no sentido inverso à terra, ao seu relógio,
pois que a velocidade é tempo e o comboio

é dela a mais perfeita imagem
Os comboios que eu amo não sabem de onde vêm

perdem-se na noite e refocilam como portentosos sonhos
pelos campos espalham uma quimérica limalha

dispersam-na e refocilam, portentosos bisontes
pois que algo no comboio livremente o toma

como as obstinações, a febre
e porque é febre a pressa que o acirra

(Maria Andresen, "Lugares,3", Relógio d'Água, Lisboa, 2010)

Homenagem à Mexilhoeira Grande

A POESIA

É uma luz que desce a escada do poema e
se senta à porta, esperando que o dia entre
para dentro da estrofe.

É uma voz que se encosta ao corrimão
da palavra e sobe sílaba a sílaba até chegar
ao patamar do verso.

É o eco que nasce de um canto perdido
nos quintais do poema, e atrai os pássaros
para dentro da sua imagem.

É a mão que percorre as linhas da frase,
como se fossem as linhas da vida, e decide
em cada cesura um ponto final.

Como se a poesia nascesse do silêncio, ou
um grito a empurrasse para a vibração
de um último eco.

(Nuno Júdice, "Guia de Conceitos Básicos", D.Quixote, Lisboa, 2010)

Monday, August 30, 2010

Comigo me desavim...

"O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Bernard Kouchner, afirmou hoje à rádio RTL que "pensou na demissão" em face da polémica acerca da expulsão de ciganos, mas que não o fez porque "sair é desertar".

Bernard Kouchner, que antes de entrar na política foi durante longos anos defensor dos direitos humanos, afirmou "não estar contente com o que aconteceu" e admite que a imagem de França foi afectada por esta política do Governo, que mereceu críticas das Nações Unidas e do Vaticano.
Kouchner considerou no entanto que a França, enquanto um dos principais países receptores de candidatos a asilo, "não tem nada de que se envergonhar".
O ministro afirmou que, de "coração apertado" com este caso, pensou na hipótese de se demitir, mas não o fez por considerar ser mais importante "tratar melhor" do assunto: "É importante continuar. Sair é desertar, é aceitar".
Questionado sobre se abordou essa hipótese de se demitir com o Presidente, Nicolas Sarkozy, o ministro respondeu: "Se não falarmos com o Presidente, falamos com quem?".
O Governo francês foi fortemente criticado pela sociedade civil, pela esquerda e pela Igreja pela sua política de desmantelamento dos acampamentos ilegais de ciganos e a expulsão de centenas de pessoas desta etnia em situação irregular para a Roménia."

(Diário de Notícias)

"Comigo me desavim

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse:
Agora já fugiria
De mim , se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?"

(Sá de Miranda)

Sunday, August 29, 2010

Wednesday, August 25, 2010

Anónimos ficam à porta (2)

O meu nome é Luís Filipe Castro Mendes. Mais informações no anuário diplomático e nos dicionários de literatura portuguesa de Álvaro Manuel Machado e da Verbo. Não aceito neste blog comentários não identificados.

Uma citação triste de Eça de Queiroz

Também eu senti grande tristeza com a indecente recondenação do Dreyfus. Sobretudo, talvez, porque com ela morreram os últimos restos, ainda teimosos, do meu velho amor latino pela França.

Carta a Domício da Gama, 26 Set. 1899


EÇA DE QUEIROZ

Saturday, August 21, 2010

Thursday, August 19, 2010

Divertimento

Um diplomata só já é risível;
poeta e diplomata, isso é demais!

Fica bem nas fronteiras do incrível:
Vinícius e Cabral não quero mais!

Foi você que pediu Octavio Paz?
Não sei o que ele fez nem o que faz.

Poetas são patetas com plumas
e diplomatas são coisas nenhumas.

Claudel que vá rezar avé marias
e o Perse consertar as avarias

que fez à Resistência no exílio.
Não pensem que esquecemos o Abílio

Guerra Junqueiro, toda uma ameaça:
o Rei a cair morto numa praça!

Poetas diplomatas, vão pastar!
Poetas presidentes?! Nem pensar...

E não julguem que sou qualquer reaça!
Eu sou da nobre estirpe de um talassa...

Despedidas de verão

Sol negro da melancolia, volta a ter comigo:
nada esqueci, porventura nada aprendi.
Sento-me na rocha sobre a foz do rio
e digo que voltei para te reencontrar.

Escrevo à tua vista e deixo cair a sombra
negra sobre as margens do rio.
Sol negro da melancolia, sempre voltarei aqui;
nem sequer peço já para te reencontrar.

Friday, August 13, 2010

Ruy Duarte de Carvalho

Conheci-o em Luanda, em 1977. Convivemos durante todos estes anos, com muitas intermitências (e até com alguma distância crispada nos últimos anos) - mas com ele muito aprendi e pelo saber dele muitas coisas me mudaram e me fizeram crescer.

Um escritor mais importante do que parece, uma personalidade complexa, mas bem grande em toda a sua acidez e lucidez.

Ruy, devo-te sabedoria. E nada te dei.

Thursday, August 12, 2010

Anónimos ficam à porta

Este blog não aceita comentários anónimos, de qualquer tipo.

Monday, August 9, 2010

Manuel Teixeira Gomes



Ao grande escritor algarvio. E os talassas que insultam hoje a sua memória terão a sorte de Paiva Couceiro... o ridículo!

O Algarve não está parado

Conversa de manhã cedo com o presidente da Junta de Freguesia de Odeceixe.

Fica-se com boa impressão desta geração nova de autarcas (sobretudo depois de um ano na Índia a ler pela internet os nossos inefáveis jornais, que repetem "ad nauseam" o queiroziano chavão "isto é um país perdido").

Há na nossa terra gente que faz, sem precisar do coro de harpias neo-conservadoras ou neo-liberais que dominam hoje a nossa imprensa (se viesse para esta nossa praia a grande iniciativa privada, faziam disto ou uma gigantesca Quarteira ou uma inacessível Quinta do Lago).

Há autarcas activos, surgem pequenos empresários ... mas não desbloqueiam para trabalhar nem um dos 200 desempregados da freguesia inscritos no Centro de Emprego, porque tudo pára em Lisboa! Deve haver uma razão para isso : é melhor ter mais desemprego e gastar menos com as autarquias. Será?

"As monstruosidades vulgares" (Régio) que prevalecem na Costa Sul do Algarve estão aqui proibidas pelo Parque Natural da Costa Vicentina, apesar da oposição feroz da santa iniciativa privada... e do PCP!

