Friday, December 30, 2011

Monday, December 26, 2011

Até amanhã, camaradas

"Cet avenir, qui germe dans le laboratoire de sauvetage de l'euro, dont il est pour ainsi dire un effet secondaire intentionnel, ressemble effectivement, j'ose à peine le dire, à une variante européenne tardive de l'Union soviétique. L'économie planifiée centralisée ne consiste plus ici à élaborer des plans quinquennaux pour produire des biens et des services mais pour réduire la dette. Leur application est confiée à des "commissaires" qui, sur la base de "mécanismes de sanction" (Angela Merkel), sont habilités à tout mettre en oeuvre pour détruire les villages Potemkine de pays notoirement endettés. On connaît le destin de l'Union soviétique."

(Ulrich Beck, in Le Monde, 27 de Dezembro) 

Thursday, December 22, 2011

Ainda queria mais?


Papa diz que Europa é incapaz de fazer sacrifícios

Um pinheiro no Tibet


Wednesday, December 21, 2011

Tu quoque, Brutus?

A agência Moody´s avisou o Reino Unido de que a nota (rating) estável triplo-A da sua dívida soberana tem “uma reduzida capacidade” para absorver mais choques macroeconómicos ou fiscais sem implicações no seu nível, que está no topo da escala.

Contra a germanofobia (2)

O surgimento de uma sociedade internacional em que os Estados (ou as uniões de Estados) constituem apenas uma categoria de sujeitos ou agentes entre os demais (empresas multinacionais, bancos, mafias), num mundo em que se abrem cada vez mais "zonas de ungovernance",  foi aventada por Susan Strange, antes da actual crise, em que os Estados têm vindo a revelar, um a um, a sua impotência.

(Cf. Susan Strange, The Retreat of the State. The Diffusion of Power in World Economy, Cambridge University Press, 1996)

Parece-me, assim, uma perspectiva inactual, por demasiado "westphaliana", falar de uma irresistível "vontade de poder" alemã, que estaria  na base das opções da Sra. Merkel. A Alemanha está a ser tão arrastada pelos "sujeitos não estatais" como todos os outros. Está é a responder a situações novas com ideias velhas. Como todos os outros. Como todos nós.


Sunday, December 18, 2011

Rule Britannia


Crise na zona euro: Relações Exteriores tem plano de retirada de expatriados" é a manchete do jornal The Daily Telegraph. O jornal afirma que os britânicos que vivem em Espanha e em Portugal "podem ter ajuda do Governo para deixarem os países se a crise na zona euro arrastar os seus bancos" e eles deixarem de "ter acesso às suas contas bancárias". 
Segundo o jornal, vivem em Espanha cerca de um milhão de britânicos e 55 mil em Portugal. Ao jornal Sunday Times, o Ministério das Finanças confirmou os planos, mas recusou-se a dar mais detalhes.  
O Ministério das Relações Exteriores disse ao diário que se está a preparar para um "cenário de pesadelo", com milhares de britânicos sem dinheiro a dormir nos aeroportos e sem meios para chegar a casa.  
Entre os planos de contingência que o Governo está a preparar consta o envio de aviões, navios e autocarros. Segundo uma fonte daquele ministério, os planos estão a ser debatidos para entrarem em acção caso se verifique o pior cenário.  
Em causa está a crise da dívida soberana nos países da zona euro que tem estado sobre foco nos principais mercados.

Rule Britannia

Fartos estamos nós de Luís Figo!

Mas quer vender tudo em Portugal por pagar muitos impostos?
Não, quero vender porque estou um bocado farto disto. 



(Luís Figo, grande futebolista, orgulho de Portugal)

Ainda Goa: testemunho de Constantino Xavier



A Índia eliminou há muito os complexos do passado. Lembro-me da estupefacção entre diplomatas portugueses quando, numa recente visita a Lisboa, um oficial da Marinha indiana enalteceu Goa como símbolo de "fusão dos valores luso-indianos" e se referiu a Vasco da Gama como "o descobridor que nos abriu as portas ao mundo". Isto só pode surpreender se continuarmos a ignorar que a maioria dos indianos se orgulha do que Portugal deixou na Índia.Investigador, Universidade Johns Hopkins, EUA Constantino.xavier@gmail.com
(no Público de hoje)

Lembrando Goa

Hoje, 18 de Dezembro


Lembrar-me-ei sempre daquela conferência de imprensa, no final da cimeira luso-indiana em 2007. O Primeiro Ministro Manmohan Singh declarou nessa ocasião "reconhecer e valorizar gratamente o contributo dado à Índia pela presença de Portugal em Goa, Damão e Diu". Os colegas indianos enviaram-nos sorrisos de congratulação e (até) de surpresa.

