Thursday, December 25, 2014

Álvaro de Campos, neste Natal


Ali não havia electricidade.
Por isso foi à luz de uma vela mortiça
Que li, inserto na cama,
O que estava à mão para ler –
As Bíblia, em português, porque (coisa curiosa) eram protestantes.
E reli a Primeira Epístola aos Coríntios.
Em torno de mim o sossego excessivo das noites de província
Fazia um grande barulho ao contrário,
Dava-me uma tendência de choro para a desolação.
A Primeira Epístola aos Coríntios…
Reli-a à luz de uma vela subitamente antiquíssima,
E um grande mar de emoção chorava dentro de mim…
Sou nada…
Sou uma ficção…
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
“Se eu não tivesse caridade”…
E a soberana voz manda, do alto dos séculos,
A grande mensagem com que a alma fica livre…
“Se eu não tivesse caridade”..
Meu Deus e eu não tenho caridade…
ÁLVARO DE CAMPOS

Wednesday, December 24, 2014

Sunday, December 21, 2014

Dois poemas de Natal, em diálogo


s

Ladainha dos Póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira, in 'Cancioneiro de Natal' 


— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é 
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.


João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina, Auto de Natal Pernambucano, final

Saturday, December 13, 2014

Incomodidade



Não era o normal sentimento de estar a mais
(não estamos todos?),
nem a vontade de ser ouvido e poder quebrar por dentro
o ruído do mundo.
Tinha compreendido finalmente
que todas as bancadas à sua frente
estavam vazias.



Wednesday, December 10, 2014

Contribuição para o livro de homenagem a José Manuel Galvão Teles

Meu caro Zé Manel, não sei se é tarde demais que escrevo este depoimento ou se, pelo contrário, chego mesmo na última hora, assim como era o teu atraso ao chegar às nossas reuniões políticas (a não ser, é claro, quando elas eram em tua casa): chegavas no fim, quando se tinham esgotado todos os argumentos, brilhado todas as oratórias, enfrentado todos os tenores e, justamente por chegares no fim , perguntavas baixinho a um de nós (às vezes a mim, que era o mais novo de todos) a que ponto tinha chegado a discussão. Ouvida a síntese dos argumentos em liça, pedias a palavra, entre os protestos e as gargalhadas devidas aos teus repetidos atrasos, e fazias a síntese de uma posição equilibrada e ponderada, que era sempre vista com alívio por todos aqueles que queriam realmente chegar a uma conclusão.

Conheci-te e à Micuxa em 1973, muito mais novo do que tu (hoje, ressalvada a tua sabedoria da vida, que foi sempre muito maior do que a minha, temos praticamente a mesma idade), jovem estudante de militância anti-fascista encetada nas associações de estudantes, que chegava à CDE para reforçar a linha (esquerda socialista não PCP, mas também – ainda... – não social-democrata) que vocês, de uma outra geração, lideravam. A tua casa era o ponto de reunião da nossa célula do Campo Grande. No andar de baixo morava o então exilado Dr. Mário Soares, teu grande amigo, que eu não conhecia ainda, embora fosse amigo e companheiro de lutas dos filhos João e Isabel e, por via deles, encontrasse a Dra. Maria de Jesus (em Aveiro, nesse verão, vi essa grande senhora, da idade da minha Mãe, avançar com serena coragem à cabeça da manifestação do Congresso da Oposição Democrática em direcção aos polícias de choque que fechavam a rua – “tem que ser, meu amigo”, disse-me tranquilamente). Tinhas ainda um sótão, mas normalmente reuníamos na tua sala de estar, bem por cima da casa do teu ilustre vizinho.

Recordações dessa sala de estar baralham-se na minha memória: entre os dias em que havia carros da PIDE à porta e íamos saindo um a um de garganta apertada e outros dias em que, já com o teu vizinho no andar de baixo regressado do exílio e a liderar o PS, se tratava de fundar um novo movimento de esquerda socialista e redigir o seu manifesto definitivo; entre os dias de luta comum anti-fascista, em que se tratava de rebater uma posição dos nossos aliados do PC no interior da CDE e outros dias em que, aliados de Melo Antunes e do Documento dos Nove, discutíamos se, no caso de uma vitória dos militares comunistas, seguiríamos Mário Soares para o Porto ou passaríamos à clandestinidade em Lisboa. Uma coisa me lembro bem: em 1975, nunca defendemos o voto em branco nas primeiras eleições livres havidas em Portugal.