Há sempre estranhos "compagnons de route" nesta vida...

O Algarve não é Paris...

Resposta de um empregado de restaurante odeceixense, instado a trazer o prato que a cozinheira se tinha esquecido de fazer:

"Minha senhora, não seja repetitiva!".

Venham-me depois dizer que os "garçons" dos restaurantes parisienses são arrogantes... os algarvios são bem superiores na arrogância! Temos a arrogância mais alta da Europa! Bravo!

(Tenho que reconhecer aqui, com humildade de algarvio, que o Norte de Portugal é diferente!)

Sunday, August 8, 2010

Um soneto ao Algarve para os meus amigos de Poço Barreto

O silêncio repousa sobre a terra,
quando a noite desiste de ser mar
e o coração da gente mais se aferra
à âncora perdida sem lugar.

Embarcação errante a tua vida,
inteira cabe nua neste mar:
que fizeste de ti, canção esquecida
sem sal nem búzios soltos a ecoar?

O erro sem discurso dos meus anos
deu-me estes versos só para partilhar
com quem viveu os mesmos desenganos
e o mesmo porto teve que deixar.

Dedico este soneto a uma terra
que em âncora se faz quando desferra...

O meu Algarve, poema (longo) de João Lúcio

O MEU ALGARVE (João Lúcio, O Meu Algarve, 1905)



Oh meu ardente Algarve impressionista e mole,
Meu lindo preguiçoso adormecido ao sol,
Meu louco sonhador a respirar quimeras,
Ouvindo, no azul, o canto das esferas
- A marcha triunfal dos mundos pelo ar. –
Para te adormecer, Deus pôs-te perto o mar,
E, para fecundar a tua fantasia,
No vasto palco azul, erguido nos espaços,
Fez mais belo para ti o drama em oiro – o Dia,
E deu, pra te abraçar, à luz, mais fortes braços.
Romântico torrão de doidas fantasias,
Namorado gentil, sensual e troveiro,
Onde o luar se orquestra em novas harmonias
E faz de neve em vez das neves de Janeiro…
Terra doirada, aonde as tardes caem mansas,
Como verga uma flor na haste delicada,
E onde os lírios são amigos das crianças
Numa amizade sã, divina, imaculada,
Algarve, onde os perfis, romanescos, dolentes,
Têm um ar de sonho e de fadiga mole,
E parecem abrir-se em curvas indolentes,
Como flores também, ao palpitar do Sol…
Campos de um verde álacre, onde zumbem as cores,
Onde transborda a seiva, alegres e felizes:
Sentem-se germinar as raízes e flores,
Na luxúria de Luz dos tropicais países.
Às tardes, cada monte eleva-se sereno,
Na fluida limpidez dos poentes de rosa,
E a paisagem tem um distender ameno
De mulher sensual, fecunda e preguiçosa.
Algarve das paixões, do amor violento,
Que fana, quando passa, as bocas, de desejos;
Aromática terra, onde a asa do vento,
Em vez de ser de ferro, é branda como os beijos…
Terra dos figueirais e das vinhas Formosas
Do luar novelesco, embriagante, albente,
Onde o Sol sensual cansa os nervos das rosas,
Numa volúpia de oiro intensa, absorvente…
Algarve do morghot, dos rostos escondidos,
Das lendas, das visões, das moiras encantadas!
Onde as línguas do Ar murmuram aos ouvidos
Com vocáb`los de sonho, as histórias de fadas…
Encantado jardim fremente de matizes,
Onde a cor dá concerto em sinfonias de oiro,
E onde, sob o solo, as ávidas raízes
Vão às vezes tocar nalgum velho tesoiro…
Costas do meu Algarve, onde é tão terno o mar,
Dum veemente azul em ritmos de veludo,
Com neblinas de prata, ao nascer do luar,
Espumantes de luz, quando o sol cobre tudo…
Costas azuis de sonho, onde os navios parecem
Lírios que vão boiando e voando serenos,
E as velas, correndo, ao longe se esmaecem
E semelham, assim, uns malmequeres pequenos…
Canta suavemente a água, sob as quilhas,
Com um vago rumor, cetinosa e azul,
As líquidas canções, as finas baladilhas
Deste mar sonhador, do meigo mar do Sul.
Como to és diferente, oh mar doce e saudoso,
Oh mar do meu Algarve, enternecido mar,
Do sinistro oceano escuro e ardiloso
Que esmaga os navios para os poder roubar!
Tu nunca, como ele, assassinaste, rindo,
Noivos a viajar, poetas, marinhagem,
Que sonham no convés, quando o luar, subindo,
Risca em prata na água o sulco da viajem…
Tu vais cantar de noite à beira dos moinhos,
Das colinas, dos cais, das praias murmurosas,
Para embalar o sono às aves nos seus ninhos
E para destruir a insónia das rosas…
Quando perto de ti as namoradas choram,
Meu belo aventureiro azul, vais consolá-las;
Por isso, lindo mar, elas tanto te adoram:
Abrem-te o coração, sempre que tu lhes falas…
Tu vais adormecer sobre o barco, cantando,
O pobre pescador cansado de remar…
Pra poderes tornar o seu mais brando;
Nem o barco, sequer, lhe fazes oscilar…
Tu vais fazer vibrar as pequeninas ilhas,
Emergindo de ti, brancas, silenciosas,
Na melodia azul das vagas e das quilhas
E das velas correndo, alvas e luminosas.
Vais fazer latejar, numa glauca harmonia,
As rochas junto a ti erguidas e soldadas,
Meu lindo mar do Sul, oh mar da Fantasia,
Da Aventura, do Amor, da Lenda e das Baladas!
Luar do meu Algarve, imaculado e fino,
Luar fluido, de neve, opalas e jasmins,
Romântico luar, transparente e divino,
Que inundas de Quimera as áleas dos jardins.
Cetinoso luar, querido dos marinheiros,
Luar sentimental do sonho e dos amores,
Que nevas com a luz a água dos ribeiros
E dos lagos azuis deitados entre flores.
Tu vais tecer, de leve, em brancas musselinas,
A baías, o mar: entulhá-los de estrelas;
Romantizas os cais, as ilhas, as colinas,
As curvas dos perfis, o voo ágil das velas.
Vais rolar, sobre a serra e nos vales floridos,
O teu alvo fulgor de mármore e de arminhos:
Tornas os corações bons e compadecidos,
Idílicos; o campo, as estradas, os ninhos…
Negrejantes pinhais vivendo à beira-mar,
Vales sorvendo luz, colinas maceradas,
Silenciosos navios ao longe a navegar
Sobre o trémulo seio das águas desmaiadas.
Toca-vos o clarão evocador da lua
E tendes logo o ar dum sonho desenhado,
Como um fluido véu por sobre vós flutua
Esse pólen da luz, que os mundos tem criado…
Oh sol, vibrante sol, do meu Algarve de oiro,
Que fazes palpitar os peitos e os jardins
No mesmo grande amor, fecundo, imorredoiro,
Que rebenta, na Vida, em olhos e jasmins:
Oh sol que pões no Céu um brilho violento
E fazes chamejar, ao longe, os horizontes;
Que pões fogo no ar e pões brasas no vento
E que vais calcinar a epiderme aos montes:
Adoro a tua luz vigorosa e sadia,
Que moldura no campo a música das cores,
Que rega, em nossa alma, os cactos da Alegria
E esculpe na semente os bustos das flores:
Cai-me sobre o olhar: banha-me em teu fulgor,
Oh sol que pões no Céu um latejante azul:
Dá-me a tua alegria e dá-me o teu vigor,
Oh sol, imortal sol, do meu país do Sul…
Manhãs do meu Algarve, auroras grandiosas,
Abrindo pelo Céu girândolas de cores,
Feitas de seda e oiro e mármores e rosas,
Acordando de manso as sonolentas flores!
V`luptuosas manhãs triunfais e supremas,
Em que o ar não tem mancha, a luz não tem algemas!
Auroras que deixais as montanhas eztáticas,
No triunfal fulgor com que ides inundá-las:
Deslumbrantes manhãs intensas e dramáticas,
Dilúvios de rubis e liquidas opalas!
Plo ar imaculado o vosso oiro palpita,
Como um pólen de luz celeste e fecundante,
Que vem tornar a terra a santa mãe bendita,
Que, sob os astros, gera a vida, a cada instante.
Oh manhãs sobre o mar, vossa frescura trago-a
Dentro do coração e na curva do olhar!
Manhãs, que pareceis incêndios sobre a água,
Quem me dera um pincel pra vos poder pintar!
Oh mar, oh sol, oh noites transparentes,
Campos a burbulhar a seiva que os invade,
Horizontes sem mancha, alvoradas ardentes,
Olhos frescos de amor ensinando a saudade,
Eu amo a vossa cor, o vosso brilho forte,
A fecunda alegria que de vós se evapora;
Detesto a palidez que cobre os céus do norte,
Onde a Cor se desbota e onde a Luz se descora.
Frio encanto polar das montanhas geladas,
Com um sinistro alvor de sepulcral luar,
Alva graça mortal das campinas nevadas,
Que a natureza fez para o cinzel imitar:
O vosso encanto é um encanto de morte,
Vossa beleza é a paralisação:
Oh arte glacial das regiões do norte
Não fazes palpitar jamais o coração!