Mas nem uma palavra desta declaração veio referida sequer na nossa imprensa.  A jornalista portuguesa que estava na conferência perguntou, sim, com pretensões patrióticas e pronúncia lisboeta :  "Como se sente Portugal, depois de ter dominado no passado o comércio com o Oriente, ao vir agora solicitar investimentos à Índia?"

As gargalhadas subsequentes dos colegas indianos far-me-ão sempre recordar aquela rapariga tão patriota...    

Saturday, December 17, 2011

Entre o Papa e Lutero


Voilà pourquoi une Europe uniquement allemande est gravement menacée. La rigueur budgétaire est nécessaire comme politique mais pas comme idéologie.
Comment en sortir? On peut être pessimiste si cela relève du dialogue des religions: entre le pape et Luther, aucune synthèse n'a jamais été trouvée. Si l'Allemagne accepte de venir sur le terrain du pragmatisme, tout est possible. Mais encore faut-il que le monde latin l'occupe et avance des arguments sérieux.
Or, et on ne le dira jamais assez, c'est là le fond du problème: la France n'a plus d'idée européenne. L'Allemagne n'a pas d'idée du monde, il faut lui en soumettre une, mais la France est incapable de livrer le début du commencement d'une théorie de la mondialisation, sauf à radoter que l'Europe doit dépenser et se protéger. Argument papal, non recevable outre-Rhin.
Qu'est-ce qu'un modèle de modernité européenne intégrant les deux nouvelles puissances réelles d'aujourd'hui, les marchés financiers et la Chine? Il n'y aura pas d'Europe sans réponse aux questions en profondeur d'un Schäuble. Le dialogue franco-allemand doit rénover l'idée de justice sociale, de solidarité entre générations, de capitalisme modéré. Et vite. Tous les jours, l'autre monde écrase l'Europe, la France et l'Allemagne.
Eric Le Boucher
Chronique également parue dans Les Echos

À saúde de Eduardo Lourenço


"Seria necessária uma malícia sublime, uma suprema malícia do conhecimento, consciente de si própria, que é parte integrante da grande saúde; seria necessária - para dizer em poucas palavras e de forma terrível - precisamente essa grande saúde! E será que ela ainda é possível?"

(Nietzsche, Para a Genealogia da Moral, II, 24)

Para Eduardo Lourenço, que sempre manteve, no meio de nós, a saúde da sua inteligência e a malícia do seu saber.

Friday, December 16, 2011

Nietzsche sobre a dívida

"O devedor, para inspirar confiança relativamente à sua promessa de reembolso, para oferecer uma garantia da seriedade sagrada da sua promessa, inclusivamente para reforçar na sua própria consciência a obrigação, o dever do reembolso, empenha ao credor - por força de um contrato que será aplicado no caso de não haver pagamento - uma outra coisa que "possua", sobre a qual exerça algum poder, por exemplo o corpo ou a mulher ou a sua liberdade pessoal ou mesmo a vida (...).  O credor podia nomeadamente infligir ao corpo do devedor toda a espécie de humilhações e de torturas, por exemplo cortar bocados na quantidade que lhe parecesse apropriada ao tamanho da dívida (...). A equivalência é estabelecida na medida em que, em vez de uma vantagem que compensasse directamente o prejuízo (...) o credor recebe como reembolso e indemnização uma espécie de satisfação interior, a satisfação de, sem remorso, poder exercer o seu poder sobre um impotente, a volúpia de "faire le mal pour le plaisir de le faire", o gozo de violentar, gozo esse que é tanto mais apreciado quanto mais baixo o credor estiver na escala social."

Nietzsche, Para a Genealogia da Moral, II, 4   

Thursday, December 15, 2011

A ética protestante e o espírito do capitalismo

A intervenção do Presidente do Bundesbank, comparando o problema das dívidas soberanas com o vício do alcoolismo, mostra bem como voltámos na Europa ao tempo das guerras religiosas.

É Lutero que levanta contra Roma a espada e o crucifixo!   

Tuesday, December 13, 2011

Natal e não Dezembro


Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira

Monday, December 12, 2011

Boas Festas


Mário Miranda

Adeus, Mário. Goa ficou mais pobre e nós também.

Saturday, December 10, 2011

A Europa alemã

"Allemagne, notre mère à tous"
(Gérard de Nerval)

à memória de Heinrich Heine

É pela beira do Reno
que hoje me ponho a pensar
e o sossego que temo
faz-se de um adivinhar

de brumas e de rigor
que fazem perder a graça
de Deus e o seu amor
ao que fomos e ao que passa.

