Friday, November 27, 2009

Melo Antunes

À medida que a noite avançava, o silêncio atento e pensante transformava-se numa argumentação rigorosa, implacável de lucidez, mas sempre atenta aos argumentos opostos e contrapostos, num permanente jogo socrático, que não inibia as decisões, mas lhes conferia uma dimensão sofrida, longe da alegria irresponsável dos criadores.

Ernesto era um construtor dilacerado: um homem de acção no qual o pragmatismo frio, indispensável a todos os políticos, assumia o drama interior permanente da tensão entre a convicção e a responsabilidade (nos conceitos de Weber), entre o ideal e o possível, diríamos nós.

Os criadores, os construtores de impérios são fingidores irresponsáveis, como os poetas; os homens de acção, os verdadeiros revolucionários são os que vivem dilacerados entre o real e o possível : o que culmina no sofrimento dos bons (Ernesto) ou na pura crueldade dos homens que negam a sua humanidade (Lenine).

Ernesto ouvia Beethoven (ofereceu-me a caixa de Cds dos últimos quartetos). Lenine, esse, dizia "não posso ouvir Beethoven; faz-me esquecer a Revolução".

Ernesto, já estou a dizer demasiados disparates, não é? Eu passo-lhe agora o whisky, desculpe...

Thursday, November 19, 2009

A Índia, o Japão, a Coreia do Sul, a Nova Zelândia e a Austrália agradecem

"A democracia está onde está e onde sempre esteve: no mundo euro-americano - agora decididamente estendido à antiga Europa do Pacto de Varsóvia. Isto é Américas e Europa"

Maria José Nogueira Pinto, "Diário de Notícias", 19-11-2009

A barra de Damão

Wednesday, November 18, 2009

A Goa de Mário Miranda

E agora Goa...

E parto no sábado para Goa, de novo:  encontro com professores de Português em casa do nosso activo Cônsul Geral, Paulo Pocinho,  inauguração do Festival Internacional de Cinema com a  Ministra da Cultura da Índia e muito "beautiful people" e,  já não oficialmente,  visita aos nossos queridos Mário Miranda e Habiba e jantar em casa do Wendell.

Viajamos com o embaixador do Brasil e com a nossa grande amiga Cora Rónai, que anda  em profundo périplo indiano,  que aconselho sigam em cora.blogspot.com.

Ah! E sexta feira inauguração do primeiro restaurante português em Deli, "O Palácio", com actuação da fadista goesa Sonia Shirsat ...

Saudades de Goa!

Saturday, November 14, 2009

Glosa a uns versos de Nemésio

Se com quase quarenta anos mal começa,
ovo de tanta coisa, o coração,
que direi hoje, com quase sessenta anos?

Que névoa fria cerca agora o coração
e que voz de dentro resiste a essa névoa,
pois o amor não pára enquanto continuar
o mundo?

Abre os olhos, meu amor:
o mundo é vasto e diverso e brilha 
por entre a névoa mais densa. 

Friday, November 13, 2009

Damão e Diu

Uma viagem de uma semana por Damão e Diu fez-me voltar a pensar nesta questão dos indo-portugueses...

É que eles existem! Não são velhas figuras fantasmagóricas, tal  como aparecem no filme "A Dama de Chandor" de Catarina Mourão (um mau retrato de Goa, ao contrário do filme de Catarina Portas e Inês Gonçalves, "Pátria Incerta"),  ou relíquias do passado,  como as descreve William Darlymple.

Têm esse lado saudosista e arcaizante:  mas têm também uma geração nova, interessada e interessante. Têm emigrantes em todo o mundo. Têm uma curiosidade intensa pelas suas origens.

São uma élite? Mas então quando pensamos na Índia só pensamos nos camponeses do Bihar? São minoritários? Mas neste extraordinário país, quem não é afinal, de uma ou outra maneira, minoritário? 

São mal conhecidos e mal apreciados pelo pensamento politicamente correcto pós colonial, que rejeita misturas de raças e de identidades, chegando assim objectivamente a posições paradoxalmente próximas dos fanáticos identitários...

São rejeitados pelo pensamento global dominante, que impôs a superioridade anglo-saxónica a todo o mundo, rejeitando as colonizações espanhola e portuguesa para a "lenda negra" e as colonizações francesa e holandesa para o esquecimento...

O seu afecto por Portugal incomoda alguns puristas que vivem ainda nos anos 60!  Não é o caso do governo indiano, que se congratulou, em declaração pública do seu Primeiro Ministro, com o legado que constitui para a Índia "the Portuguese heritage in Goa, Daman and Diu".  

(Uma editora norte americana de "African Literature" recusou publicar Mia Couto e Luandino Vieira como autores africanos ... pela cor da pele!).

Amanhã continuo...

Sunday, November 8, 2009

Um cruzamento ideológico (Berlim)

A Berlim, no décimo aniversário!