Natureza imortal, tu que soubeste dar
Ao meu país do sul a larga fantasia,
Que ensinaste aqui as almas a sonhar
Nessa frescura sã da crença e da alegria:
Que inundaste de azul e mergulhaste em oiro
Esta suave terra heróica dos amores,
Que lançaste sobre ela o canto imorredoiro
Que vibra a sinfonia oriental das cores:
Tu que mostraste aqui mais do que em toda a parte
O intenso poder do teu génio fecundo,
Que fizeste este Céu para inspirar a Arte
E lhe deste por isso o melhor sol do mundo:
Ensina algum pintor a fixar nas telas
Este brilho, esta cor, inéditos, diversos,
E põe a mesma luz que chove das estrelas
Na pena que debuxa estes humildes versos.

Os juízes, caricatura de Daumier

Sunday, August 1, 2010

Monday, July 26, 2010

Saturday, July 24, 2010

In my end is my beginning (T S Eliot)

Home is where one starts from. As we grow older
The world becomes stranger, the pattern more complicated
Of dead and living. Not the intense moment
Isolated, with no before and after,
But a lifetime burning in every moment
And not the lifetime of one man only
But of old stones that cannot be deciphered.
There is a time for the evening under starlight,
A time for the evening under lamplight
(The evening with the photograph album).
Love is most nearly itself
When here and now cease to matter.
Old men ought to be explorers
Here or there does not matter
We must be still and still moving
Into another intensity
For a further union, a deeper communion
Through the dark cold and the empty desolation,
The wave cry, the wind cry, the vast waters
Of the petrel and the porpoise. In my end is my beginning.

T S Eliot , "East Coker", "Four Quartets"

Tuesday, July 20, 2010

In my end is my beginning

Este blog tem crescido como uma resposta de quem o escreve à Índia em que vive : mas assim como em todas as viagens nós acabamos por voltar sempre ao ponto de partida (que somos nós próprios),assim, mais do que falar da Índia, este blog tem vindo a falar de quem olha antes do que é olhado.

Com o passar do tempo, apareceu dentro dele o que poderá vir a ser um livro de poemas... mas, como em toda a poesia, a Índia será nele um pretexto, um ponto de partida para uma coisa de que uns gostam e outros não, mas que é só coisa de poesia.

"In my end is my beginning" (T.S. Eliot)

Thursday, July 15, 2010

Lendo sobre castas

Claro que, por menos que se dê por elas no quotidiano da grandes cidades e por mais que sejam alheias ao discurso dos nossos amigos das classes média e alta de expressão inglesa, elas existem, mesmo banidas pela Constituição, e ganham hoje maior dimensão no espaço público até, com a força política que têm conquistado nos últimos anos através dos "partidos de castas" e também através das quotas resultantes das complexas discriminações positivas em vigor nas escolas, universidades e concursos para a função pública...

Uma observação de Dipankar Gupta (autor que já aqui antes citei) fez-me pensar : ao contrário do que sustenta Louis Dumont e a sua escola, as castas inferiores não aceitam interiormente o seu baixo lugar na hierarquia como necessariamente impuro pela força do karma - e se muitos, é certo, lutam e lutaram contra o seu estatuto inferior (Ambedkar, Lohia, etc, mas podemos também pensar no budismo, no jainismo, no sikhismo, todos anti-castas), há outros de casta inferior que simplesmente denegam: consideram a sua casta, ela sim, como superior. Eles é que são superiores aos outros...

Claro que isto é diferente conforme a casta de que se trate - e é particularmente gravoso no caso dos dálits - mas não deixa de nos fazer pensar...