Lutero joga ao diabo
o tinteiro na parede:
joguemos sobre o passado
as malhas da velha rede,

a que emerge entre ruínas
e sabe de piores sinas.

Sunday, December 4, 2011

Contra a germanofobia


Podemos ser rigorosamente críticos das posições monetaristas e moralistas da chanceler Angela Merkel. Mas não podemos nunca descambar na germanofobia. A Alemanha é uma grande democracia, hoje colocada numa posição dominante e tendencialmente hegemónica na Europa. Segue uma política em relação à crise que muitos (e dos melhores) consideram cega, ideológica e conducente a um desastre a que a própria Alemanha não escapará. Mas não devemos ter medo da Alemanha - devemos ter medo das políticas que neste momento a Alemanha preconiza.

Saturday, December 3, 2011

Coliseu 2 de Dezembro de 2011

Coliseu, 2 de dezembro de 2011


A festa é do fado e de Lisboa
e o nosso coração esquece mágoas
na lucidez sem paz em que ressoa
o quanto o tempo escorre em turvas águas.

Que sempre o nosso riso teve mágoa
a turvar de vazio o que é contente
e sempre o sol morreu desfeito em água
a apontar para nós o que é ausente.

A festa é do fado e de Lisboa
mas a pura alegria de repente
perdeu rimas e tons e se não voa
é porque olhou mais longe que o presente.

Dou-te a festa e o riso que mais dura
mas nunca o nosso mal irá ter cura.

Thursday, December 1, 2011

À Alemanha

Provérbios da crise

"Si les évènements nous dépassent, feignons de les organiser"

(Jean Cocteau)

Um estilo alemão

Bismarck's greatness lay not in mastering events, but in going with events so as to seem to master them.

(A.J.P. Taylor)

Sunday, November 27, 2011

Fado, património da Humanidade

Comentário a uma ode de Horácio


Com o Tirreno eu sonhava
de uma varanda na praia,
enquanto o dia findava
como uma luz que se espraia

pela maré, pela duna
feita de areia e de lua
e que não se coaduna
com fala que não é sua.

Colheste o dia? Talvez.
Os anos por fim passaram.
E o Tirreno se fez
das palavras que sobraram.

Uma ode de Horácio

Não procures, Leucónoe, - ímpio será sabê-lo -
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
não consultes sequer os números babilónicos:
Melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa esp'rança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
que nunca o de amanhã merece confiança.

Horácio
Tradução de David Mourão-Ferreira

Monday, November 21, 2011

Jorge Luis Borges, "The Unending Gift"

Un pintor nos prometió un cuadro.
Ahora, en New England, se que ha muerto. Sentí
como otras veces, la tristeza y la sorpresa
de comprender que somos como un sueño.
Pensé en el hombre y en el cuadro perdidos.
(Sólo los dioses pueden prometer, porque son inmortales).
Pensé en el lugar prefijado que la tela no ocupará.
Pensé después: si estuviera ahí, sería con el
tiempo esa cosa más, una cosa, una de las
vanidades o hábitos de mi casa; ahora es
ilimitada, incesante, capaz de cualquier
forma y cualquier color y no atada a
ninguno.
Existe de algún modo. Vivirá y crecerá como una
música, y estará conmigo hasta el fin.
Gracias, Jorge Larco.
(También los hombres pueden prometer, porque
en la promesa hay algo inmortal).

De Elogío de la Sombra, 1969

Sunday, November 20, 2011

Ítaca

ÍTACA
Konstantinos Kaváfis
(Trad.
José Paulo Paes)

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.


Wednesday, November 16, 2011

Naufrágio com espectadores


Nous autres, civilisations, nous savons maintenant que nous sommes mortelles.

Nous avions entendu parler de mondes disparus tout entiers, d’empires coulés à pic avec tous leurs hommes et tous leurs engins; descendus au fond inexplorable des siècles avec leurs dieux et leurs lois, leurs académies et leurs sciences pures et appliquées, avec leurs grammaires, leurs dictionnaires, leurs classiques, leurs romantiques et leurs symbolistes, leurs critiques et les critiques de leurs critiques. Nous savions bien que toute la terre apparente est faite de cendres, que la cendre signifie quelque chose. Nous apercevions à travers l’épaisseur de l’histoire, les fantômes d’immenses navires qui furent chargés de richesse et d’esprit. Nous ne pouvions pas les compter. Mais ces naufrages, après tout, n’étaient pas notre affaire.

