Monday, May 30, 2011

Diálogo com António Lobo Antunes


No âmbito do ciclo de conversas com António Lobo Antunes, que o Centro Cultural Gulbenkian em Paris, sob a direcção de João Pedro Garcia, tem vindo a promover, coube-me hoje dialogar com o autor.

A poesia (que eu ainda escrevo com "P" maiúsculo!) foi o nosso ponto de partida para uma digressão infinita sobre a arte das palavras, o trabalho poético em confronto com a arte do romance e o mistério da força de uma escrita capaz de se sobrepor a todo o silêncio e a toda a rotina : a obra de António Lobo Antunes!

"Trabalhar, sempre trabalhar" como escrevia Cézanne. E como me dizia o grande poeta Fernando Echevarría, que eu encontrava todos os sábados no Café Mistral, no Châtelet, e me perguntava severamente: "trabalhaste?" (queria ele dizer "escreveste hoje poesia?").

A diferença entre o escritor (poeta ou romancista, tanto faz) e o diletante : quem escreve trabalha sempre . E, como dizia Rilke, "quem sente que pode viver um dia sem escrever, então é melhor que de todo não escreva!".

Irmãos, irmãos humanos, que direis de mim?

Ousar um livro

Alguns poemas deste blog formaram um livro chamado "Lendas da Índia".

O livro foi editado pela Dom Quixote e será lançado em Lisboa, no próximo dia 7 de Junho, na Livraria Buchholz, com apresentação por Nuno Júdice.

Escrevi estas palavras na introdução do livro:

Nenhuma cousa desta vida humana he tão aproueitiuel aos viuentes que lembrança e memoria dos bens e males passados

(Gaspar Correia Aos Senhores Letores, Lendas da Índia)


Octavio Paz, sabedor fino e profundo das coisas da Índia, definiu o seu livro Vislumbres de la India : Vislumbrar: atisbar, columbrar, distinguir apenas, entrever. Vislumbres : realidades percibidas entre la luz y la sombra.

É uma ousadia escrever do que mal entrevemos? Mas não será sempre uma ousadia impensável o acto de escrever?

Um poeta de língua telugu (aqui convenientemente traduzido para inglês) não teve dúvida em responder:

Blank white paper
is more important
than what I write now.
My poetry
is in the white spaces between the words.

(Nara, pseudónimo de Velcheru Narayana Rao, nascido em 1932, autor de When God is a Customer, publicado em 1994)

Mas sem pretender a plenitude em branco do papel (ou da tela do computador) que la blancheur défend, como igualmente dizia Mallarmé, sente quem aqui escreve (e sentirá quem lê?) a necessidade de preencher uma infinidade de espaços brancos entre as suas experiências e as suas palavras. Por isso não teremos aqui vislumbres, como na inteligência poética de Paz, mas tão só lendas: lembrança e memória dos bens e males passados.


Thursday, May 26, 2011

E a poesia


Houve música que perdeste
porque a deixaste diluir.
Houve um sinal que não viste
e houve a sombra que te roubou.

Houve uma cor que se desfez
e uma flor, claro, que murchou.
Mas nada disso te redime.
Tu és aquilo que sobrou.

Wednesday, May 25, 2011

Na beira do cais

Na beira do cais,
com as malas em frente: e ao longe
perde-se o paquete (cena passada antigamente, portanto)
na distância do destino.

Foi assim o meu encontro com a poesia.

Tuesday, May 17, 2011

Romances cor de rosa

Velhos "romans roses" do século passado, encontrados hoje num "bouquiniste" junto do Sena:


"La femme de chambre qui venait du chaud" de Paul de Kock - um pouco pornográfico, mas ao mesmo tempo ambíguo; a personagem da criada negra introduz uma nota de multiculturalismo, verdadeiramente precursora num romance dos meados do século XIX!


"L'enfant désiré" de George Ohnet - xaropada sobre um casal exemplar, que consegue finalmente ter um filho, obrigando a mãe a sacrificar uma prometedora carreira de actriz, para se reconverter inteiramente à vida burguesa, junto ao marido, um patrão de indústria filantropo e bom : edificante e aborrecido, mas fez a sua época!

Sunday, May 15, 2011

O meu blog

Com os meus agradecimentos ao excelente e amigo blog duas-ou-tres.blogspot.com

Thursday, May 12, 2011

Citação


"Eis que passámos do tempo dos leopardos ao tempo dos chacais"

(Lampedusa, "O Leopardo")

Mudar?

Monday, May 9, 2011

Um poema deVasco Graça Moura

ELEGIA BREVE À POESIA

fugitivo passar pela retina,
no virar de uma esquina ou de um silêncio,
a tua ausência é este ensombramento,

porém que a despedida seja breve
e que voltes com um relâmpago, um
desvendar-se do mundo entrecortando

dobras desamparadas do real.
e eu pergunto: que vozes do crepúsculo
se apagavam então? talvez o vento

agitasse tristezas na folhagem,
e esse fosse o frémito dos seus
melancólicos sinais rumurejando,

ou talvez fosse a cama de um hospital
e o branco desolado das paredes
e a mudez de estranhos aparelhos,

ou talvez fosse o próprio esquecimento
de que irias voltar, ou resvalar
numa lenta passagem de tercetos.

