Sunday, October 31, 2010

"Europa, sonho por vir" (Casais Monteiro)

ESCRITO NA ÍNDIA


Europa, mãe pálida,
espectro da História num eterno presente,
aprende outra vez a escutar o esplendor do mundo,
não te feches na mágoa dos ressentidos,
na amargura dos vencidos,
no niilismo que o velho Frederico temia em ti!

Às vezes ocorrem-nos poemas assim pretensiosos,
como se dizer estas coisas tivesse alguma importância.
Eu vi a luz em um país perdido,
mas eu sou dessas casas, dessas ruas,
e há muito aprendi que sou europeu!

Europa, mãe pálida,
reaprende a ser europeia!

(tem citações de Brecht, Nietzsche, Pessanha, Eugénio e Natália... e é para quem quer!)

Thursday, October 28, 2010

Nós, Portugal, o poder ser

TORMENTA

Que jaz no abysmo sob o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.

Isto, e o mysterio de que a noite é o fausto...
Mas subito, onde o vento ruge,
O relampago, pharol de Deus, um hausto
Brilha, e o mar scuro struge.

26-2-1934

Fernando Pessoa, "Mensagem"

Poema para o dia de hoje!

Thursday, October 21, 2010

O Cônsul Geral

À Ruben Dario

Ni les attraits des plus aimables Argentines,
Ni les courses à cheval dans la pampa,
N’ont le pouvoir de distraire de son spleen
Le Consul général de France à la Plata !

On raconte tout bas l’histoire du pauvre homme:
Sa vie fut traversée d’un fatal amour,
Et il prit la funeste manie de l’opium;
Il occupait alors le poste à Singapoore...

— Il aime à galoper par nos plaines amères,
Il jalouse la vie sauvage du gaucho,
Puis il retourne vers son palais consulaire,
Et sa tristesse le drape comme un poncho...

Il ne s’aperçoit pas, je n’en suis que trop sûr,
Que Lolita Valdez le regarde en souriant,
Malgré sa tempe qui grisonne, et sa figure
Ravagée par les fièvres d’Extrême-Orient...

(Henry Jean-Marie LEVET, CARTES POSTALES, 1902)

Outras Índias...

BRITISH INDIA
A Rudyard Kipling
Les bureaux ferment à quatre heures à Calcutta;
Dans le park du palais s'émeut le tennis ground;
Dans Eden Garden grince la musique épicée des cipayes;
Les équipages brillants se saluent sur le Red Road...
Sur son trône d'or, étincelant de rubis et d'émeraudes,
S.A. le Maharadjah de Kapurthala
Regrette Liane de Pougy et Cléo de Mérode
Dont les photographies dédicacées sont là...
- Bénarès, accroupie, rêve le long du fleuve;
Le Brahmane, candide, lassé des épreuves,
Repose vivant dans l'abstraction parfumée...
- A Lahore, par 120 degrés Fahrenheit,
Les docteurs Grant et Perry font un match de cricket, -
Les railways rampent dans la jungle ensoleillée...
Henry J.-M. Levet.


Poète, chroniqueur au Courrier français, 1895-1896, puis à La Plume, obtient par l'intermédiaire de son père une mission en Inde, 1897. Il devient diplomate, en 1902, ayant choisi cette carrière par goût du voyage. Elle le conduit aux Philippines (secrétaire-archiviste, à Manille, en 1902), puis en Argentine, en 1906, (chargé de la Chancellerie de Las Palmas). Il meurt de phtisie à Menton âgé de 33 ans.
Le meilleur de son œuvre consiste en 11 poèmes, les Cartes postales, parues en revue en 1902 et rééditées après la mort de l'auteur par Valery Larbaud et Léon-Paul Fargue à La Maison des amis des livres en 1921, sur qui elles eurent une grande influence, ainsi que sur d’autres poètes du voyage.

Wednesday, October 20, 2010

Magistratura e poesia: para não nos levarmos demasiado a sério

Enquanto isso, o procurador solicitou ao funcionário para lhe trazer o casaco do gabinete, para que pudesse tirar do bolso e ler algumas das quadras que escrevera e que quis que ficassem “expostas em verso”. E que passou a ler assim que a magistrada regressou à sala de audiências:

Adoro levantar cedo

E ter a obrigação cumprida

dos falsos tenho medo

são o pior que há na vida

(...)

São sete e pouco da manhã

Viajo de metro para o trabalho

Fi-lo ontem, falo-ei amanhã

Só sou aquilo que valho

Os comboios já vão cheios

Muitos se levantam cedo

Nas mulheres aprecio os seios

Mas têm outro enredo

(...)

Viajam brancos e pretos

Nacionais e estrangeiros

Alguns vivem em “guetos”

Outros em lugares foleiros

(...)

Entram uns, saem outros

É o frenesim da manhã

Levam-se alguns encontrões

Levo eu, e mulher minha.