É que como diz Gupta, a sociedade hierárquica indiana é uma manifestação peculiar e religiosamente codificada da geral necessidade humana de hierarquia e distinção - não uma exclusiva aberração civilizacional. O que não quer dizer que não se deva lutar contra ela - do mesmo modo que lutamos contra as nossas próprias mazelas sociais.

(Reflexões de um ignorante)

PS É curioso que venha de um autor goês (Kosambi) a reflexão marxista mais interessante sobre a questão das castas, que o marxismo vulgar nunca soube analisar...

Friday, July 9, 2010

Os anos 60

Os poetas da minha juventude
confundem-se com as suaves e ariscas raparigas
que namorávamos nos bailes e cinemas mais escuros
e cada verso que lembro
é um acto de amor que ficou por praticar.

Trabalho hoje o poema sem um sorriso de mágoa,
escrevo para ti ou viro-me de costas para o mundo,
porque tudo mudou.

A memória nada é sem este puro imaginar:
transforma-se o amador no seu próprio vazio
junto da coisa amada.

Thursday, July 8, 2010

Também não deixa de ser verdade...

"Se puede privatizar o no, pero no estar a los dos lados del río", dice un experto

(do EL PAIS de hoje, ainda)

Todos com os holandeses!

No EL PAIS de hoje:

Ahora bien, tampoco es muy decoroso, como recuerdan los expertos, que nuestros empresarios y políticos se cuelguen ahora la medalla de la defensa del libre mercado. España también ha sido protagonista de maniobras intervencionistas. "No podemos jugar a ser los reyes del juego limpio. España se resistió en su momento a suprimir la acción de oro, se ha retocado la legislación del mercado eléctrico...", recuerda Jordi Fabregat.

El Gobierno español derogó la acción de oro en 2005, diez años después de su entrada en vigor con la Ley de Privatizaciones. La decisión llegó tras un largo pulso con la Comisión Europea. Desde 1998 Bruselas reclamaba a nuestro país la supresión de este blindaje. El Gobierno español nunca llegó a utilizar la golden share, pero la posibilidad de hacerlo bastó para frustrar la fusión de Telefónica con KPN, donde el Estado holandés tenía el 43% de las acciones, en 2000.

Además, cuando España no ha contado con la acción de oro, se ha valido de otros instrumentos. Rodrigo Rato, ministro de Economía con el PP, vetó en mayo de 2001 la compra de Hidrocantábrico por parte de la alemana EnBW y la portuguesa EDP. Para ello recurrió a una disposición adicional de la Ley de Presupuestos de 2000, que fijaba que cuando una empresa con capital público entraba en el capital de una empresa energética española, sus derechos políticos se limitaban al 3%. En el caso de la opa de E.On sobre Endesa, el entonces ministro de Industria, el socialista José Montilla, reforzó las competencias de la Comisión Nacional de la Energía para que pudiera analizar la operación bajo el prisma de la denominada Función 14. Bruselas se pronunció en contra de esta maniobra. Otra situación de blindaje, esta aún en vigor, se da en el gestor bursátil Español, BME: toda adquisición de acciones superior al 1% del capital debe contar con el visto bueno de la Comisión Nacional de Mercado de Valores (CNMV).

Tuesday, July 6, 2010

Poema da quarta monção

Com a monção chegou este sentimento
de que há muito eu sei:
não tenho lugar. Se eu fosse poeta diria antes:
tenho todos os lugares do mundo!
Ou, mais simplesmente:
eu não sou eu nem outro,
eu simplesmente não sou. Eu sou tudo o que me atravessa e transforma,
tudo o que amo e tudo que
(mesmo inexplicavelmente)
de repente passo a odiar.
E esgueiro-me sempre nos desvãos
de entre ser e não ser.

Bom, está bem, não serei um verdadeiro poeta:
sou uma nostalgia sem objecto, uma saudade por aplicar,
um investimento perdido
para o mercado dos capitais poéticos.
Estou muito velho para não ter qualidades
e sou ainda novo para me imolar pelo fogo.
Deixem-me ficar por aqui
entre a chuva e a lama das estradas,
que aqui vão crescendo com a monção.

Sunday, July 4, 2010

O escritor e a perda do seu capital simbólico

Nós, escritores, neste momento não temos quase peso nenhum. Talvez estejamos a perceber que os jornalistas tomaram esse papel porque sabem aquilo que nós não sabemos. Eles têm acesso a uma informação com mais elementos e nós estamos a ser ultrapassados pelas situações. Retraímo-nos, porque é muito fácil estarmos enganados. Pela nossa própria natureza de trabalho, precisamos de fazer uma transfiguração da realidade que exige um silêncio e um afastamento do mundo e, por vezes, ficamos embrulhados em utopias que nos impedem de responder a questões de informação imediata.

Com esse comportamento vão perder o seu lugar nas elites culturais?

Têm-no perdido, ultimamente. Se os escritores se encontram numa mesa em que há um jurista, um médico, um jornalista e um professor universitário, é natural que a opinião do escritor não apareça. Não é por desconsideração, é por desconfiança de que é um lírico e não tem resposta adequada.

(entrevista de Lídia Jorge ao "DN" de hoje)

Saturday, July 3, 2010

Transformações do maoísmo

Com a decisão tomada pelo Partido Comunista Chinês de tornar obrigatória a aprovação pelas suas estruturas dirigentes de todas as reincarnações do Buda nos lamas tibetanos (incluindo o Dalai Lama), a teoria marxista-leninista deu um passo de gigante.

A partir do momento em que o marxismo se tornou decisivo na questão delicada das reincarnações de Buda, outras áreas de inquietação estão abertas ao pensamento comunista : a Imaculada Conceição de Maria ; a Santíssima Trindade; o regresso do profeta Ali; o local onde nasceu o deus Rama - um novo mundo de problemas para o socialismo científico!

O Partido Comunista Chinês invoca como precedente que já os imperadores Qing tiveram esse privilégio quanto às reincarnações de Buda - também os Reis de Portugal Fidelíssimo aprovavam a nomeação dos Bispos pelo Papa, pelo que os comunistas esperam legitimamente conhecer as posições do Senhor Presidente da República sobre a composição da Conferência Episcopal Portuguesa!

Friday, July 2, 2010

Miguel de Vasconcelos, Cristóvão de Moura...

... também exprimiam a racionalidade económica e o sentido pragmático dos interesses em causa.

"Um conde que cora ao ser condecorado" (O'Neill)

Verso do dia.