Estivémos juntos no inesquecível movimento político “Grupo de Intervenção Socialista” (GIS) e quando este grupo, em 1977, decidiu extinguir-se e integrar o PS, tendo eu entrado já na carreira diplomática e estando a democracia consolidada em Portugal, decidi não aderir convosco ao PS, não por discordar daquela opção (que me parecia completamente acertada), mas por entender (e nesta minha decisão o Jorge Sampaio foi determinante) que, se um diplomata não pode, por estatuto, ter actividade partidária enquanto está no activo, não fazia sentido uma mera inscrição, sem possibilidade de real intervenção nas instâncias partidárias. Entenda-se bem: não penso de forma alguma que esteja interdito aos diplomatas aderir a partidos e muitas colegas meus o fizeram e fizeram muito bem. Esta foi apenas a minha opção e sempre a mantive. Mas também nunca escondi as minhas ideias e nunca (como deve ser num país democrático) nenhum ministro me penalizou ou prejudicou por elas.

Estive contigo em Nova Iorque, era eu o adido de embaixada que trazia a mala diplomática de Lisboa para as Nações Unidas (um arcaísmo...) e eras tu embaixador de Portugal nessa organização (posto que mais tarde veio a ser ocupado por outro ex-GIS, o nosso comum amigo José Filipe Moraes Cabral). Fiquei em tua casa, no famoso andar do Dakota Building, era nesse tempo a Residência Oficial: belíssimo edifício, entre a delicada e algo sinistra decoração chinesa do interior, a memória do assassinato de John Lennon e os pensamentos diversos expressos alto e bom som pelo porteiro cubano...

O meu percurso diplomático passou a ser pontuado pelas tuas visitas a todos os meus postos: desde Luanda, em 1978, onde, numa grande prova de amizade, correste o risco da tua vida, ao viajar num carro conduzido por mim (naquela longínqua época, segundo fontes insuspeitas, o risco da minha condução automóvel era equivalente ao da guerra civil em Angola); passando por Madrid, onde me apresentaste a todos os altos quadros do PSOE, contactos que tão úteis foram ao jovem secretário de embaixada encarregado de seguir a política interna espanhola que eu era então, nomeadamente no dia 23 de Fevereiro de 1981, quando o Raul Morodo apareceu na nossa Embaixada a perguntar se Portugal daria asilo político aos democratas espanhóis (e quer o Presidente Ramalho Eanes, quer o Primeiro Ministro Francisco Balsemão – era MNE o Professor André Gonçalves Pereira – responderam imediatamente que sim); em Paris, nos anos noventa, com a Micuxa (e com a Teresa Paiva?), já com a Didas na minha vida, a cimentar uma amizade que passou então a ser entre os dois casais; no Brasil, com a tua filha Inês, depois na Hungria (não nos visitaste na Índia...), em Paris de novo, o ano passado (fomos os quatro à ópera, temos essa paixão em comum), enfim, em quase todos os lugares da nossa vida sempre tivémos a alegria da vossa visita amiga, com o contraponto das nossas idas nas férias à vossa casa do Estoril e do inesquecível (por razões pessoais que não vêm ao caso) jantar de despedida que nos deste, na tua casa do Chiado, quando parti para o meu efémero posto na UNESCO. E bem sabes que vos esperamos aqui em Estrasburgo.

A amizade não tem alíneas, por isso não vou enumerar como sempre me ajudaste em todos os meus problemas pessoais, jurídicos ou de outra índole, como a tua experiência da vida e das coisas me ajudou a esclarecer algumas das minhas dificuldades, enfim, como és um amigo com quem sempre conto e contarei.

Não faço o teu perfil jurídico, porque não sou jurista (a não ser pelo curso), mas ele só poderia ser de louvor e de admiração; não traço o teu perfil político, porque não sou um político(sem nunca ter abdicado das minhas opções), mas o desenho dele só poderia ser de total integridade e de absoluta coerência.

Zé Manel, desculpa o atraso, cheguei agora e como não li as outras intervenções, nem sei se estou bem enquadrado no debate. Mas deixo-te um grande abraço de inexcedível amizade e de total confiança.