Élam, Ninive, Babylone étaient de beaux noms vagues, et la ruine totale de ces mondes avait aussi peu de signification pour nous que leur existence même. Mais France, Angleterre, Russie… ce seraient aussi de beaux noms. Lusitania aussi est un beau nom. Et nous voyons maintenant que l’abîme de l’histoire est assez grand pour tout le monde. Nous sentons qu’une civilisation a la même fragilité qu’une vie. Les circonstances qui enverraient les œuvres de Keats et celles de Baudelaire rejoindre les œuvres de Ménandre ne sont plus du tout inconcevables : elles sont dans les journaux.

Ce n’est pas tout. La brûlante leçon est plus complète encore. Il n’a pas suffi à notre génération d’apprendre par sa propre expérience comment les plus belles choses et les plus antiques, et les plus formidables et les mieux ordonnées sont périssables par accident ; elle a vu, dans l’ordre de la pensée, du sens commun, et du sentiment, se produire des phénomènes extraordinaires, des réalisations brusques de paradoxes, des déceptions brutales de l’évidence.

(...)

Tout est venu à l’Europe et tout en est venu. Ou presque tout.

Or, l’heure actuelle comporte cette question capitale : l’Europe va-t-elle garder sa prééminence dans tous les genres ?

L’Europe deviendra-t-elle ce qu’elle est en réalité, c’est-à-dire un petit cap du continent asiatique ?


(Paul Valéry, "La crise de l'esprit", 1919)

Monday, November 14, 2011

Saturday, November 5, 2011

Fala da Índia


- I spent four years in India.
- So, why did you leave?

(diálogo com um colega indiano)


Foste-te embora
antes de eu começar a falar contigo.
Como um rapazinho malcriado,
que sai de casa de uma velha senhora
antes mesmo de ela lhe dirigir a palavra,
tu não entendeste nada. Mas isso não tem importância,
porque ninguém me entende
a não ser os meus povos,
os meus rostos, as mil cabeças que surgem
do rio emudecido.
O que me ofende é que tu,
tu, pobre de ti,
tenhas partido
antes de eu
ter decidido dirigir-te a palavra.


Wednesday, November 2, 2011

Grécia


Eis-me vestida de sol e de silêncio. Gritei para destruir o Minotauro e o palácio. Gritei para destruir a sombra azul do Minotauro. Porque ele é insaciável. Ele come dia após dia os anos da nossa vida. Bebe o sacrifício sangrento dos nossos dias. Come o sabor do nosso pão a nossa alegria do mar. Pode ser que tome a forma de um polvo como nos vasos de Cnossos. Então dirá que é o abismo do mar e a multiplicidade do real. Então dirá que é duplo. Que pode tornar-se pedra com a pedra alga com a alga. Que pode dobrar-se que pode desdobrar-se. Que os seus braços rodeiam. Que é circular. Mas de súbito verás que é um homem que traz em si próprio a violência do toiro.

(Sophia de Mello Breyner Andresen, Epidauro, in Geografia, 1987)

Thursday, October 27, 2011

Poema


Cada poema tece a sua noite
e nessa noite ele irá ser escrito,
posto em palavras, face
à perdida música.

Sunday, October 23, 2011

A joy forever


Não fales das cidades que vivemos,
onde a memória do que fomos vai morrer
quando não mais vier um amigo trazer-nos
a luz que atravessámos e dizer

que mais que o peso opaco da memória
vale a comum alegria que é vitória.


O nu azul de Matisse



O desejo não sobrevive à arte,
que é apenas uma forma mais trabalhada
do comum medo da morte: por isso este nu,
na sua negação de fantasias eróticas
com Vénus passadas ou futuras,
nos remete sem contemplações ao essencial
das coisas, à opacidade material e sem alternativa
de um corpo.


O poema que não irei escrever


O poema que eu sei nunca irei escrever
atravessa os meus dias como sombra incisiva,

destacada, precisa, inscrita no destino,
como folha a nascer, como folha caída,

cada outono a cair, cada ano prometida.

Saturday, October 22, 2011

Camões: resposta a um inquérito do JL


A propósito da recente publicação do "Dicionário de Camões", da autoria do Prof. Vítor Manuel Aguiar e Silva, dei o seguinte depoimento ao JL, publicado no seu último número:


1 - Há algum verso de Camões que saiba de cor, costume citar ou de que goste particularmente? Qual? Porquê?


2- Camões foi de alguma maneira marcante no seu percurso literário? O que em especial sublinharia na sua obra?


3- Qual a importância de um dicionário como aquele que agora foi publicado para uma leitura de Camões hoje?



