Sunday, November 27, 2011

Fado, património da Humanidade

Comentário a uma ode de Horácio


Com o Tirreno eu sonhava
de uma varanda na praia,
enquanto o dia findava
como uma luz que se espraia

pela maré, pela duna
feita de areia e de lua
e que não se coaduna
com fala que não é sua.

Colheste o dia? Talvez.
Os anos por fim passaram.
E o Tirreno se fez
das palavras que sobraram.

Uma ode de Horácio

Não procures, Leucónoe, - ímpio será sabê-lo -
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
não consultes sequer os números babilónicos:
Melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa esp'rança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
que nunca o de amanhã merece confiança.

Horácio
Tradução de David Mourão-Ferreira

Monday, November 21, 2011

Jorge Luis Borges, "The Unending Gift"

Un pintor nos prometió un cuadro.
Ahora, en New England, se que ha muerto. Sentí
como otras veces, la tristeza y la sorpresa
de comprender que somos como un sueño.
Pensé en el hombre y en el cuadro perdidos.
(Sólo los dioses pueden prometer, porque son inmortales).
Pensé en el lugar prefijado que la tela no ocupará.
Pensé después: si estuviera ahí, sería con el
tiempo esa cosa más, una cosa, una de las
vanidades o hábitos de mi casa; ahora es
ilimitada, incesante, capaz de cualquier
forma y cualquier color y no atada a
ninguno.
Existe de algún modo. Vivirá y crecerá como una
música, y estará conmigo hasta el fin.
Gracias, Jorge Larco.
(También los hombres pueden prometer, porque
en la promesa hay algo inmortal).

De Elogío de la Sombra, 1969

Sunday, November 20, 2011

Ítaca

ÍTACA
Konstantinos Kaváfis
(Trad.
José Paulo Paes)

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.


Wednesday, November 16, 2011

Naufrágio com espectadores


Nous autres, civilisations, nous savons maintenant que nous sommes mortelles.

Nous avions entendu parler de mondes disparus tout entiers, d’empires coulés à pic avec tous leurs hommes et tous leurs engins; descendus au fond inexplorable des siècles avec leurs dieux et leurs lois, leurs académies et leurs sciences pures et appliquées, avec leurs grammaires, leurs dictionnaires, leurs classiques, leurs romantiques et leurs symbolistes, leurs critiques et les critiques de leurs critiques. Nous savions bien que toute la terre apparente est faite de cendres, que la cendre signifie quelque chose. Nous apercevions à travers l’épaisseur de l’histoire, les fantômes d’immenses navires qui furent chargés de richesse et d’esprit. Nous ne pouvions pas les compter. Mais ces naufrages, après tout, n’étaient pas notre affaire.

Élam, Ninive, Babylone étaient de beaux noms vagues, et la ruine totale de ces mondes avait aussi peu de signification pour nous que leur existence même. Mais France, Angleterre, Russie… ce seraient aussi de beaux noms. Lusitania aussi est un beau nom. Et nous voyons maintenant que l’abîme de l’histoire est assez grand pour tout le monde. Nous sentons qu’une civilisation a la même fragilité qu’une vie. Les circonstances qui enverraient les œuvres de Keats et celles de Baudelaire rejoindre les œuvres de Ménandre ne sont plus du tout inconcevables : elles sont dans les journaux.

Ce n’est pas tout. La brûlante leçon est plus complète encore. Il n’a pas suffi à notre génération d’apprendre par sa propre expérience comment les plus belles choses et les plus antiques, et les plus formidables et les mieux ordonnées sont périssables par accident ; elle a vu, dans l’ordre de la pensée, du sens commun, et du sentiment, se produire des phénomènes extraordinaires, des réalisations brusques de paradoxes, des déceptions brutales de l’évidence.

(...)

Tout est venu à l’Europe et tout en est venu. Ou presque tout.

Or, l’heure actuelle comporte cette question capitale : l’Europe va-t-elle garder sa prééminence dans tous les genres ?

L’Europe deviendra-t-elle ce qu’elle est en réalité, c’est-à-dire un petit cap du continent asiatique ?


(Paul Valéry, "La crise de l'esprit", 1919)

Monday, November 14, 2011

Saturday, November 5, 2011

Fala da Índia


- I spent four years in India.
- So, why did you leave?

(diálogo com um colega indiano)


Foste-te embora
antes de eu começar a falar contigo.
Como um rapazinho malcriado,
que sai de casa de uma velha senhora
antes mesmo de ela lhe dirigir a palavra,
tu não entendeste nada. Mas isso não tem importância,
porque ninguém me entende
a não ser os meus povos,
os meus rostos, as mil cabeças que surgem
do rio emudecido.
O que me ofende é que tu,
tu, pobre de ti,
tenhas partido
antes de eu
ter decidido dirigir-te a palavra.


Wednesday, November 2, 2011

Grécia


Eis-me vestida de sol e de silêncio. Gritei para destruir o Minotauro e o palácio. Gritei para destruir a sombra azul do Minotauro. Porque ele é insaciável. Ele come dia após dia os anos da nossa vida. Bebe o sacrifício sangrento dos nossos dias. Come o sabor do nosso pão a nossa alegria do mar. Pode ser que tome a forma de um polvo como nos vasos de Cnossos. Então dirá que é o abismo do mar e a multiplicidade do real. Então dirá que é duplo. Que pode tornar-se pedra com a pedra alga com a alga. Que pode dobrar-se que pode desdobrar-se. Que os seus braços rodeiam. Que é circular. Mas de súbito verás que é um homem que traz em si próprio a violência do toiro.

(Sophia de Mello Breyner Andresen, Epidauro, in Geografia, 1987)