Estrasburgo, 14 de Abril de 2013

LUÍS FILIPE CASTRO MENDES

          

La Ballade des Pendus





Atteignant le dérisoire mais néanmoins significatives, dans l’espoir peu crédible d’induire un comportement vertueux, les amendes pleuvent sur des manipulations financières outrageantes présentées comme autant de cas d’espèce, tandis que de timides tentatives d’encadrement des bonus faramineux, de distributions de stock-options et d’octroi des retraites-chapeaux sont enregistrées. Doit-on s’interroger pour savoir si cela doit être porté au compte de la naïveté ou de la duplicité ? Le sort qui va être réservé à une évasion fiscale pratiquée par les entreprises transnationales à l’échelle industrielle apportera la réponse. Pour l’instant, pris au sein d’une contradiction, les gouvernements tentent de reconstituer des assiettes fiscales qu’ils ont eux-même ébréchées, tout en continuant dans cette même veine non sans incohérence.
Tentant de biaiser, les tenants du système n’en sont pas moins tenus en échec devant l’insoluble question d’un endettement qui le plombe, qu’il soit privé ou public après avoir été transféré. Paradoxalement, la dette est l’un de ses points d’appui, tout du moins tant qu’elle est assortie d’une garantie de remboursement, mais celle-ci s’effrite au fur et à mesure que l’endettement s’apparente à une spéculation sur une richesse future improbable car reposant sur une croissance économique introuvable. Et l’accroissement persistant des inégalités reposant sur la disparité des rendement des activités économiques et financières rend l’équation sans solution, car les deux questions sont étroitement liées. La dette soutient désormais le capitalisme comme la corde le pendu !
(François Leclerc, no blog de Paul Jorion)

Tuesday, December 9, 2014

Poema de Natal

Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos e não tiver caridade, sou como o metal que soa ou como o sino que tine. E se eu tiver o dom da profecia e conhecer todos os mistérios e quanto se pode saber; e se eu tiver toda a fé, até a ponto de transportar montanhas, e não tiver caridade, não sou nada.

(São Paulo, Primeira Epístola aos Coríntios)


Quem encontraste hoje que te oferecesse
o puro leite da ternura humana*
e não o mel da lisonja ou a indiferença comum?

Muitos dias ficam assim, suspensos num vazio de desamor,
mas nós já nem damos por isso,
temos que marcar lugar na feira, os carrosséis giram sem nós
e as crianças apontam-nos com o dedo, nós que persistimos
em montar no cavalinho de pau e dar mais uma volta,
sem razão que valha.

O Natal passa por nós, faltam-nos a alguns os pais,
a outros os filhos ou os netos.
Esta festa foi inventada para afastar com luzes, muitas luzes,
o escuro do inverno e a ideia da morte.
Para onde foram todos? Para onde foram todos?

Aproxima-te de mim. Não falo de Cristo.
Só me lembrei da consoada e da tua azáfama festiva,
que afasta de nós a morte ao inventar alegria,
a pura alegria em que duramos.

S.Paulo pergunta-nos pela caridade
e aqui estou eu de pé, envergonhado como uma criança,
porque eu não tenho fé, não tenho a fé, e essa falta não me dói,
mas sei que tenho, que temos, ó irmãos humanos, que responder
por toda a caridade que não tivémos.