1 – Costumo citar dois versos de Os Lusíadas, de que gosto muito: “Tu, só tu, puro amor, com força crua,/ que os corações humanos tanto obriga”. Evidentemente pela referência à narrativa da tragédia amorosa de Inês de Castro, mas sobretudo pela sua força sonora. É a musicalidade que me atrai particularmente nestes versos. Há um outro da Canção IX, que poderia citar: “Era razão ser a razão vencida”. Aí mais pela força intelectual. Esse é um verso belíssimo, que de resto Jorge de Sena analisou muito bem enquanto pensamento dialéctico. Porque aparece aqui uma razão superior à razão, tal como numa síntese hegeliana.

2 – É evidente que foi muito marcante. Camões é o grande poeta da língua, fundamental para a música da Língua Portuguesa. Não quer dizer que a música da língua não esteja presente nos nossos trovadores, nos poetas medievais, na poesia da Corte, mas foi com Camões que se atingiu o cimo dessa vertente. Isto além de toda a riqueza cultural e temática quer da lírica, quer da épica. E não prefiro uma à outra. Todo o Camões é extraordinário. A épica tem coisas maravilhosas, mas também as encontro na lírica, nos sonetos, claro, mas de igual modo nas canções. É realmente o grande marco de grandeza da poesia portuguesa. Usando a terminologia de Harold Bloom, poderemos mesmo falar de uma “angústia da influência” em relação a Camões, o antepassado contra o qual se medem todos os poetas portugueses. E penso que, de fato, toda a poesia portuguesa é marcada de alguma maneira por essa figura incontornável. Bocage diz “Camões, grande Camões, quão semelhante…”, mostrando a sua admiração incondicional, mas Pessoa também estava obcecado com a construção de um super-Camões, que no fundo é um anti-Camões. A Mensagem é um anti-LusÍadas, posicionando-se assim o nosso outro grande poeta numa espécie de rivalidade ou antagonismo. Esse fenómeno dá bem a medida da importância da obra camoniana.

3 – Vindo do prof. Vítor Aguiar e Silva, um dos maiores e mais competentes estudiosos camonianos, o dicionário que vai ser publicado será com toda a certeza uma obra fundamental. Sem menosprezo por outros importantes trabalhos e sem querer ser injusto em relação a outros grandes camonianos, recordo os estudos de Jorge de Sena e de Vasco Graça Moura. Do ponto de vista do meu trabalho poético, foram as interpretações de Camões que estes autores deixaram que mais me vieram influenciar, não sendo eu nem um erudito, nem um investigador, nem um teórico da literatura. E claro que também os estudos de Vítor Aguiar e Silva foram extremamente importantes para mim, como autor e leitor de poesia. A sua obra é de facto magistral e é evidente que este será um dicionário que irei ler com toda a atenção.

Notícias do meu país

Friday, October 21, 2011

Carta de marinheiro


Manobra de fundear:
algum dia teremos que acabar a viagem
e deixar o barco bem ferrado com o vento a soprar à volta.

Mas o que escolheremos deixar?


Thursday, October 20, 2011

Wednesday, October 19, 2011

Tuesday, October 18, 2011

Thursday, October 13, 2011

A nossa condição


"Qu'on s'imagine un nombre d'hommes dans les chaînes, et tous condamnés à la mort, dont les uns étant chaque jour égorgés à la vue des autres, ceux qui restent voient leur propre condition dans celle de leurs semblables, et, se regardant les uns les autres avec douleur et sans espérance, attendent leur tour: c'est l'image de la condition des hommes."

(Pascal, "Pensées")

Saturday, October 8, 2011

Poema de Tomas Transtromer sobre o Funchal

FUNCHAL
[poema de Tomas Tranströmer]

O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca, construída por náufragos.

Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim as rajadas de vento

do mar. Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa dois peixes,

segundo uma antiga receita da Atlântida, pequenas explosőes de alho.

O óleo flui sobre as rodelas do tomate. Cada dentada diz que o oceano nos quer

bem, um zunido das profundezas.

Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos as agrestes colinas floridas, sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais, bem-vindos, não

envelhecemos. Mas já suportámos tantas coisas juntos, lembramo-nos disso,

horas em que também de pouco ou nada servíamos ( por exemplo, quando

esperávamos na bicha para doar o sangue saudável – ele tinha prescrito uma

transfusão). Acontecimentos, que nos podiam ter separado, se não nos tivéssemos

unido, e acontecimentos que, lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!

Eles tornaram-se pedras, pedras claras e escuras, pedras de um mosaico desordenado.

E agora aconteceu: os cacos voam todos na mesma direcção, o mosaico nasce.

Ele espera por nós. Do cimo da parede, ele ilumina o quarto de hotel, um design,

violento e doce, talvez um rosto, não nos é possível compreender tudo, mesmo

quando tiramos as roupas.