Thursday, July 1, 2010

Wednesday, June 30, 2010

Carlos Queiroz

CANÇÃO GRATA


Por tudo o que me deste:
– Inquietação, cuidado,
(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insónia, pelas ruas, como um louco…
– Obrigado! Obrigado!

Por aquela tão doce e tão breve ilusão.
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!

Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!
– Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado…
Sem ironia, amor: – Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!

Carlos Queiroz (n. Lisboa 5 Abr 1907; m. 27 Out 1949),
um excelente poeta esquecido

Memórias de um ministro dos negócios estrangeiros muito peculiar...

Cependant Sverdlov s'opposa résolument à ma désignation au service de la presse :

--Nous y mettrons, dit-il, Boukharine. Il faut opposer Lev Davidovitch à l'Europe. Qu'il prenne les Affaires étrangères...

--Que seront maintenant nos Affaires étrangères ? répliqua Lénine.

Mais, à contrecoeur, il consentit. A contrecoeur; je consentis aussi. C'est ainsi que pour un trimestre, sur l'initiative de Sverdlov, je me trouvai à la tête de la diplomatie soviétique.

Le commissariat des Affaires étrangères signifiait qu'en somme j'étais exempté d'un travail ministériel. Aux camarades qui m'offrirent leur concours, je proposai presque invariablement de chercher une carrière moins ingrate pour leurs capacités. L'un d'eux, dans la suite, rapporta assez savoureusement dans ses Mémoires l'entretien qu'il avait eu avec moi bientôt après la formation du gouvernement soviétique.

«--Que peut être, lui dis-je, comme il le raconte, notre travail diplomatique ? Je vais publier quelques proclamations révolutionnaires et je n'aurai plus qu'à fermer boutique.»

Mon interlocuteur était sincèrement chagriné de cette insuffisance du sens diplomatique en moi. Bien entendu, j'avais fait exprès d'exagérer l'expression de mon point de vue, désirant souligner que le centre de gravité ne portait pas alors sur la diplomatie.

L'essentiel du travail était, en effet, de développer la révolution d'Octobre, de l'étendre à tout le pays, de repousser l'incursion de Kérensky et du général Krasnov marchant sur Pétrograd, de combattre la contre-révolution. Nous remplîmes ces tâches en dehors des attributions. ministérielles et ma collaboration avec Lénine fut tout le temps la plus étroite et incessante.

(...)

Au cours de l'insurrection, nous avions autre chose à faire que de nous intéresser aux «radios» de l'étranger. Mais lorsque je fus commissaire du peuple aux Affaires étrangères, je dus m'occuper de savoir ce que pensait le monde capitaliste de notre coup d'Etat. Inutile de dire que les félicitations ne se faisaient entendre de nulle part. Si disposé que fût le gouvernement de Berlin à user de coquetterie à l'égard des bolcheviks, il envoya de la station de Nauen une onde hostile lorsque la station de Tsarskoïé-Sélo transmit mon communiqué relatant notre victoire sur les troupes de Kérensky. Mais si Berlin et Vienne hésitaient tout de même entre leur haine de la révolution et l'espoir d'une paix avantageuse, tous les autres pays, non seulement les belligérants, mais même les neutres, exprimaient en diverses langues les sentiments et les réflexions des classes dirigeantes que nous venions de renverser dans la vieille Russie.

Dans ce choeur, la tour Eiffel se distinguait par ses fureurs; elle se mit même à parler russe, espérant évidemment atteindre ainsi directement les consciences du peuple russe. Quand je lisais les «radios» de Paris, il me semblait parfois que Clemenceau en personne était juché au sommet de la tour. Je le connaissais assez, en sa qualité de journaliste, pour reconnaître, sinon son style, du moins son inspiration. La haine montait à s'étouffer elle-même dans ces «radios», la fureur arrivait au plus haut degré. Il semblait parfois qu'au haut de la tour un scorpion allait, de lui-même, se planter son dard dans la tête.

Nous avions à notre disposition la station de Tsarskoïé-Sélo, et nous n'avions aucune raison de nous taire. Plusieurs jours durant, je dictai des répliques aux insultes de Clemenceau. J'avais de l'histoire politique de la France des connaissances assez étendues pour donner sur les principaux personnages des renseignements peu flatteurs et rappeler certains traits de leur biographie que l'on avait oubliés depuis l'affaire de Panama. Pendant quelques journées, ce fut un duel serré entre les tours de Paris et de Tsarskoïé-Sélo: l'éther, fluide neutre entre tous, transmettait consciencieusement les arguments des deux parties. Et qu'arriva-t-il? Je ne m'attendais pas moi-même à de si rapides résultats. Paris changea brusquement de ton: il s'expliqua dans la suite avec hostilité, mais poliment. Plus tard, je me suis rappelé bien des fois avec plaisir que j'avais débuté dans la carrière diplomatique en apprenant à la tour Eiffel les bonnes manières.

(Trotsky, "Ma Vie")

Mais Paul Krugman : ortodoxias

"It's almost as the financial markets understand what policy makers seemingly don't : that while long-term fiscal responsibility is important, slashing spending in the midst of a depression, which deepens that depression and paves the way for deflation, is actually self-defeating.

So I don't think this is really about Greece, or indeed about any realistic appreciation of the tradeoffs between deficits and jobs. It is, instead, the victory of an orthodoxy that has little to do with rational analysis, whose main tenet is that imposing suffering on other people is how you show leadership in tough times"

(IHT, 29/6)

Tuesday, June 29, 2010

O Condestável

Não, o Cristiano Ronaldo NÃO é o Nuno Álvares Pereira, definitivamente...

Intervalo (Portugal - Espanha)

"Quantos rostos ali se vem sem cor,
Que ao coração acode o sangue amigo!
Que nos perigos grandes o temor
É maior muitas vezes que o perigo"

("Os Lusíadas")

Antes de começar o jogo...

"Deu sinal a trombeta castelhana,
horrendo, fero, ingente e temeroso;
(...)
Começa-se a travar a incerta guerra:
De ambas partes se move a primeira ala:
Uns leva a defensão da própria terra,
Outros a esperança de ganhá-la.
Logo o grande Pereira, em que se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala:
Derriba e encontra e a terra enfim semeia
Dos que a tanto desejam, sendo alheia."

""Os Lusíadas"

(onde se lê Pereira (Nuno Álvares) leia-se Ronaldo (Cristiano)... se ele o vier a merecer!