A capital mais jovem e excitante da Europa, na minha opinião...

Saturday, November 7, 2009

Historiadores e diplomatas : K. M. Pannikar

"Even accepting that the connection with Europe has been beneficial to India, it is open to doubt whether a century and a half of barbarous outrages, of unscrupulous plunder and of barren aggression, is not too great a price to pay for the doubtful benefits of having the way opened for other European traders. India's own direct trade was ruined and, in its place, there was established a monopoly by alien races, which had the effect of draining the wealth of India into Europe. The Portuguese of the 16th and the 17th centuries had nothing to teach to the people of India except improved methods of killing people in war and the narrow feeling of bigotry in religion"

(K. M. Pannikar, "Malabar and the Portuguese")

And now for a totally different view:

"Les relations entre l'Inde et la France allaient changer. Mme Pandit, la soeur de Nehru, ambassadrice à Londres, rentrait aux Indes par Paris. Elle vint à l'Élysée, accompagnée de l'ambassadeur de l'Inde en France, le serdar Pannikar, Indien à barbiche et à lorgnon, anti - Européen, plein d'idées astucieuses ou chimériques, qui faisait penser à Lénine et à Tartarin. Après les paroles de bienvenue, le général De Gaulle demanda à son interlocutrice comment elle concevait la politique étrangère de la Chine. Pannikar avait représenté l'Inde à Pékin; Mme Pandit, qui est la courtoisie même (...) se tourna vers lui. Il commença une conférence sur la Chine, qui n'apportait rien. Le temps passait. La Chine le conduisit à un parallèle entre les sinn-feiners et les fellaghas. Le temps passait. Lorsqu'un aide de camp vint annoncer l'ambassadeur des États Unis, ni Mme Pandit ni le général De Gaulle n'avaient pu placer un mot.
(...)
Pannikar repartit bientôt pour l'Inde. On disait que Nehru n'avait pas été fâché de se débarrasser de lui"

(André Malraux, "Antimémoires")

É o mesmo personagem, sim!

Thursday, November 5, 2009

Fundação Gulbenkian

Não quero ser pomposo, mas não posso deixar de destacar o papel que a Fundação Gulbenkian assume na nossa presença cultural na Índia .

Ouvir as palavras de gratidão a Portugal que ouvi em Calicute, como tinha já ouvido em Cochim, em Goa ou em Daca (Bangladesh), saber que devemos essas palavras, essa gratidão e essa persistência da nossa memória aqui à Fundação Gulbenkian, não deixa de nos emocionar...

Agora digam que eu sou "puxa-saco", como dizem os brasileiros...

Wednesday, November 4, 2009

Sessão de poesia indiana e portuguesa

Foi na Embaixada em Nova Deli, no Centro Cultural do Instituto Camões. A regra do jogo era: foi facultado a uma poeta indiana de expressão inglesa (Rita Malhotra) um conjunto de poemas portugueses do século XX, em tradução para inglês (as do Griffin do Pessoa, a antologia de 1978 do Hélder Macedo e mais outras coisas que não sei onde ela foi descobrir...).

A partir daí, a nossa amiga Rita definiu um conjunto de áreas temáticas (luz, vozes, solidão, ilusão, linguagem, símbolos...), para cada uma das quais foram escolhidos poemas portugueses e poemas indianos (a maioria escritos em inglês, apenas um traduzido do hindi).

Os poetas indianos acorreram a esta sessão. De Portugal tivémos uma selecção canónica e essencial: Pessoa, Torga, Sophia, Sena, Eugénio. Faltou-nos o Nemésio, o Cesariny, o Carlos de Oliveira,o Herberto, o Ruy Belo ... mas foi um bom começo!

Como representante da poesia mais jovem, trouxémos um poema de Luís Quintais...

A resposta dos poetas e do público foi excelente e entusiástica.

Procuraremos ser um pouco menos canónicos no futuro...

Dois versos de que gosto



É tão difícil escrever um poema
que não fale da morte.

(Manuel de Freitas, Intermezzi op. 25, Opera Omnia, 2009)

Tuesday, November 3, 2009

À tarde, em casa

Entardecer entre animais pequeninos,

pássaros que debicam a relva do jardim,

esquilos que sobem e descem das árvores,

eu próprio, no meio dos jornais.

Nenhum deus se lembrou de aparecer esta tarde:

e foi melhor assim.

Sunday, November 1, 2009

Indira Gandhi em Portugal (1940): like being in India...


"She was stranded in Lisbon, waiting for a flight to England, for nearly two months. "The Portuguese are very poor and very dirty" she wrote to Nehru (...)."A lot of women and children are barefooted and there are many beggars. People spit all over the place - there is a terrific amount of shouting and many hawkers... It is almost like being in India."

Katherine Frank, Indira, the life of Indira Nehru Gandhi, Harper Collins, 2001

Não conheceu as nossas castas superiores...