Ao entardecer, saímos. A poderosa pata, azul escura, da meia ilha jaz,

expelida sobre o mar. Embrenhamo-nos na multidão, somos empurrados

amigavelmente, suaves controlos, todos falam, fervorosos, na língua

estranha. “um homem não é uma ilha. Por meio deles fortalecemo-nos, mas

também por meio de nós mesmos. Por meio daquilo que existe em nós e que os

outros não conseguem ver. Aquela coisa que só se consegue encontrar a ela

própria. O paradoxo interior, a flor da garagem, a válvula contra a boa escuridão.

Uma bebida que borbulha nos copos vazios. Um altifalante que propaga o silêncio.

Um atalho que, por detrás de cada passo, cresce e cresce. Um livro que só no escuro

se consegue ler.

Luís Costa (Portugal, 1964). Poeta e ensaísta. Inédito em livro. A tradução do poema de Tomas Tranströmer, feita por Luís Costa, tomou por base a versão alemã, realizada por Hans Grössel e incluída em Der Mond und die Eiszeit (1992), antologia do poeta sueco. Contacto: l.costa@web.de.

Friday, October 7, 2011

Um allegro de Haydn

Tomas Transtormer ouvindo Haydn

Allegro
by Tomas Transtormer

After a black day, I play Haydn,
and feel a little warmth in my hands.

The keys are ready. Kind hammers fall.
The sound is spirited, green, and full of silence.

The sound says that freedom exists
and someone pays no taxes to Caesar.

I shove my hands in my haydnpockets
and act like a man who is calm about it all.

I raise my haydnflag. The signal is:
"We do not surrender. But want peace."

The music is a house of glass standing on a slope;
rocks are flying, rocks are rolling.

The rocks roll straight through the house
but every pane of glass is still whole.

Quotidiano



Há um encontro que julgas ter perdido,
mas ninguém te esperava e tu não sabias!

Wednesday, October 5, 2011

Revisitámos Munch: "Operários voltando do trabalho"

Um poema fora do tempo

UM POEMA FORA DO TEMPO

Abre-se o pano sobre a cena deserta:
as cidades vazias, nossos rumos sem norte.
Tudo em nós se fechou numa concha tão fria
que ninguém sabe mais esconjurar sua sorte.

Tudo em nós se fechou e ficamos parados
à espera que nos chamem para o desconhecido.
A alegria fugiu com os cavalos alados
e cerca-nos a cinza de um horizonte ferido.

É agora que o grito faz falta no verso,
é agora que o riso e a música são
necessários à vida como o respirar certo
da criança que dorme ou a côdea no pão.

Um soneto não serve para coisa nenhuma:
se não há mais tribunos, seja então testemunha!

Tuesday, October 4, 2011

Isto também nos não podem tirar

O que ainda nos não podem tirar!

A alegria, e só ela, aumenta a nossa capacidade de agir

Consolação

(Edward Hopper)

" Ce qu'on regrette de la vie, c'est ce qu'elle n'a pas donné - et jamais n'aurait donné. Apaise-toi."

Paul Valéry

Monday, October 3, 2011

Em busca do tempo perdido: o banco das ostras

Outrora agora

ESTES DIAS ROUBADOS AO TEMPO

Os dias de hoje oferecem-nos o sol
como um sorriso de piedade sobre a nossa errância.
Sentemo-nos na esplanada mais próxima,
as raparigas de que falam os poetas
não vieram, mas estas mulheres mostram de si
o bastante para nos bastar. Então, fica sentado

e reflecte um pouco e vê que nada se perdeu,
apenas porque na verdade nada ganhaste
desde que há vinte anos atrás, nestas mesmas esplanadas,
vias acudirem as raparigas de que falam os poetas
e os cafés acendiam nas conversas pontos luminosos
de que te não lembras mais.

Alguns poemas? Pobre de ti,
admitamos que sim.
Olha como o sol faz agora brilhar todas as coisas
e permite que esqueças mansamente
a tua juventude.

Alguém como tu outrora atravessa a rua
a sorrir.


Sunday, October 2, 2011

Meditação matinal, com um verso de Jorge de Sena


Mesmo quando não estamos sós
e nos rodeia o halo de ternura
que a vida nos deu e consentiu,
mesmo assim o mundo continua opaco e alheio
e a realidade é um ente estranho com o seu plano próprio
(a sua agenda, como se diz agora) que não passa por nós
e que nós nunca conheceremos.