*Shakespeare









Monday, December 8, 2014

Rule Britannia



Le Monde
Économie et Entreprise, lundi 8 décembre 2014, p. SCQ3
Bruxelles pourrait enterrer son projet de réforme bancaire
Jonathan Hill , le commissaire aux services financiers, évoque le retrait de la directive destinée à mieux encadrer les activités spéculatives
Séparer au sein des banques européennes les activités à risque pour éviter de nouvelles crises : la proposition a été portée, depuis près d'un an, par Michel Barnier, quand il était commissaire au marché intérieur et aux services. Ambitieux, ce projet de directive a suscité de vives controverses. Et alors qu'une nouvelle Commission est en place depuis début novembre, le projet législatif de réforme bancaire pourrait être abandonné.
Le nouveau commissaire aux services financiers, le Britannique Jonathan Hill, a fait parvenir, le 18 novembre, à Frans Timmermans, numéro deux de la nouvelle Commission européenne, une lettre dans laquelle il évoque le retrait de la proposition de son prédécesseur comme une option à envisager en 2015." Dans le cas où les Etats membres de l'Union européenne continueraient à ne pas soutenir - l'initiative - ",dit-il.
C'est Philippe Lamberts, un des leaders des Verts au Parlement européen, très au fait du sujet de la régulation bancaire, qui, jeudi 4 décembre, a alerté les médias à propos de cette lettre de M. Hill. " Le signal qu'il envoie aux Etats membres est clair : "Continuez à privilégier une stratégie de pourrissement de ce dossier, et nous nous chargerons de tuer dans l'oeuf la réforme bancaire", accuse M. Lamberts.
La proposition de M. Barnier ciblait les trente plus gros établissements de l'UE, dont la faillite déstabiliserait l'économie. Il visait à interdire aux banques, dès 2017, de spéculer pour leur compte propre sur des produits financiers s'échangeant sur les marchés (actions, obligations, etc.) et sur les matières premières. Il proposait que les autorité bancaires nationales, au-dessus d'un certain volume réalisé, obligent lesbanques à filialiser leurs activités à risque.
Levée de boucliers
Les propositions de M. Barnier étaient inspirées de la réforme américaine, dite " Volcker ", du nom de l'ancien président de la Réserve fédérale américaine (Fed, banque centrale). Elles ont suscité une levée de boucliers immédiate et vigoureuse. Notamment en France. Au sein des banques. Mais pas seulement. Les banquiers français ont reçu l'appui des pouvoirs publics. Ces derniers ont fait savoir à Bruxelles que le projet était " irresponsable " pour reprendre le terme, plutôt fort dans la bouche d'un banquier central, de Christian Noyer, le gouverneur de la Banque de France.
L'argument avancé ? Le projet fragiliserait les banques et serait plus contraignant que les réglementations, assez " light ", que la France a adoptées après la crise. Ces dernières consistent surtout en un renforcement des organes de contrôle nationaux. Le Royaume-Uni, qui a aussi adopté ses propres règles (dites " loi Vickers ") et l'Allemagne militaient aussi contre ce texte.
" M. Hill ne dit pas du tout dans son courrier qu'il faut se débarrasser de la proposition Barnier. Il se livre juste à l'exercice, imposé par la nouvelle Commission, d'évaluation des chantiers en cours dans notre institution ", argumente une source bruxelloise.
Tamisage législatif
De fait, la Commission Juncker veut se concentrer sur quelques sujets (le numérique, l'énergie, la relance de l'économie). Elle a décidé de faire le tri entre tous les projets de textes législatifs portés par ses services et de ne retenir que ceux qu'elle juge prioritaires. Ou ayant une chance d'aboutir. C'est-à-dire d'obtenir un accord au Conseil, la réunion des Vingt-Huit, et/ou au Parlement européen. M. Timmermans est responsable de ce tamisage législatif.
Or, le projet Barnier coche une de ces cases : du point de vue de M. Hill, le texte qui divise pourrait ne pas passer la barre du Conseil, en raison de l'opposition forte des trois plus grandes économies de l'Union européenne, la France, le Royaume-Uni et l'Allemagne.
" Aucune décision n'a été prise, en tout cas pour l'instant ", prévient une source européenne. " En l'état, le texte dont on parle a peu de chances de passer. A moins qu'il soit réécrit sous une forme allégée, avec une séparation des activités risquées qui ne serait plus obligatoire, mais seulement optionnelle, par exemple ", relève une autre source bien renseignée.
C. Du.
© 2014 SA Le Monde. Tous droits réservés.

Sunday, December 7, 2014

As nuvens



(Manet, Luar no Porto de Cherburgo)

Movemo-nos entre as noites e as dunas que nos cercam,
espectros de outro tempo e de outra vida;
mas aquelas mulheres juntaram-se a um canto, silenciosas,
pois esperam de nós alguma coisa
que não sabemos o que é:
uma palavra, um grito, um deslizar manso
sobre as águas, ou o mero esplendor do nosso fim
iluminado pelo mais solene dos luares?
As nuvens, sim, as indiferentes nuvens
anunciam um cruel fulgor,
que nós a tempo não saberemos ver




Wednesday, December 3, 2014

Adivinha



Sobre a dívida pública
– “Não é com os programas de ajustamento actuais que vamos lá. Podemos até ganhar algum tempo, mas não é assim que debelaremos a situação. E se os programas de ajustamento não resolvem definitivamente o problema da dívida, o que é que se pode fazer? Como poderá ser resolvido todo este elevadíssimo endividamento? Sinceramente, penso que a crise da dívida europeia só será resolvida com um reescalonamento a longo prazo da dívida dos países europeus mais endividados.”