E com este verso anunciou o procurador ser tudo “quanto a quadras”

(PUBLICO de hoje)

Diplomacia e Poesia

Many diplomats have used poetry in their diplomatic work: wrapping words in silk is the diplomat’s job. A diplomat may turn a lie into a ‘constructive ambiguity’ – which is a way of defining poetry. Some poets have been diplomats – Neruda, Claudel, St. John Perse. It’s an occupational hazard: the stimulating place, the sheltered existence – and the ability to paraphrase the unknowable. Few diplomats will admit to using poetry as a survival strategy.
Diplomats are like sentinels at an outpost scrutinising the desert beyond. Expecting the barbarians never to appear over the hazy horizon, they sceptically await the inevitable improbable. Meanwhile, drill replaces skill. From dawn till dusk and deep into the night beyond, on the parade grounds, they are made to practice coherence and coordination as if their career depended on it. In an attempt to strengthen morale and impart character, chanting of ‘public diplomacy’ mantras has been taken up. Numbing menial jobs – arranging ministerial junkets, tripping bleary-eyed through dilapidated factories – replace detention.
Diplomats are like watchmakers: their art is hidden inside a bland, if polished, case. Only a couple of hands, forever going round and round to no apparent purpose, betray the existence of an intelligent design. The best designer is the one who leaves no signature – just invariant perfection. Creating a masterpiece, however, is a rare opportunity.
In daily diplomatic routine one is to judge the quality of a negotiated text not by its content, but by its discards. At the end of the day, under a diplomat’s table one may find crumpled amendments, execrable points of order, and many a plain word. The box of useless qualifiers, the well of slimy compromises, lie about empty.
To survive, a diplomat needs poetry. Filed amidst the many layers of the brief, the short poem will refresh the bleary mind. Poetry brings distance – hence perspective and insight. Poetry reminds the diplomat that the best professional is the amateur.
Most deeply – poetry is truth.

(Aldo Mateucci)


Mr Aldo Matteucci graduated from the Swiss Federal Institute of Technology (ETHZ) in Agriculture, and from Berkeley in Agricultural Economics. He spent three years in East Africa doing research on land use, then in Maryland, working on rural development. In 1977 he joined the Swiss Federal Office of Economic Affairs. He was deputy director of the EUREKA Secretariat in Brussels, and from 1994 to 2000, deputy secretary general of EFTA. He obtained early retirement upon leaving EFTA.

Monday, October 18, 2010

"Un misérable tas de petits secrets" (Malraux)

A lua abriu no céu um grito de alegria
que me fez esquecer o molho de segredos

trazidos do nascer.

O túnel

Não, não são os anos que nos levam
por este túnel escuro onde amarga
todo o mel que nos deram ao nascer.

Somos nós que cavamos fundo
na flor ou no deserto
de uma vida.

Saturday, October 16, 2010

Days of Wine and Roses

Se o vinho azedou
e as rosas murcharam,
o que é que mudou
do que te deixaram?

Quem te prometeu
que serias feliz?
Teu pai já morreu
e ninguém mais diz

que o vinho faria
junto com as rosas
promessa do dia
em cores vitoriosas.

Thursday, October 14, 2010

One Art

Perdemos muitas pessoas durante a vida e não só quando elas morrem. Pessoas mais ou menos importantes, mas que de repente notamos "já cá não estão". Ou porque morreram, ou porque desistiram de nós, ou porque nós desistimos delas.

One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three beloved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) a disaster.

Elizabeth Bishop

Wednesday, October 13, 2010

Obituários

"Apenas na morte amamos os nossos irmãos. Bem no sabeis todos vós, os que cuspis um veneno inútil sobre a amargura de outrem contra vós, sobre a opinião diferente, a cor que não preferis, a pátria que desdenhais. Que é esta aversão, este panfleto, senão uma condenação à morte, um voto para o fim de algo que não sois vós, não vos corresponde ou acerta com o vosso eu? Eis porque, quando o homem morre, logra então começar a viver na sua dignidade mais pura; amam-no então, uma vez que se diluiu a bélica estabilidade da sua imposição vital. Ele participa desse privilégio de que se exclui o efémero, não é já prisioneiro da corruptora fraude do tempo(...). Os mortos são populares porque não mudam."

(Agustina Bessa Luís, "A Muralha")

Monday, October 11, 2010

Meeting poets (Eunice de Souza)

MEETING POETS

Meeting poets I am disconcerted sometimes
by the colour of their socks
the suspicion of a wig
the wasp in the voice
and an air, sometimes, of dankness.

Best to meet in poems:
cool speckled shells
in which one hears
a sad but distant sea.

(Eunice de Souza, from "Five London Pieces")

Saturday, October 2, 2010

Nova poesia portuguesa: Margarida Vale de Gato

ANIVERSÁRIO

Há tanto tempo eu
trazia um vestido curto nós
subíamos as escadas eu
à frente sem reparar deixava
as pernas ao desamparo do teu
agrado, tínhamos bebido ao meu
futuro e era uma fuga o teu
presente um disco que me deste
reluzia em semi-círculo e a nós
excitava seriamente escapar eu
fazia vinte anos tu
relanceavas-me as pernas eu
abandonava a adolescência
nem olhara para trás tu
miravas-me as pernas de trás. Nós
subíamos ao telhado eu
trazia um vestido curto nós
estávamos tristes creio tu
fingias-te um sátiro e nós
subíamos ao alto desarmados.


O tambor do sol batia
nos olhos que a luz e o álcool e a luz
e o álcool diminuíam
e os brancos raiavam o solstício
incandescentes eu
fazia vinte anos tu
tinhas-me dado uma música eu
rodava-a na mão e o sol
girava no gume do metal eu
de vestido curto descrevia
um círculo de desejo nós
estávamos tristes creio nós
tínhamos subido e a crista
das telhas beliscava na pele
petéquias de luz e tu
ao disco do sol dançavas e eu
de olhos cegos espiava fazia calor nós
tínhamos bebido e tínhamos calor eu
já tinha vinte anos nós
éramos o grande amor.

(Margarida Vale de Gato, "Mulher ao Mar", Mariposa Azual, Lisboa, 2010)