Prometeu, o fogo afinal ficou sempre na mão dos deuses.
Nosso foi um breve orgulho, uma exaltação ingénua
de "ser-se humano, passo a passo mais",
como disse um poeta.
Mas tudo o que é humano é precário e o que vem aí não sabemos,
só sabemos que não mais será para nós a Idade de Ouro.

Nem um deus aparece para o podermos recriminar!

Saturday, October 1, 2011

Contra a lei de Gresham na literatura


"Mais justement, depuis les origines, la grande littérature mène une dure bataille contre le kitsch que ne cesse de développer la mauvaise. (...) De "Don Quichotte" à "Madame Bovary", les romanciers ont traité du retentissement de la mauvaise littérature sur la vie des hommes. C'est justement le problème posé au roman et c'est là qu'on voit tout l'enjeu de la littérature. Pourquoi faut-il lire de bons livres? Pour échapper à l'emprise des mauvais sur notre vie la plus intime."

(Alain Finkielkraut)

Friday, September 30, 2011

Le futur n'est plus ce qu'il était

A crise vista por Paul Jorion


On se souvient de la scène célèbre dans le film 2001 : Une Odyssée de l’espace, de Stanley Kubrick : le superordinateur d’un vaisseau spatial en a pris les commandes et tente d’expulser dans l’espace le dernier astronaute vivant. Tout se passe froidement et en silence car l’ordinateur n’agit pas par vengeance, ambition ou cruauté : il a simplement calculé que le facteur humain était devenu un obstacle à la réalisation optimale de son programme.

Dans 2001, Odyssée de l’Espace, l’astronaute survivant débranche le superordinateur. En 2011, à bord du vaisseau Spatial Terre, dans le grand laboratoire européen, rien de tel. Chacun est à son poste et applique le programme prévu. Et à toute vitesse, pour ne rien voir, ne rien penser, ne rien ressentir. S’arrêter ?

www.pauljorion.com/blog/

Thursday, September 29, 2011

O que já li (e recomendo)

O que estou a ler (e recomendo)

Espinoza, encontro em Amesterdão


Joy is man’s passage from a less to a greater perfection (Spinoza, Ethics)

Fala de um cristão-novo


Sefarad, para onde fugimos
quando nos negaram a terra, a casa, a língua?
Sefarad, foi para junto desses mesmos
a quem hoje negamos a terra, a casa, a língua.


Tuesday, September 27, 2011

O sol negro da melancolia



Sol negro da melancolia,
esqueceste-me aqui?
Eu atravessei os rios para te encontrar
e visitei as Índias e os sertões e as Américas.
Agora que regresso a estas ruas donde vim,
onde nunca me conheceram, mas onde eu passei
trabalhos e dias e amores,
agora, onde estás tu, sol negro da melancolia?

Fui ingrato? Eu estou sempre pronto a voltar
à pátria que é minha.
Eu nunca te pedi nada.
Ou se pedi, foi aquilo que nunca me poderias dar,
a poesia, porque a poesia
não se dá, arranca-se à vida e segue-se em frente.

Sol negro da melancolia, o inverno vai chegar
e tu nada me disseste.


"Sapatos" Van Gogh


Apenas isto.
Na ruína que sempre se faz de uma vida,
os sapatos gastos falam-nos das montanhas que subimos
mais acima do coração e do esplendor perdido
das paisagens douradas e do gelo fino
que quase estilhaçava sob os nossos passos.

É o resto e o orgulho de uma vida.
Apenas isto.

Sunday, September 25, 2011

O ceifeiro



"O CEIFEIRO" DE VAN GOGH

Ele via esta enorme extensão de amarelo
da janela do seu quarto, no hospital de doidos
(assim lhes chamavam na altura) em que estava internado,
em Saint-Rémy, Provença.
Escreveu então ao irmão que esta lhe parecia a melhor imagem da morte:
uma criança que corta todo o esplendor da terra a florescer
no meio da alegria de um imenso verão.

Friday, September 23, 2011

Morreu Cora Vaucaire

Índia


" I spent four years in India" digo ao diplomata indiano que acabei de conhecer.

"So why did you leave?" pergunta-me ele, profundamente sério, sem um sorriso, nessa ironia britânica ou oriental, nunca sei (nem eles), que tantas vezes encontrei nos meus amigos indianos.

Porquê realmente? - pergunto eu agora.

Mas alguma vez deixamos aquilo que deixamos?

Em frente à casa de Marcel Proust



Há momentos no tempo que atravessam o tempo
e há tempo que morre por atalhos que sobram;
não te livras de ti se não souberes do tempo
esquivá-lo nas dobras e ganhar em palavras.