Adivinhem lá quem foi o esquerdista que escreveu isto: Louçã? Rui Tavares?

Monday, December 1, 2014

As meninas de São Bento

AVANTAJADAS QUE PASSAIS PELA INTERNET...
Ai jovens avantajadas
que passais pelo ecrã!
E as virgens tão delicadas
do Nobre, noite e manhã...
Há algo que se perdeu,
das virgens ao sol poente
ao voyeur filisteu
visto pela adolescente!
Menina estás à janela
do Parlamento, voraz,
a espreitar qual cinderela
a internet do rapaz!

Thursday, November 27, 2014

Prendam o Povo!

PRENDAM O POVO !


”Enquanto isso, é bom que se diga, de novo: 53 milhões de eleitores aprovaram tudo isso e 39 milhões de eleitores lavaram as mãos. Já estava tudo sabido pelos jornais, pelo rádio, pela televisão, desde janeiro, e depois na campanha política. Então, não me venham dizer que não são cúmplices”.
(Alexandre Garcia, jornalista brasileiro, sobre os escândalos na PETROBRÁS e os eleitores do PT)


Mas os portugueses quiseram que fosse assim. E tanto quiseram que em 2009, indiferentes ao que já se sabia sobre a actuação de Sócrates no Freeport e muito particularmente nessa vergonha nacional que foi o processo de licenciamento e construção da central de tratamentos de lixos da Cova da Beira, 2 077 695 eleitores lhe deram o seu voto para que continuasse como primeiro-ministro. É certo que o PS perdeu então a maioria absoluta mas note-se que não se pode falar de desastre eleitoral: em 2005, ano da grande vitória de Sócrates, o PS tivera 2 588 312. Que Sócrates continuasse a obter mais de dois milhões de votos depois do que sucedera entre 2005 e 2009 diz muito sobre a nossa alienação de valores.
(Helena Matos, jornalista portuguesa, sobre o caso Sócrates e os eleitores do PS)

Tuesday, November 25, 2014

O Financial Times na extrema-esquerda?

Éditorialiste du Financial Times en matière d’économie européenne, Wolfgang Münchau est peu suspect de complaisance envers une gauche radicale européenne qu’il qualifie volontiers de « dure »Dans sa contribution du lundi 24 novembre, reproduite ci-dessous, il estime pourtant qu’elle seule prône les politiques économiques qui s’imposent. (traduction Bernard Marx)
Supposons que vous partagez le consensus général sur ce que la zone euro devrait faire dès maintenant. Plus précisément, vous voulez voir plus d’investissements du secteur public et une restructuration de la dette. Maintenant, posez-vous la question suivante : si vous étiez un citoyen d’un pays de la zone euro, quel parti politique devriez-vous soutenir pour que cela se produise ?
Vous seriez sans doute surpris de constater que vous n’avez pas beaucoup de choix. En Allemagne, le seul qui se rapproche d’un tel programme est Die Linke, les anciens communistes. En Grèce, ce serait Syriza ; et en Espagne, Podemos, qui est sorti de nulle part et est maintenant en tête dans les sondages d’opinion. Vous pouvez ne pas vous considérer comme un partisan de la gauche radicale. Mais si vous viviez dans la zone euro et que vous étiez favorable à cette politique, ce serait votre seul choix possible.

« L’establishment espagnol craint que le programme de Podemos transforme le pays en une version européenne du Venezuela »

