Friday, March 25, 2016

À POESIA


Sempre voltamos. E nunca conhecemos
os cantos à casa. Caminhamos descalços
sobre tijoleira fria e abrimos a janela,
porque já estivemos nalgum lugar parecido,
mas nunca aqui. Flores secas, o piano
há muitos anos fechado. Falávamos de música?
Heard melodies are sweet
but those unheard are sweeter.
Alguém falou, por detrás desta infindável galeria de retratos
que conduz à torre assombrada.
Nós estamos habituados a ouvir os mortos.
Entramos e saímos e voltamos a entrar nesta casa,
mas nunca os corredores encontramos no mesmo sítio!
Faltam-nos, é claro as castíssimas esposas, 
que aninham as mansões de vidro transparente.
Mas este é o nosso tempo e com ele nos medimos,
às vezes irónicos, às vezes vagos ou distantes,
mas nunca fugimos dele. Nós não desertamos.
Não fugir. Suster o peso da hora.
E ouvir vozes e perder vozes e calar um verso,
porque uma palavra sobra e desequilibra.
A atenção às coisas e o voluntário esquecimento
do pormenor insidioso e biográfico,
que desponta como erva daninha
até infectar toda a cobertura da casa
com a humidade que envelhece telhas e madeiras
e acaba por corroer palavras, versos, memórias,
para nas caleiras ficarem por fim amalgamadas
as flores mais puras do engenho e da invenção.

(com versos de Keats, Cesário Verde e Cristovam Pavia)






Wednesday, March 23, 2016

Resposta a um inquérito do "Observador": 21 poemas apresentados por 21 poetas


Luís Filipe Castro Mendes

“Magnificat” de Álvaro de Campos

Cada poema é um encontro, no processo em que é escrito tanto como no processo em que é lido. Encontrei há muito tempo este poema e sei que de repente ele me veio cortar a respiração e ferir-me com a terrível consciência de que nunca poderemos sair do nosso próprio ser, nem pela vida nem pela morte. Cárcere do ser, li mais tarde no mesmo Álvaro de Campos. Mas o soco que o poema dá em nós (“e a dor dói como um soco”, Alexandre O’Neill) só o sentimos bem nesses momentos em que da ideia se passa ao espanto quase físico do encontro com uma verdade de nós que nós não sabíamos. O poeta é afinal aquele que sabe dar-nos de surpresa um soco no mais fundo do que somos. Para com isso aprendermos a ver melhor o esplendor do mundo.
Quando é que passará esta noite interna, o universo, 
E eu, a minha alma, terei o meu dia? 
Quando é que despertarei de estar acordado? 
Não sei. O sol brilha alto, 
Impossível de fitar. 
As estrelas pestanejam frio, 
Impossíveis de contar. 
O coração pulsa alheio, 
Impossível de escutar. 
Quando é que passará este drama sem teatro, 
Ou este teatro sem drama, 
E recolherei a casa? 
Onde? Como? Quando? 
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo? 
É esse! É esse! 
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei; 
E então será dia. 
Sorri, dormindo, minha alma! 
Sorri, minha alma, será dia!

Saturday, March 19, 2016

Dia do Pai: um poema meu

MEMENTO MORI


Death is not in life

(Wittgenstein)

Eu vi morrer três pessoas:
a uma acompanhei até ao fim,
no que seria talvez o que lhe restava de vida
ou porventura o que lhe sobrava de morte;
outra morreu quando eu dormia,
longe do hospital:
e tive que atravessar pela madrugada
uma cidade estrangeira
para chegar à sua morte;
e meu Pai, enquanto eu ia
comprar-lhe uma garrafa de oxigénio,
que nunca soube a quem serviu depois.

Nós nunca vemos ninguém morrer,
porque morrer é por dentro de cada um,
como talvez tudo o que tenha algum sentido,
como talvez o amor.

O que verdadeiramente importa
é opaco ao nosso olhar
e cada prova que vivemos
é só e única:
morrer ou ver morrer

e o amor também.

(de Lendas da Índia, 2011)

Dia Mundial da Poesia

The functions of the poetical faculty are twofold: by one it creates new materials of knowledge, and power, and pleasure; by the other it engenders in the mind a desire to reproduce and arrange them according to a certain rhythm and order which may be called the beautiful and the good. The cultivation of poetry is never more to be desired than at periods when, from an excess of the selfish and calculating principle, the accumulation of the materials of external life exceed the quantity of the power of assimilating them to the internal laws of human nature. The body has then become too unwidely for that which animates it.

(Shelley, "Defence of Poetry", 1821)

Friday, March 18, 2016

No Dia Mundial da Poesia

No Dia Mundial da Poesia
"Le déni de la poésie n'est pas une affaire littéraire, ou il ne l'est que secondairement. Il est politique. Réduire la poésie à un charmant artefact ou à une pratique très particulière, intransitive et séparée, du langage, censée sauver l'honneur d'une communauté qui l'ignore, lui déniant ainsi toute dimension sociale transgressive et agissante, c'est qu'on le veuille ou non un choix politique"
Jean-Pierre Siméon, director do festival "Printemps des Poètes"