E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"
(Nietzsche, A Gaia Ciência)
(Nietzsche, A Gaia Ciência)
'demônio'? 'demônio' outra vez? ó diabo!
ReplyDeleteEsta tradução brasileira é execrável, senhor Alcipe. Tem melhor na edição portuguesa do Círculo de Leitores das Obras Escolhidas de Nietzsche, dirigida por António Marques. Vá ao volume III, página 244, e encontrará o aforismo 341 da "Gaia Ciência" muito mais bem traduzido do que na tradução que escolheu ("poeirinha da poeira" é canção de ninar!)
ReplyDeleteSe o senhor Alcipe saísse da frente do computador, deixasse a internet e fosse à estante buscar o livro fazia-lhe bem, sabe?
a) Feliciano da Mata
Agora ,confesso, fiquei baralhada e não foi com Nietzsche nem com a tradução, mas sim com a erudição e rigor fiel do Sr. Feliciano da Mata.
ReplyDeleteMuito obrigado, minha senhora. Essas suas palavras consolam-me de muita ingratidão...
ReplyDeletea) Feliciano da Mata
Eu é que agradeço, o seu bom senso literário nunca é demais recomendar, embora terá que concordar que a acessibilidade da internet é uma tentação...
ReplyDeleteEstou em crer que até Nietzsche se renderia...
Eu só uso a edição Colli - Montinari da Gallimard. Mas já agora, ó Mata, traga-me o texto alemão!
ReplyDeleteo senhor alcipe da mata é um brincalhão, isabel, e 'poeirinha da poeira' é lindo demais, não acha?
ReplyDeletevenha daí o original, que a gente semos todos cultos à brava, com mil demônios!
É por estas e por outras que venho a casa do Senhor Alcipe. Aprende-se sempre alguma coisa.
ReplyDeletePensadores deste calibre, confesso, esgotam o pouco que já me resta de massa cinzenta.
Mas, com efeito, ler o filósofo em brasileiro não será contraproducente?! Receio que sim!
Demônio exige heroicidade...
Poeirinha da poeira está para o eclodir subtil da dimensão poética do filósofo como a musicalidade do relativismo do "semos todos cultos" está para o romantismo do sotaque vibrante da tradução em Português do Brasil...
ReplyDeleteAgora lá que é lindo... É
Isto sem esquecer que a nacionalidade das editoras são per si também valores acreditados em agências de Notação.Já há quem se veja Grego para entender Nietzsche em Português daí que o texto em alemão é no minimo aliciante no regresso à origem...
Cara Helena, o Eterno Retorno do Mesmo foi-me sugerido pelo regresso de Paris a Estrasburgo, vinte anos depois de ter feito o mesmo percurso - e de ter sido muito feliz.
ReplyDeleteSerá que devemos voltar aos lugares onde fomos felizes?
Senhor Mata, muita bazófia erudita, mas continuo à espera do original em alemão do texto de Nietzsche!
Caro Alcipe
ReplyDeleteÉ um risco quase tão grande como voltar aos braços de quem se amou, vinte anos depois.
Já me aconteceu. E fui feliz. De uma outra forma, é verdade.
Mas não estamos todos nós sempre a voltar ao ponto de partida?
Eis um tema que nos proporcionaria um belo serão de conversa, à volta de uma lareira e com um bom Armagnac. Já não falo do charuto por pudicícia.
Também eu fui muito feliz em Estrasburgo!