"I think on those who were truly great" (Spender)

"Although the term equilibrium had a comforting ring, suggesting that the economy was in balance, the real implication was sinister. The economy was at rest. It was not self-righting"

(Peter Clarke, "Keynes", 2009)

Saturday, June 26, 2010

Propostas poéticas para a próxima terça feira

"Era o mez de Dezembro. Enfim desperto
depois de sessenta anos de lethargo,
olhava Portugal ao ceo e ao largo!
chovia-lhe o maná no seu deserto!

(...)

"Que mais querem de nós? após tamanha
galhardia d'algoz, ébrios de glória,
apagaram acaso a luz da História?
não lêm seus feitos?... Que nos quer a Hespanha?

Quer insultar a lápide funérea
Que pesa sobre nós, heroes de Ourique!...
Estremecei de horror, filhos de Henrique!...
Repercuti meu canto, echos da Iberia!"

Thomaz Ribeiro, "D.Jayme"

Estão-se a rir? Na época, este poema foi considerado superior a Camões...

Friday, June 25, 2010

Eram outros tempos, meus amigos...

Oswald de Andrade

A Europa curvou-se ante o Brasil

7 a 2
3 a 1
A injustiça de Cette
4 a 0
2 a 1
2 a 0
3 a 1
E meia dúzia na cabeça dos portugueses

(Oswald de Andrade, "Pau Brasil", 1925 - já eram assim!)

Cette é Sète, cidade francesa, cantada por Valéry e Brassens, onde pelos vistos a turma brasileira de 1925 não conseguiu ganhar...

Ainda o caso Mathis

"No dia anterior, a selecção francesa fora eliminada do Mundial da África do Sul: o acontecimento levou a escola a decidir que, a partir desse dia, mais nenhum aluno entraria equipado na escola."

É o que se chama "fair play"...

Thursday, June 24, 2010

À la mère du petit Mathis (adapté de Victor Hugo)

Vous ne comprenez point, mère, le football.
Monsieur qu'on nomme grand, c'est son nom au vitriol.
Est métèque et même prince; il aime les palais;
Il lui convient d'avoir des victoires, des valets,
Des joueurs pour son jeu, sa table, sa télé,
Ses sports; par la même occasion, il sauve
La famille, l'entreprise et la société;
Il veut avoir la Coupe, pleine de roses l'été,
Que viendront l'adorer les préfets et les maires;
C'est pour cela qu'il faut que toutes les bonnes mères
De leurs pauvres doigts gris que fait trembler le temps
Décousent les chemises des portugais de cinq ans...

(Adapté librement de Victor Hugo, "Les Châtiments", "Souvenir de la Nuit du 4")

(ver "Carta ao Mathis" no blog duas-ou-tres.blogspot.com/)

Tuesday, June 22, 2010

No sétimo céu

Títulos de todos os jornais indianos (parece que cpoiaram uns dos outros...):

"PORTUGAL IN THE SEVENTH HEAVEN!"

Sunday, June 20, 2010

Private joke...mas é sempre bom reler Eça!

" Há hoje nas sociedades cultas um tom geral de bom gosto, de ironia, de fino senso, que põem bem depressa no seu lugar os fanfarrões da sabedoria, do milhão ou do músculo.

Ao nababo que nos agita diante da face uma bolsa cheia de ouro, dizendo : - "Pobretões! eu cá sou rico!" Responde-se tranquilamente : -"Talvez, mas és grosseiro!"

Ao mata-sete que nos mostra os seus pulsos de Sansão e nos grite: - "Fracalhões, eu cá sou forte"! Replica-se friamente: - "Talvez, mas és brutal!"

E ao sabichão que com quatro volumes debaixo de cada braço nos venha dizer de alto : - "Ignorantes! eu cá sou sábio!"! Responde-se serenamente - "Talvez, mas és pedante!"

E este tom meu caro Chagas, é indispensável. Se não, os ricaços, os valentes e os sabichões, coligados entre si, tornariam bem cedo a sociedade inabitável"

Eça de Queirós, "Carta Aberta a Pinheiro Chagas"

Saturday, June 19, 2010

Paul Krugman : o bom senso parece maior daquele lado!

Germans tend to think of running deficits as being morally wrong, while balancing budgets is considered virtuous, never mind the circumstances or economic logic. “The last few hours were a singular show of strength,” declared Angela Merkel, the German chancellor, after a special cabinet meeting agreed on the austerity plan. And showing strength — or what is perceived as strength — is what it’s all about.

There will, of course, be a price for this posturing. Only part of that price will fall on Germany: German austerity will worsen the crisis in the euro area, making it that much harder for Spain and other troubled economies to recover. Europe’s troubles are also leading to a weak euro, which perversely helps German manufacturing, but also exports the consequences of German austerity to the rest of the world, including the United States.

But German politicians seem determined to prove their strength by imposing suffering — and politicians around the world are following their lead.

How bad will it be? Will it really be 1937 all over again? I don’t know. What I do know is that economic policy around the world has taken a major wrong turn, and that the odds of a prolonged slump are rising by the day.

(in New York Times 17/6)

Do "Público" de hoje, aliás um bom artigo sobre a Índia

"Ficamos ligeiramente angustiados. Sentimos que o resto da Índia pode um dia ser assim. E isso é bom se as pessoas tiverem mais condições de vida. Mas também é mau porque Bombaim começa a parecer-se com qualquer cidade ocidental, com a sua marginal cuidada, as lojas Mango e as raparigas de óculos escuros." (Patrícia Carvalho)

E porque não andaremos nós vestidos de campinos e minhotas pelo Chiado? Não seria de estarmos nós também angustiados? Veja as fotografias de Lisboa em 1900 e pense se gostava de viver assim...

Friday, June 18, 2010

José Saramago

"Houve um grande silêncio. Depois caim disse, Agora já podes matar-me. Não posso, palavra de deus não volta atrás, morrerás da tua natural morte na terra abandonada e as aves de rapina virão devorar-te a carne, Sim, depois de tu primeiro me haveres devorado o espírito. A resposta de deus não chegou a ser ouvida, também a fala seguinte de caim se perdeu, o mais natural é que tenham argumentado um contra o outro uma vez e muitas, a única coisa que se sabe de ciência certa é que continuaram a discutir e que a discutir estão ainda. A história acabou, não haverá nada mais que contar."

(José Saramago, "Caim", 2009, final)

Thursday, June 17, 2010

Novas candidaturas

VERSOS DO POBRE CATÓLICO

Ruy Belo

Nem palavras nem coisas tenho para o teu altar
e é hoje a tua festa, agora é que me lembra, ó Senhora da Assunção.
Estás muito bonita; estiveram aos teus pés alguns momentos
brilhantes de fervor as presidentes de importantes movimentos.
Mas tens a fronte fria e dois olhos brilhantes.
Estava distraído. Não te sentes feliz
se o povo reza livremente o terço no país
e são muito cristãos os nossos governantes?

