Thursday, January 19, 2012

O eterno retorno

 E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"


(Nietzsche, A Gaia Ciência)

11 comments:

  1. 'demônio'? 'demônio' outra vez? ó diabo!

    ReplyDelete
  2. Esta tradução brasileira é execrável, senhor Alcipe. Tem melhor na edição portuguesa do Círculo de Leitores das Obras Escolhidas de Nietzsche, dirigida por António Marques. Vá ao volume III, página 244, e encontrará o aforismo 341 da "Gaia Ciência" muito mais bem traduzido do que na tradução que escolheu ("poeirinha da poeira" é canção de ninar!)
    Se o senhor Alcipe saísse da frente do computador, deixasse a internet e fosse à estante buscar o livro fazia-lhe bem, sabe?

    a) Feliciano da Mata

    ReplyDelete
  3. Agora ,confesso, fiquei baralhada e não foi com Nietzsche nem com a tradução, mas sim com a erudição e rigor fiel do Sr. Feliciano da Mata.

    ReplyDelete
  4. Muito obrigado, minha senhora. Essas suas palavras consolam-me de muita ingratidão...

    a) Feliciano da Mata

    ReplyDelete
  5. Eu é que agradeço, o seu bom senso literário nunca é demais recomendar, embora terá que concordar que a acessibilidade da internet é uma tentação...
    Estou em crer que até Nietzsche se renderia...

    ReplyDelete
  6. Eu só uso a edição Colli - Montinari da Gallimard. Mas já agora, ó Mata, traga-me o texto alemão!

    ReplyDelete
  7. o senhor alcipe da mata é um brincalhão, isabel, e 'poeirinha da poeira' é lindo demais, não acha?
    venha daí o original, que a gente semos todos cultos à brava, com mil demônios!

    ReplyDelete
  8. É por estas e por outras que venho a casa do Senhor Alcipe. Aprende-se sempre alguma coisa.
    Pensadores deste calibre, confesso, esgotam o pouco que já me resta de massa cinzenta.
    Mas, com efeito, ler o filósofo em brasileiro não será contraproducente?! Receio que sim!
    Demônio exige heroicidade...

    ReplyDelete
  9. Poeirinha da poeira está para o eclodir subtil da dimensão poética do filósofo como a musicalidade do relativismo do "semos todos cultos" está para o romantismo do sotaque vibrante da tradução em Português do Brasil...

    Agora lá que é lindo... É

    Isto sem esquecer que a nacionalidade das editoras são per si também valores acreditados em agências de Notação.Já há quem se veja Grego para entender Nietzsche em Português daí que o texto em alemão é no minimo aliciante no regresso à origem...

    ReplyDelete
  10. Cara Helena, o Eterno Retorno do Mesmo foi-me sugerido pelo regresso de Paris a Estrasburgo, vinte anos depois de ter feito o mesmo percurso - e de ter sido muito feliz.
    Será que devemos voltar aos lugares onde fomos felizes?

    Senhor Mata, muita bazófia erudita, mas continuo à espera do original em alemão do texto de Nietzsche!

    ReplyDelete
  11. Caro Alcipe
    É um risco quase tão grande como voltar aos braços de quem se amou, vinte anos depois.
    Já me aconteceu. E fui feliz. De uma outra forma, é verdade.
    Mas não estamos todos nós sempre a voltar ao ponto de partida?
    Eis um tema que nos proporcionaria um belo serão de conversa, à volta de uma lareira e com um bom Armagnac. Já não falo do charuto por pudicícia.
    Também eu fui muito feliz em Estrasburgo!

    ReplyDelete