Eis-me vestida de sol e de silêncio. Gritei para destruir o Minotauro e o palácio. Gritei para destruir a sombra azul do Minotauro. Porque ele é insaciável. Ele come dia após dia os anos da nossa vida. Bebe o sacrifício sangrento dos nossos dias. Come o sabor do nosso pão a nossa alegria do mar. Pode ser que tome a forma de um polvo como nos vasos de Cnossos. Então dirá que é o abismo do mar e a multiplicidade do real. Então dirá que é duplo. Que pode tornar-se pedra com a pedra alga com a alga. Que pode dobrar-se que pode desdobrar-se. Que os seus braços rodeiam. Que é circular. Mas de súbito verás que é um homem que traz em si próprio a violência do toiro.
(Sophia de Mello Breyner Andresen, Epidauro, in Geografia, 1987)
Caro Alcipe
ReplyDeleteQue bem escolhido o texto de Sophia. O Minotauro ou o polvo asfixiam-nos e ao tirarem-nos o oxigénio impõem, relativamente impassíveis, uma morte dolorosa, porque dilatada no tempo.
Trabalhei toda a vida para que o manto da tranquilidade e da paz me permitissem, um dia, partir sem angústias.
Hoje basta abrir a televisão ou olhar os olhos dos meus netos, para perceber que foi sobretudo o oxigénio deles que me tiraram.
É
ReplyDeleteEscrevendo como quem desenha ou pinta, sentimentos de amargura na mágoa, quem se deita a fazer de mata borrão a ver se consegue esbater a tinta da crescente solidão...