Monday, January 30, 2012

Traduzido do chinês

Estes, meus senhores, destruíram-se a si próprios:
nós só viémos reparar a imensa avaria
que eles deixaram na máquina do mundo.
Fomos gananciosos, sim, porque esse é o motor da História.
Mas conservámos os livros, restaurámos os monumentos,
tratámo-los melhor
do que eles nos fizeram no longínquo século XIX.
Eles obrigaram-nos a comprar ópio,
nós só comprámos as fábricas deles.

"Europa", poema chinês do ano de 2052

Monday, January 23, 2012

A douta ignorância

Envergonhei-me, ó Deus, da minha ignorância,
ao ouvir na têvê uma dama Constança

e mais comentadores, jornalistas, em suma
agora vejo eu: não sei coisa nenhuma.

Na faculdade andei, de pouco me serviu:
qualquer destes senhores sabe mais que o que viu.

Ó glória da nação, ó lusa inteligência,
todo o saber está num canal de referência.

Tão simples, afinal, governar a nação,
resolver duras crises, dar ao mundo lição:

a ciência da pátria está na televisão!



Sunday, January 22, 2012

Quadras de domingo


Nem o mal nasce connosco
nem o bem é um destino:
como pode um verso  tosco,
colher o pensar mais fino?

Do que vivi e pensei
não deixo rasto ou memória:
escrevo só do que não sei,
esqueço o fio da minha história.

Se continuo a pensar
no que demais me amofina,
dou comigo a rabiscar
numa letra pequenina

estes versos de retalho
que nascem sem intenção,
sem apuro nem trabalho
e caem da minha mão.





Saturday, January 21, 2012

O pior de dois mundos?



Ao sul, ao Mediterrâneo, aos PIGS


Lamento per il sud (Salvatore Quasimodo)


La luna rossa, il vento, il tuo colore
di donna del Nord, la distesa di neve...
Il mio cuore è ormai su queste praterie,
in queste acque annuvolate dalle nebbie.
Ho dimenticato il mare, la grave
conchiglia soffiata dai pastori siciliani,
le cantilene dei carri lungo le strade
dove il carrubo trema nel fumo delle stoppie,
ho dimenticato il passo degli aironi e delle gru
nell'aria dei verdi altipiani
per le terre e i fiumi della Lombardia.
Ma l'uomo grida dovunque la sorte d'una patria.
Più nessuno mi porterà nel Sud.
Oh, il Sud è stanco di trascinare morti
in riva alle paludi di malaria,
è stanco di solitudine, stanco di catene,
è stanco nella sua bocca
delle bestemmie di tutte le razze
che hanno urlato morte con l'eco dei suoi pozzi,
che hanno bevuto il sangue del suo cuore.
Per questo i suoi fanciulli tornano sui monti,
costringono i cavalli sotto coltri di stelle,
mangiano fiori d'acacia lungo le piste
nuovamente rosse, ancora rosse, ancora rosse.
Più nessuno mi porterà nel Sud.
E questa sera carica d'inverno
è ancora nostra, e qui ripeto a te
il mio assurdo contrappunto
di dolcezze e di furori,
un lamento d'amore senza amore. 

Thursday, January 19, 2012

O eterno retorno

 E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"


(Nietzsche, A Gaia Ciência)

Sunday, January 15, 2012

Paris-Estrasburgo: 1991, 2012

Cidades

Nunca será esta a cidade que amaste
no segredo da tua infância,
com livros e mapas junto ao peito e os sonhos
de mares distantes e mulheres debruçadas
na amurada dos navios piratas.

Qualquer cidade é pouco para o que traz um sonho.
No entanto, ah, no entanto,
alguns lugares na terra pensaste
que podiam tornar-se uma morada. Mas logo partias
e o encanto de mudar de abrigo se te fazia destino,
destino de adivinhar a linha da costa
a desenhar-se pouco a pouco no horizonte.

Entretanto olhavas as mulheres debruçadas
nas amuradas dos navios.
A nada podemos em verdade chamar nosso.
Tudo é partir e o próprio amor
não passa de um humilde percurso na terra.
Qualquer cidade é aquela mesma cidade
que amaste no segredo da infância,
enquanto os olhos das mulheres
desenham o teu perfil no horizonte de uma incerta costa.

Bruxelas

Saturday, January 14, 2012

Ao almoço, em Bruxelas



                                                      Portugueses somos

Friday, January 13, 2012

Pasteis de nata

Nunca consegui decidir se os melhores pasteis de nata eram os da Casa Cave no Rio de Janeiro, os do Café Portugal em Londres ou os da Canelas em Paris. Alguma sugestão?

Wednesday, January 11, 2012

Cerimónias de chegada ao novo posto

Vou-me embora para Bizâncio, antes que tenha 70 anos!

THAT is no country for old men. The young
In one another's arms, birds in the trees
- Those dying generations - at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl, commend all summer long
Whatever is begotten, born, and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unageing intellect.

An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.



(William Butler Yeats, "Sailing to Byzantium")

Tuesday, January 10, 2012

Fernando Pessoa sobre a Maçonaria


Ora o primeiro erro dos Antimaçons consiste em tentar definir o espírito maçónico em geral pelas afirmaçőes de Maçons particulares, escolhidas ordinariamente com grande má fé.

