Saturday, October 22, 2011

Camões: resposta a um inquérito do JL


A propósito da recente publicação do "Dicionário de Camões", da autoria do Prof. Vítor Manuel Aguiar e Silva, dei o seguinte depoimento ao JL, publicado no seu último número:


1 - Há algum verso de Camões que saiba de cor, costume citar ou de que goste particularmente? Qual? Porquê?


2- Camões foi de alguma maneira marcante no seu percurso literário? O que em especial sublinharia na sua obra?


3- Qual a importância de um dicionário como aquele que agora foi publicado para uma leitura de Camões hoje?



1 – Costumo citar dois versos de Os Lusíadas, de que gosto muito: “Tu, só tu, puro amor, com força crua,/ que os corações humanos tanto obriga”. Evidentemente pela referência à narrativa da tragédia amorosa de Inês de Castro, mas sobretudo pela sua força sonora. É a musicalidade que me atrai particularmente nestes versos. Há um outro da Canção IX, que poderia citar: “Era razão ser a razão vencida”. Aí mais pela força intelectual. Esse é um verso belíssimo, que de resto Jorge de Sena analisou muito bem enquanto pensamento dialéctico. Porque aparece aqui uma razão superior à razão, tal como numa síntese hegeliana.

2 – É evidente que foi muito marcante. Camões é o grande poeta da língua, fundamental para a música da Língua Portuguesa. Não quer dizer que a música da língua não esteja presente nos nossos trovadores, nos poetas medievais, na poesia da Corte, mas foi com Camões que se atingiu o cimo dessa vertente. Isto além de toda a riqueza cultural e temática quer da lírica, quer da épica. E não prefiro uma à outra. Todo o Camões é extraordinário. A épica tem coisas maravilhosas, mas também as encontro na lírica, nos sonetos, claro, mas de igual modo nas canções. É realmente o grande marco de grandeza da poesia portuguesa. Usando a terminologia de Harold Bloom, poderemos mesmo falar de uma “angústia da influência” em relação a Camões, o antepassado contra o qual se medem todos os poetas portugueses. E penso que, de fato, toda a poesia portuguesa é marcada de alguma maneira por essa figura incontornável. Bocage diz “Camões, grande Camões, quão semelhante…”, mostrando a sua admiração incondicional, mas Pessoa também estava obcecado com a construção de um super-Camões, que no fundo é um anti-Camões. A Mensagem é um anti-LusÍadas, posicionando-se assim o nosso outro grande poeta numa espécie de rivalidade ou antagonismo. Esse fenómeno dá bem a medida da importância da obra camoniana.

3 – Vindo do prof. Vítor Aguiar e Silva, um dos maiores e mais competentes estudiosos camonianos, o dicionário que vai ser publicado será com toda a certeza uma obra fundamental. Sem menosprezo por outros importantes trabalhos e sem querer ser injusto em relação a outros grandes camonianos, recordo os estudos de Jorge de Sena e de Vasco Graça Moura. Do ponto de vista do meu trabalho poético, foram as interpretações de Camões que estes autores deixaram que mais me vieram influenciar, não sendo eu nem um erudito, nem um investigador, nem um teórico da literatura. E claro que também os estudos de Vítor Aguiar e Silva foram extremamente importantes para mim, como autor e leitor de poesia. A sua obra é de facto magistral e é evidente que este será um dicionário que irei ler com toda a atenção.

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