(...)

de "Boca Bilingue" (1966)

Wednesday, June 16, 2010

Comentários

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Tuesday, June 15, 2010

Poema com endereço

Penso nos que não têm verdadeira pátria:
nos que assumiram esse risco na beira das suas vidas
e por isso foram fuzilados, estripados ou gazeados;
e penso nos que fazem dessa ambiguidade o seu negócio,
ou lisonjeando as suas diversas pátrias
ou insultando-as a todas, para nosso absorto desvelo!

Penso nos que não têm verdadeira pátria:
nos que arriscaram a vida e foram carne para canhão,
alvo de fogueiras e campos de concentração;
e penso nos que fizeram desse estado o seu modo de vida,
com raiva e ressabiamento avulsos
para nos cobrar.

Penso nos que lutaram como homens
e penso nos que rabiaram como bebés.

Monday, June 14, 2010

Jacques Brel

Hoje lembrei-me de Jacques Brel...

Les flamandes
by Jacques Brel
Les Flamandes dansent sans rien dire
Sans rien dire aux dimanches sonnants
Les Flamandes dansent sans rien dire
Les Flamandes ça n'est pas causant
Si elles dansent, c'est parce qu'elles ont vingt ans
Et qu'à vingt ans il faut se fiancer
Se fiancer pour pouvoir se marier
Et se marier pour avoir des enfants
C'est ce que leur ont dit leurs parents
Le bedeau et même son Eminence
L'Archiprêtre qui prêche au couvent
Et c'est pour ça et c'est pour ça qu'elles dansent
Les Flamandes
Les Flamandes
Les Fla - Les Fla - Les Flamandes

Les Flamandes dansent sans frémir
Sans frémir aux dimanches sonnants
Les Flamandes dansent sans frémir
Les Flamandes ça n'est pas frémissant
Si elles dansent, c'est parce qu'elles ont trente ans
Et qu'à trente ans il est bon de montrer
Que tout va bien, que poussent les enfants
Et le houblon et le blé dans le pré
Elles font la fierté de leurs parents
Et du bedeau et de son Eminence
L'Archiprêtre qui prêche au couvent
Et c'est pour ça et c'est pour ça qu'elles dansent
Les Flamandes
Les Flamandes
Les Fla - Les Fla - Les Flamandes

Les Flamandes dansent sans sourire
Sans sourire aux dimanches sonnants
Les Flamandes dansent sans sourire
Les Flamandes ça n'est pas souriant
Si elles dansent, c'est qu'elles ont septante ans
Qu'à septante ans il est bon de montrer
Que tout va bien, que poussent les p'tits-enfants
Et le houblon et le blé dans le pré
Toutes vêtues de noir comme leurs parents
Comme le bedeau et comme son Eminence
L'Archiprêtre qui radote au couvent
Elles héritent et c'est pour ça qu'elles dansent
Les Flamandes
Les Flamandes
Les Fla - Les Fla - Les Flamandes

Les Flamandes dansent sans mollir
Sans mollir aux dimanches sonnants
Les Flamandes dansent sans mollir
Les Flamandes ça n'est pas mollissant
Si elles dansent, c'est parce qu'elles ont "chent" ans
Et qu'à "chent" ans il est bon de montrer
Que tout va bien, qu'on a toujours bon pied
Et bon houblon et bon blé dans le pré
Elles s'en vont retrouver leurs parents
Et le bedeau et même Son Eminence
L'Archiprêtre qui radote au couvent
Et c'est pour ça qu'une dernière fois elles dansent
Les Flamandes
Les Flamandes
Les Fla - Les Fla -Les Flamandes.


JACQUES BREL

Sunday, June 13, 2010

Onde é que eu já vi este filme?

A subida do valor do salário mínimo mensal é uma tendência que começa a verificar-se nas principais regiões económicas da China, país que é conhecido pelos baixos custos de mão-de obra. Catorze províncias e regiões autónomas já subiram, em média, os ordenados em cerca de dez por cento desde o início deste ano, e diversas outras irão seguir o mesmo caminho no meio de uma conjuntura de greves de trabalhadores, como o caso da Honda, que exigem melhores condições salariais. Em Pequim, por exemplo, os ordenados deverão subir de 800 yuan para 960 yuan no próximo mês.

Cai Fang, director do Instituto da População e da Economia do Trabalho na Academia de Ciências Sociais, afirmou ao China Daily que os custos laborais irão continuar a subir. Wang Min, director do instituto de segurança social e recursos humanos de Shenzhen, disse que o governo pretende que as empresas apostem mais em tecnologias e que, se estas não conseguirem "adaptar-se ao desenvolvimento da cidade, terão de ir para outro local".

À medida que os custos laborais das regiões forem aumentando, há a hipótese de as empresas deslocalizarem algumas das suas fábricas para outros territórios, de modo a manter os baixos custos de produção.

Para Li Xiaogang, director do Centro de Investigação de Investimento Estrangeiro da Academia de Ciências Sociais de Xangai, "na teoria, a subida dos salários poderá fazer com que haja um movimento de deslocalização" da China para outros países vizinhos, como o Vietname, onde os custos de mão-de-obra são mais baratos

(do PÚBLICO de sábado)

A monção em Goa

Com versos assentei esta cabana.
E olho o mar turbado da monção
com a distância infinda do meu não
e o corpo já entregue à nua, plana

certeza de viver fora de mim.
Faço do que vivi matéria chã:
pois respiro escondido de manhã
para certo ficar bem do meu fim.

Duram mais as estrelas na monção?
Quem sabe do inferno ou paraíso
mais do que cabe num mortal juízo?

Olho a chuva pesada da monção:
e por breve que seja a minha vida,
foi meu destino vir dizer que não,
recusar as mentiras consentidas.

Saturday, June 12, 2010

Europahymne-European Anthem-Hymne européen-Eŭropa himno

À nossa Selecção!

O GOL, poema de Ferreira Gullar


A esfera desce
do espaço
veloz
ele a apara
no peito
e a pára
no ar
depois
com o joelho
a dispõe a meia altura
onde
iluminada
a esfera
espera
o chute que
num relâmpago
a dispara
na direção
do nosso
coração.