O segundo erro dos Antimaçons consiste em năo querer ver que a Maçonaria, unida espiritualmente, está materialmente dividida, como já expliquei. A sua açăo social varia de país para país, de momento histórico para momento histórico, em funçăo das circunstâncias do meio e da época, que afetam a Maçonaria como afetam toda a gente. A sua açăo social varia, dentro do mesmo país, de Obedięncia para Obedięncia, onde houver mais que uma, em virtude de divergęncias doutrinárias – as que provocaram a formaçăo dessas Obedięncias distintas, pois, a haver entre elas acordo em tudo, estariam unidas. Segue daqui que nenhum ato político ocasional de nenhuma Obedięncia pode ser levado ŕ conta da Maçonaria em geral, ou até dessa Obedięncia particular, pois pode provir, como em geral provém, de circunstâncias políticas de momento, que a Maçonaria năo criou.

Resulta de tudo isto que todas as campanhas antimaçónicas – baseadas nesta dupla confusăo do particular com o geral e do ocasional com o permanente – estăo absolutamente erradas, e que nada até hoje se provou em desabono da Maçonaria. Por esse critério – o de avaliar uma instituiçăo pelos seus atos ocasionais porventura infelizes, ou um homem por seus lapsos ou erros ocasionais – que haveria neste mundo senăo abominaçăo? Quer o Sr. José Cabral que se avaliem os papas por Rodrigo Bórgia, assassino e incestuoso? Quer que se considere a Igreja de Roma perfeitamente definida em seu íntimo espírito pelas torturas dos Inquisidores (provenientes de um uso profano do tempo) ou pelos massacres dos albigenses e dos piemonteses? E contudo com muito mais razăo se o poderia fazer, pois essas crueldades foram feitas com ordem ou com consentimento dos papas, obrigando assim, espiritualmente, a Igreja inteira.

FERNANDO PESSOA

Mais uma mudança

Sunday, January 8, 2012

Andamento holandês

Desenho a Holanda cor de Delft
E é minha a água simples de uma mão
De quem não digo nem às aves a maneira
Nem nome ou osso:
Só que a conheço pelo azul que posso.

Um dia (ou «era uma vez», dizia o outro),
Um dia me levaram minhas mágoas,
Como já Bernardim, às longes terras,
Renovado Camões a Guardafui:
E um aceno bastou de porcelana
Já para alguns jacintos alinhados
Na janela fechada do que fui.

Esperam rosa ou estrada os que adormecem,
O sono é sua forma a linho em branco:
Só eu tiro de mim a flor de Holanda
Com a força da graça recebida
E um pouco de bretanha ensanguentada:
Não por tristeza aprendida
Ou maneira de enfermagem,
Mas por que sangre em copa esta Tulipa
Na neve diluída da viagem.

29.1.1963



Vitorino Nemésio

Andamento holandês


Profeta menor, pouco antes da sua partida para o exílio na Holanda...

Estrasburgo Revisited



                                                           Com que ânsia tão raiva
                                                           Quero aquele outrora!
                                                           E eu era feliz? Não sei:
                                                           Fui-o outrora agora. 



                                                           (Fernando Pessoa)





Raspar-se, pirar-se...

"Ega triunfou, pulou de gosto na cadeira.  Eis ali, no lábio sintético do Dâmaso, o grito espontâneo e genuíno do brio português!  Raspar-se, pirar-se!... Era assim que de alto a baixo pensava a sociedade de Lisboa, a malta constitucional, desde el-rei nosso senhor até aos cretinos de secretaria!..."

( Eça de Queirós, Os Maias)


Saturday, January 7, 2012

Gentinha


Em nenhum país do mundo um director de jornal se permite escrever coisas como estas dos seus concidadãos:

"O país está entregue a uma gentinha" (António Ribeiro Ferreira, jornal i, 6/1/2012)

Ora aqui está a primeira medida de austeridade a tomar este ano: deixar de comprar o i.

Thursday, January 5, 2012

Um refugiado português na Holanda


                                                           Bento Espinoza (1632 - 1677)

Tuesday, January 3, 2012

Viver assim 2

Viver como se não tivéssemos mais que olhar em frente
o sol e a morte,
mas tão só a satisfação dos néscios e o encantamento dos loucos.  

Viver assim

Monday, January 2, 2012

Máxima

"O homem vulgar é aquele que não suporta a desilusão"
(E.M. Cioran)

Sunday, January 1, 2012

Votos de sorte para 2012

Para começar 2012

Para começar 2012


L'Espérance est une petite fille de rien du tout.
Qui est venue au monde le jour de Noël de l'année dernière.
Qui joue encore avec le bonhomme Janvier.
Avec ses petits sapins en bois d'Allemagne couverts de givre peint.
Et avec son boeuf et son âne en bois d'Allemagne.
Peints.
Et avec sa crèche pleine de paille que les bêtes ne
mangent pas.
Puisqu'elles sont en bois.
C'est cette petite fille pourtant qui traversera les
mondes.
Cette petite fille de rien du tout.
Elle seule, portant les autres, qui traversera les
mondes révolus.
(...)
C'est la foi qui est facile et de ne pas croire qui se-
rait impossible. C'est la charité qui est facile et
de ne pas aimer qui serait impossible. Mais c'est
d'espérer qui est difficile.



à voix basse et honteusement


Et le facile et la pente est de désespérer et c'est la
grande tentation.
(...)

CHARLES PÉGUY, in Porche du Mystère