Qu’en est-il des partis de centre-gauche, les sociaux-démocrates et socialistes ? Ne soutiennent-ils pas un tel programme ? Cela leur arrive lorsqu’ils sont dans l’opposition. Mais une fois au pouvoir, ils ressentent le besoin de devenir respectables, à un point tel qu’ils se découvrent des gènes du côté de la politique de l’offre. Rappelez-vous que François Hollande, le président de la France, a justifié le changement de politique de son gouvernement en expliquant que l’offre crée la demande.
Parmi les partis radicaux qui ont émergé récemment, celui qu’il faut regarder avec le plus d’attention est Podemos. Il est encore jeune, avec un programme en cours d’élaboration. De ce que j’ai lu jusqu’à présent, il peut être celui qui paraît le plus en capacité d’offrir une approche cohérente de la gestion économique de l’après-crise.
Dans une récente interview, Nacho Alvarez, l’un des responsables de la politique économique de ce parti a présenté son programme avec une clarté rafraîchissante. Ce professeur d’économie de trente-sept ans a expliqué que le fardeau de la dette espagnole (à la fois privée et publique), n’est pas supportable et qu’il doit être réduit. Cela pourrait se faire par la combinaison d’une renégociation des taux d’intérêt, de délais de paiement, de rééchelonnement et d’annulations partielles. Il a également déclaré que l’objectif de Podemos n’était pas de quitter la zone euro – mais inversement qu’il n’était pas d’y appartenir à tout prix. L’objectif est le bien-être économique du pays.
Vu de l’extérieur, cela semble une position équilibrée. Mais pas tant que cela en Espagne. L’establishment craint que le programme de Podemos transforme le pays en une version européenne du Venezuela. Mais affirmer que si la dette n’est pas soutenable, elle doit être restructurée ; ou que si l’euro devait apporter des décennies de souffrance, il serait parfaitement légitime de s‘interroger sur les institutions et les politiques de la zone euro, ne devrait pas porter à controverse.

« Les partis de centre-gauche et centre-droit font dériver l’Europe vers l’équivalent économique d’un hiver nucléaire »

La position de Podemos part simplement de la réalité de la situation de la zone euro à la fin de 2014. Il est logiquement incompatible pour la monnaie unique d’entrer dans une stagnation de longue durée et de ne pas restructurer sa dette. Puisque rien n’est fait pour éviter celle-là, la probabilité que celle-ci intervienne s’approche de 100%.
Pourtant, pour le moment, les gouvernements européens continuent à jouer à "durer et faire semblant". On voit en Grèce où conduit une telle stratégie à courte vue. Après six années de dépression économique, le gouvernement se trouve dans une crise politique aiguë. Syriza est en tête dans les sondages, et a de bonnes chances de prendre le pouvoir lors des prochaines élections générales, peut-être en 2015.
L’Espagne n’en est pas encore à ce stade. Podemos pourraient priver les plus grands partis – le Parti populaire du premier ministre Mariano Rajoy et le parti d’opposition socialiste – de la majorité absolue lors des élections de l’année prochaine. Cela pourrait les forcer à réaliser une grande coalition de style allemand – qui ferait de Podemos le principal parti d’opposition.
La situation en Italie est différente, mais elle n’est pas moins grave. Si le premier ministre Matteo Renzi ne parvient pas à générer une reprise économique dans ses trois années restantes de son mandat, le mouvement d’opposition Cinq étoiles serait en pole position pour former le prochain gouvernement. Contrairement à Podemos, ce n’est pas un parti vraiment radical, et il est un ardent défenseur de la sortie de l’euro. Comme le sont aussi le Front national en France et Alternative für Deutschland en Allemagne.
Ce que Podemos doit encore faire est d’offrir une vision cohérente de la vie après une restructuration de la dette. Ce serait une bonne idée que ce parti s’organise au niveau de la zone euro au-delà de son alliance avec Syriza au Parlement européen, parce que c’est à ce niveau que les décisions politiques pertinentes sont prises. Une résolution de la dette pour l’Espagne est certes nécessaire, mais cela ne peut être que le début d’un changement plus large de politique.

La tragédie actuelle de la zone euro est l’esprit de résignation par lequel les partis de l’establishment du centre-gauche et du centre-droit font dériver l’Europe vers l’équivalent économique d’un hiver nucléaire. L’une de ses dimensions particulières est que les partis de la gauche dure sont les seuls qui soutiennent des politiques raisonnables tels que la restructuration de la dette. La montée de Podemos montre qu’il existe une demande de politique alternative. À moins que les partis établis changent leur position, ils laisseront la voie grande ouverte à Podemos et Syriza.

(o artigo de Wolfgang Munchau vai na tradução francesa, porque o FT não permite a divulgação do original para não assinantes)

Medusa



Rubens, 1618

Friday, November 21, 2014

Tuesday, November 18, 2014

Saturday, November 15, 2014

Dos poetas


La minceur sied au poète; qu'il veille à une apparence empreinte de spiritualité. À bonne distance déjà, on doit voir sur lui qu'il consacre, en proportion, davantage de jours à méditer que d'heures à festoyer. Un poète replet est une chose impossible. Écrire ne veut pas dire prendre du poids, mais jeûner et renoncer.