Há momentos passados num quarto de cortiça,
há momentos de glória e também sordidez;
passo em frente de ti e toldou-se a memória
do que li no que fiz, do que fiz no que li.


Thursday, September 22, 2011

Memória de Julho


Porque me lembrei agora de um Verão às avessas, de San Sebastián sob a chuva de Julho, das belíssimas fachadas cinzentas que nos ocultavam a noite, da chuva fria contra os nossos passos?

Não temos sede de realidade quando encontramos a memória. Não precisamos da memória quando nos abandonamos à noite.

Não sei porque falo disto agora.

Saudades do futuro


Não, a solidão deixou há muito
de nos frequentar.
A miséria não é solitária, é buliçosa
como uma colmeia.

Tem muito que aprender, viu?

Wednesday, September 21, 2011

Lá chegaremos

Ao tempo presente


Aquela cinza na manga do casaco
caíra do cigarro e distraído
ele olhava de frente o nevoeiro,
alheio ao que fora ou poderia ter sido
alguma vez.

Vejo-o como uma fotografia distante,
uma promessa de miséria trazida
de uma guerra antiga. Contudo,
ele está aqui, no meio de nós.
Nada espera. E já ninguém o espera.

Monday, September 19, 2011

Sunday, September 18, 2011

Leituras desgarradas


"Yet unless politicians act fast to persuade the world that their desire to preserve the euro is greater than the markets' ability to bet against it, the single currency faces ruin"

(editorial do "Economist")


(...) Mais ce bras de fer terminal témoigne de l’inanité de ce qui est en cause. S’il s’agit de faire de la Grèce un exemple pour toute l’Europe, cela risque de tout faire s’effondrer. Un jeu dangereux qui montre à quelles dernières extrémités en sont réduits des gouvernements incapables de définir un plan B.

Un entretien a été annoncé pour lundi entre Evangélos Vénizélos, le ministre grec des finances et les représentants de la BCE, du FMI et de l’Union européenne, que la réunion gouvernementale d’Athènes d’aujourd’hui va préparer.

La corde est tendue au maximum, autour de quel cou va-t-elle au final se resserrer ?

(François Leclerc, no blog de Paul Jorion)

Camões, "Os Lusíadas"

Fazei, Senhor, que nunca os admirados
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
Possam dizer que são pera mandados,
Mais que pera mandar, os Portugueses.

(Camões, "Os Lusíadas", X, 152)

Leituras desgarradas


"Le véritable Ground Zéro des États Unis ne se situe pas à l'emplacement du World Trade Center, mais à quelques rues de là, à Wall Street plus exactement, où en 2008 la crédibilité de la première puissance mondiale a sombré dans les eaux noires d'une crise autogénérée. "

(Olivier Zajec, "La Nouvelle impuissance américaine", Éditions de l'Oeuvre, 2011)

Excerto de um poema meu

(...)

Mas, por favor, não me entendam mal,
não me sinto alheio nem distante
(até porque de vós dependo)
e nada do que se diz na minha pátria me pode ser estranho.

É só porque dói...

(Luís Filipe Castro Mendes, "Lendas da Índia", p.83)

Saturday, September 17, 2011

No Man is an Island (John Donne)

No man is an island,
Entire of itself.
Each is a piece of the continent,
A part of the main.
If a clod be washed away by the sea,
Europe is the less.
As well as if a promontory were.
As well as if a manor of thine own
Or of thine friend's were.
Each man's death diminishes me,
For I am involved in mankind.
Therefore, send not to know
For whom the bell tolls,
It tolls for thee

John Donne (1624)

Portugal em Paris

Para quê poetas em tempos de indigência?

Mas, amigo, chegamos muito tarde.
Os deuses, de fato,
Vivem ainda, mas lá nas alturas, em outro mundo.
Infinita é sua ação ali e aos Celestes parece
Importar pouco a nossa vida, pelo muito que de nós poupam.
Pois nem sempre os pode conter um vaso frágil e
De raro em raro o homem suporta a plenitude do divino.
A vida é depois sonhar com eles.
Entretanto, o erro
É útil, tal como o sonho, e a aflição e a noite dão forças
Até crescerem heróis bastantes em berços de bronze,
De forte coração como os de outrora, iguais aos Celestes.
Hão de vir, trovejantes.
Porém, parece-me, por vezes,
Bem melhor dormir do que viver assim sem companheiros.
O que esperar, que fazer entrementes, ou o que dizer?
Não sei: e para que poetas num tempo de indigência?
Mas são, dizes, como os sacerdotes do deus das vinhas
Que, pela noite sagrada, iam de país em país.

(Holderlin, "Pão e Vinho", excerto, tradução José Paulo Paes)