Ferreira Gullar

Friday, June 11, 2010

A era de Kali e a actualidade

Tradução de um poema sânscrito atribuído a Vyasa, presumível autor do "Mahabharata" (sec V AC):

"As the age of Kali ends
all will be demons, who
in the shape of human beings,
eat other men, not in the flesh,
but by devouring their money"

Thursday, June 10, 2010

Dia de Portugal

«Numa alma discreta de burguês, não há lugar para esses grandes sopros patrióticos que atravessam as almas dos trovadores, largas e profundas como o mar. Em nós outros, não é por gorjeios de rouxinol parlamentar, por apóstrofes balbuciadas aos pés das Molucas, por soluços dum peito sufocado de êxtase, por serenadas e endechas, que se traduz o amor ao país; é por emoções pequeninas, triviais e caseiras, que pouca relação têm com a estrondosa tomada de Ormuz; emoções de burguês que vive no estrangeiro, ao canto solitário do seu lume (...)"

(Eça de Queirós, "Brasil e Portugal", artigo publicado em resposta a Pinheiro Chagas)

Dia de Portugal

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

(de Vinicius de Moraes, "Pátria Minha")

Dia de Camões : a nós, Portugueses

"Vereis amor da pátria, não movido
De prémio vil, mas alto e quase eterno"

(Lusíadas, I, 10)

Tuesday, June 8, 2010

Em Aveiro gostam desta poesia...

"Uma escola de Aveiro decidiu propôr como actividade comemorativa a reconstituição por um dia da Mocidade Portuguesa." (PUBLICO)

Como brinde aos admiradores da coisa, aqui está o poema fundador da instituição (agradecemos ao blog "Conspiração às sete", aonde o fomos buscar):

Escrito por Mário Beirão, surgiu pela primeira vez em 1937 na Revista da Mocidade, com esta letra:

"Cale-se a voz que, turbada,
Já de si mesma se espanta;
Cesse dos ventos a insânia;
Ante a clara madrugada,
Em nossas almas nascida:
E, por nós, oh Lusitânia,
-Corpo de Amor, terra santa
Pátria! serás celebrada;
E por nós serás erguida,
Erguida ao alto da Vida l

- Nau de Epopeia, a varar,
Ao longe, na praia absorta,
De novo, faze-te ao Mar!
Acesa de ébria alegria,
Soberba de Galhardia,
De novo, faze-te ao Mar,
Que o teu rumo é o verdadeiro!
Se a Morte espreita, - que importa?
«Morrer é partir primeiro»,
Como Camões anuncia !

Querer é a nossa divisa;
Querer, - palavra que vem
Das mais profundas raízes:
Deslumbra a sombra indecisa,
Transcende as nuvens de além
Querer, - palavra da Graça,
Grito das almas felizes!

Querer! Querer! E lá vamos!
- Tronco em flor, estende os ramos
À Mocidade que passa!

Lá vamos, cantando e rindo,
Levados, levados, sim,
Pela voz de som tremendo
Das tubas,- clangor sem fim . . .
Lá vamos, (que o sonho é lindo!)
Torres e torres erguendo,
Rasgões, clareiras abrindo!

-Alva da Luz imortal,
Roxas névoas despedaça,
Doira o céu de Portugal!

Querer! Querer! E lá vamos!
- Tronco em flor, estende os ramos
À Mocidade que passa!"

Crida em 1936, a Mocidade Portuguesa tinha por objectivo "estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina, no culto dos deveres morais, cívicos e militares". Objectivo, aliás, muito ao gosto das organizações fascistas da época.

Sunday, June 6, 2010

Cabo de Rama, Goa, Março de 2010



"O absurdo, como uma flor da tal Índia
Que não vim encontrar na Índia, nasce
No meu cérebro, farto de cansar-se(...)

(...) E basta de comédias na minh'alma"

(Álvaro de Campos, "Opiário")

Um poema de Eunice de Souza

aos meus amigos goeses

DE SOUZA PRABHU

No, I'm not going to
delve deep down and discover
I'm really de Souza Prabhu
even if Prabhu was no fool
and got the best of both worlds.
(Catholic Brahmin!
I can hear his fat chuckle still.)

No matter that
my name is Greek
my surname Portuguese
my language alien.

There are ways
of belonging.

I belong with the lame ducks.

I heard it said
my parents wanted a boy.
I've done my best to qualify.
I hid the bloodstains
on my clothes
and let my breasts sag.
Words the weapon
to crucify.

Eunice de Souza

Saturday, June 5, 2010

Um poema de Yehuda Amichai


You mustn't show weakness
and you've got to have a tan.
But sometimes I feel like the thin veils
of Jewish women who faint
at weddings and on Yom Kippur.

You mustn't show weakness
and you've got to make a list
of all the things you can load
in a baby carriage without a baby.

This is the way things stand now:
if I pull out the stopper
after pampering myself in the bath,
I'm afraid that all of Jerusalem, and with it the whole world,
will drain out into the huge darkness.

In the daytime I lay traps for my memories
and at night I work in the Balaam Mills,
turning curse into blessing and blessing into curse.

And don't ever show weakness.
Sometimes I come crashing down inside myself
without anyone noticing. I'm like an ambulance
on two legs, hauling the patient
inside me to Last Aid
with the wailing of cry of a siren,
and people think it's ordinary speech.


Translated by Chana Bloch and Stephen Mitchell

Yehuda Amichai

Um poema de Mahmoud Darwish

In Jerusalem
by Mahmoud Darwish
Translated by Fady Joudah

In Jerusalem, and I mean within the ancient walls,
I walk from one epoch to another without a memory
to guide me. The prophets over there are sharing
the history of the holy . . . ascending to heaven
and returning less discouraged and melancholy, because love
and peace are holy and are coming to town.
I was walking down a slope and thinking to myself: How
do the narrators disagree over what light said about a stone?
Is it from a dimly lit stone that wars flare up?
I walk in my sleep. I stare in my sleep. I see
no one behind me. I see no one ahead of me.
All this light is for me. I walk. I become lighter. I fly
then I become another. Transfigured. Words
sprout like grass from Isaiah’s messenger
mouth: “If you don’t believe you won’t believe.”
I walk as if I were another. And my wound a white
biblical rose. And my hands like two doves
on the cross hovering and carrying the earth.
I don’t walk, I fly, I become another,
transfigured. No place and no time. So who am I?
I am no I in ascension’s presence. But I
think to myself: Alone, the prophet Mohammad
spoke classical Arabic. “And then what?”
Then what? A woman soldier shouted:
Is that you again? Didn’t I kill you?
I said: You killed me . . . and I forgot, like you, to die.


Thursday, June 3, 2010