(Robert Walser, Vie de poète )


Que sabes fazer? Nenhuma palavra
irá cair aos teus pés como ave ferida
pelo tiro fulminante da poesia: que fazes aqui?
Não vês que lá fora desmontaram a feira,
o circo acabou há muito
e todos querem fechar de vez a luz deste palco
onde tu teimas em ficar?

Às vezes encontram-se restos, vestígios,
ou como o outro dizia pedras, conchinhas, pedacinhos de ossos,
neste navio há cem anos naufragado,
com os seus poetas a continuar a cantar,
mesmo depois de Auschwitz. 
Por isso eu sou aquele que varre os palcos
depois de cair o pano,
à procura da flor azul ou de uma última
palavra.








Wednesday, November 12, 2014

Elegia em memória de Dom Fernando de Mascarenhas, Marquês da Fronteira e Conde da Torre


A memória de ti começa
no  Palácio Fronteira cercado pela polícia de choque:
ao megafone, o ministro dava-nos quinze minutos para sair
e nós subversivos, nós clandestinos,
teus convidados,
hóspedes do mais autêntico aristocrata que tivémos,
nós a decidir em inflamada assembleia
se sair ou não.

Sim, nós estávamos habituados às cargas
policiais e fugir à polícia era a nossa arte,
que cada um praticava à sua guisa.
Por isso os inflamados não queriam sair.
Aí vieste tu, o mais nobre dos anfitriões.

Pegaste no microfone
e disseste que a decisão era nossa,
mas que os azulejos daquele jardim, as estátuas
e cada muro e cada janela
eram o património do que temos de História
e de tudo o que podemos levantar com orgulho
face aos mastins de cada dia.

Saímos um por um.
O ministro ria, dentro do carro.
Os polícias seguravam os cães.
Lembro-me de seguir uma rapariga bonita,
representante da classe operária,
por aquelas ruas de S. Domingos de Benfica.
Mas fui tímido e não fui capaz de dirigir a minha voz
à classe operária.
Perdi-me da rapariga
e talvez também da classe operária.
Mas não de ti, meu Amigo.

Recebias em tua casa
os poetas, os versos e as musas:
e o olhar de Alcipe a seguir-nos à saída
da casa de jantar,
divertida por certo com a diversidade
dos gostos e dos engenhos,
trazia a ironia da tradição
ao nosso bulício pós - moderno.

Também te recebi em S. Clemente *,
aonde os teus imensos amigos brasileiros
acorriam para te visitar,
gratos pela fidalga (é a palavra certa) hospitalidade
que lhes foste dando por Lisboa, anos corridos.
Mas também te recordo, naqueles anos de internet primitiva,
à espera, paciente como ave, que o meu filho saísse do computador
para tu lhe poderes chegar.

Meu Amigo, de ti aqui só dou memórias esparsas.
Mas quem ler os teus sermões
aprenderá alguma coisa da nobreza de carácter.
Aprenderá até que (ó maior das surpresas!)
ela pode existir.
E ter o teu nome.



*Palácio de S. Clemente, Residência do Cônsul-Geral no Rio de Janeiro






Monday, November 10, 2014

Das mudanças


Fechar mais uma porta, ter em caixas de cartão
a vida resumida; e um outro espaço virá
para toda a atenção ao que ainda pode ser.
Nunca desisto. Ainda que amargo,
o verso se ilumina
e não morre no pavio a contrariada chama:
deixo-a que alastre e se consuma,
esvaída no momento, tal como a vida
foi ficando pelo mundo repartida
e em caixas de cartão solta e movida.
 

Aos que perdemos



Entrou em silêncio. Foi
vendo onde a paz do mundo
arredondava a visão
de um silêncio mais profundo.
Entrou por ali. Ficou,
suspenso, a escutar o pulso
longínquo e interior.
Só se ouvia ouvir-se o mundo.


(Fernando Echevarría, Categorias e Outras Paisagens, 2013)

Sunday, November 9, 2014

Os sequestrados da dívida


Van Gogh, A Ronda dos Prisioneiros, 1890

Wednesday, November 5, 2014

Ao fim e ao cabo

Momentos houve em que os anjos
entreabriram as portas do céu:
mas acredite em mim, o silêncio
é a mais estimável qualidade do divino
e é finalmente tudo o que a terra tem para nos dar.