[in Revista Relâmpago n.º 27, com data de Outubro de 2010, mas distribuída agora]

(copiado do blog do João Mário Silva, com as minhas desculpas)

Sunday, May 8, 2011

Mitterrand : eleito Presidente no dia 10 de Maio de 1981


Jean Daniel, hoje, sobre Mitterrand:

"Je l'ai vu un mois avant sa mort. Je lui ai demandé si depuis l'affaire Bousquet des amis ne venaient plus le voir. "Cher Jean Daniel, les amis qui cessent d'être vos amis, quelle que soit la raison, ne devraient pas être vos amis"."

Saturday, May 7, 2011

Conversa


É estranho, dizes, voltar a habitar a terra
e reaprender antigos costumes :
pedaços de conversa cortados,
interpelações sem destino,
música a perder-se
é só isso que ouves
quase sempre, quase sempre.

Anjo de asas cortadas,
fala comigo!

Ainda o tempo e o regresso


"Pour Bergson, le temps linéaire est spatialisation du temps en vue de l'action sur la matière, laquelle est l'oeuvre de l'intelligence. Le temps originaire s'appelle durée, devenir où chaque instant est lourd de tout le passé et gros de tout l'avenir. La durée est vécue par une descente en soi. Chaque instant est là, rien n'est définitif puisque chaque instant refait le passé"

(Emmanuel Levinas, "La mort et le temps", L'Herne, Paris, 1991)

Friday, May 6, 2011

Dia da Língua Portuguesa



Comemorou-se na UNESCO o Dia da Língua Portuguesa.

Esteve tudo bem : a organização e a intervenção pública e oficial de Angola, presidente em exercício da CPLP, os quitutes do Brasil, os vinhos de Portugal, os livros à venda pela Livraria Portuguesa de Michel Chandeigne, a música de Cabo Verde, a exposição do grande pintor de Moçambique Malangatana ... Mas o que mais me tocou foi a contribuição, com desenhos, trabalhos escritos e poemas, dada pela Secção Portuguesa do Liceu Internacional de Saint Germain en Laye.

Wednesday, May 4, 2011

Não há regresso

"Le voyageur revient à son point de départ, mais il a vieilli entre-temps ! [...] S'il était agi d'un simple voyage dans l'espace, Ulysse' n'aurait pas
été déçu; l'irrémédiable, ce n'est pas que l'exilé ait quitté la terre natale: l'irrémédiable, c'est que l'exilé ait quitté cette terre natale il y a vingt ans. L'exilé voudrait retrouver non seulement le lieu natal, mais le jeune homme qu'il était lui-même autrefois quand il l'habitait. [...] Ulysse est maintenant un autre Ulysse, qui retrouve une autre Pénélope... Et Ithaque aussi est une autre île, à la même place, mais non pas à la même date; c'est une patrie d'un autre temps. L'exilé courait à la recherche de lui-même, à la poursuite de sa propre image et de sa propre jeunesse, et il ne se retrouve pas. Et l'exilé courait aussi à la recherche de sa patrie, et maintenant qu'elle est retrouvée il ne la reconnaît plus. Ulysse, Pénélope, Ithaque : chaque être, à chaque instant, devient par altération un autre que lui-même, et un autre que cet autre. Infinie est l'altérité de tout être, universel le flux insaisissable de la temporalité. C'est cette ouverture temporelle dans la clôture spatiale qui passionne et pathétise l'inquiétude nostalgique. Car le retour, de par sa durée même, a toujours quelque chose d'inachevé : si le Revenir renverse l'aller, le « dédevenir », lui, est une manière de devenir; ou mieux: le retour neutralise l'aller dans l'espace, et le prolonge dans le temps ; et quant au circuit fermé, il prend rang à la suite des expériences antérieures dans une futurition' ouverte qui jamais ne s'interrompt: Ulysse, comme le Fils prodigue', revient à la maison transformé par les aventures, mûri par les épreuves et enrichi par l'expérience d'un long voyage. [...] Mais à un autre point de vue le voyageur revient appauvri, ayant laissé sur son chemin ce que nulle force au monde ne peut lui rendre : la jeunesse, les années perdues, les printemps perdus, les rencontres sans lendemain et toutes les premières-dernières fois perdues dont notre route est semée.
Vladimir Jankélévitch, L'Irréversible et la Nostalgie, Éd. Flammarion, 1983, p. 300.

Sunday, May 1, 2011

Resposta ao poema anterior


Da notável entrevista do filósofo Trindade Santos a Anabela Mota Ribeiro, na "Pública" de hoje:

P:Podemos ser engolidos pelo passado?

R:Toda a gente o é. Creonte deixou-se engolir pelo passado. Antígona deixou-se engolir pelo passado. E o resultado é a morte, a destruição, a loucura. É preciso ter sempre os olhos abertos para a frente.


P:O que implica aprender a distinguir o essencial do acessório. Só assim podemos olhar para a frente.


R:Exactamente. Somos o nosso passado. A lição vem-me de (...) Bergson. O nosso passado está a refazer-se constantemente no nosso presente. Isso implica que não possamos parar e olhar para trás. O nosso passado está a acontecer agora.


Visita à Feira do Livro de Lisboa


Todos os poetas cantaram no exílio,
em tempos de indigência ou de massacre.
Nunca se calou essa meia dúzia.
"Só o parvo de um poeta ou um louco...".

Hoje temos saudades de Sião
e quanto nela passámos.
Chove na Feira do Livro e uma amiga diz-me:
"este já não é o nosso tempo".

Pois não. O passado é um país estrangeiro,
mas é esse para sempre o nosso país.