Terminou o concerto. Voltemos para casa.



Passagem dos anjos


Tuesday, November 4, 2014

Poesia e Morte (publicado na revista "Relâmpago", nº34, Abril de 2014)

 1. A  POESIA  COMO  MÚSICA   DA  MORTE
A morte que é de todos e virá (Jorge de Sena)
Freud ensinou-nos que para o Inconsciente não existe a morte.  Deste modo, a poesia é mais um mecanismo de defesa do Eu para não acreditar no seu  próprio fim.
A poesia é a própria música da morte.  E é assim que nós continuamos a tocar pela noite a nossa pequena música:  para não ouvirmos a morte.  Para podermos esquecer o silêncio da morte.  E essa nossa pobre pequena música pode ser a poesia, mas também pode ser a arte, o amor, a acção transformadora, tudo aquilo a que alguém se apega ou destina para perdurar, ficar, poder transcender de alguma forma aquela que é de todos e virá.
Mas como dizia o mesmo poeta, de morte natural nunca ninguém morreu.  A morte é sempre um escândalo.  Todos os sinos dobram por nós, mas nada fica depois da nossa passagem.  Tentamos por todas as formas esquecer o grande silêncio que nos rodeia, entoamos as melodias do desejo, do amor, da obra, mas no mais dentro da poesia voltamos a encontrar a incontornável música da morte.  Pois de que nos pode valer o que ficará depois de nós, lá onde nós não estaremos?




O receio da morte é a fonte da arte (Ruy Belo)



















2. TRÊS POEMAS:

A ILHA DOS MORTOS

Nunca, entre tanta serenidade,
poderia pousar uma crispação, uma recusa
ou um brusco estremecimento do coração
desmedido.  Não conhecer a paixão
é o privilégio dos mortos.  Entre a mão
e a barca,
entre o silêncio e a aridez,
entre a claridade
e o tremor
caem as sombras sobre a água como
a roupa se desprende e cai do corpo desejado,
entrevisto,
como de tanto amor se tece a morte.

(de A Ilha dos Mortos, Quetzal, Lisboa, 1991)



Alma a quien todo un Dios prisión ha sido,
venas que humor a tanto fuego han dado,
médulas que han gloriosamente ardido,

su cuerpo dejarán, no su cuidado;
serán ceniza, mas tendrán sentido.
Polvo serán, mas polvo enamorado.

(Francisco de Quevedo)



















A MÚSICA DA MORTE

Já passaram por nós as frias aves,
aprendemos a música da morte.
Ao princípio escurece, um arrepio
vem toldar a memória sobre a pele
e a sombra que deixámos faz-se leve
diferença como eco ou na paisagem
turvo matiz que inquieta de repente:
tudo o que irá esquecer nossa passagem
nos vem olhar agora frente a frente.
Da morte aqui passaram frias aves,
como nuvens sem mar ou mar sem naves.

(de Outras Canções, Quetzal, Lisboa, 1998)




e só agora penso:
porque é que nunca olho quando passo defronte de mim mesmo?
para não ver quão pouca luz tenho dentro?

(in Herberto Helder, A Morte sem Mestre, Porto Editora, Lisboa, 2014)
















MEMENTO MORI

Eu vi morrer três pessoas:
a uma acompanhei até ao fim,
no que seria talvez o que lhe restava de vida
ou porventura o que lhe sobrava de morte;
outra morreu quando eu dormia,
longe do hospital:
e tive que atravessar pela madrugada
uma cidade estrangeira
para chegar à sua morte;
e meu Pai, enquanto eu ia
comprar-lhe uma garrafa de oxigénio,
que nunca soube a quem serviu depois.

Nós nunca vemos ninguém morrer,
porque morrer é por dentro de cada um,
como talvez tudo o que tenha algum sentido,
como talvez o amor.

O que verdadeiramente importa
é opaco ao nosso olhar
e cada prova que vivemos
é só e única:
morrer ou ver morrer
e o amor também.

(de Lendas da Índia, Dom Quixote, Lisboa, 2011)



Verrá la morte e avrá i tuoi occhi  (Cesare Pavese)