Tuesday, December 13, 2011

Natal e não Dezembro


Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira

4 comments:

  1. Natal, e não Nevoeiro

    Entremos, apressados, friorentos,
    numa gruta, no bojo de um navio,
    pois aí ainda fica mais frio
    e se a gruta aquece nuns momentos

    tomba a humidade nos ossos friorentos
    ossos presépio, ossos prédio,presídio esses ossos
    nossos e vossos que nuns friorentos momentos
    nesses húmidos calabouços são destroços
    ossos

    em bojos de navios pavios
    que os carregam aLÉM da barra
    ossos em seus corpos erradios
    que à tonta carne s'agarra

    nesse prédio amanhã demolido...
    Entremos, inseguros, mas entremos.
    nesses ossos sinistros e pequenos
    que até nos chegam ao ouvido

    Entremos e depressa, em sítio qualquer
    porque esta noite chama-se Nevoeiro,
    das suas brumas pois Deus o quer
    sai do bojo da noite navio traiçoeiro

    nave da morte fantasma errante e vadio
    que nos corta a vida em grito mudo
    porque sofremos, porque temos frio no vazio
    e a fraca carne da vida não é escudo

    Entremos, dois a dois: somos duzentos,
    duzentos mil, dez milhões de nada feitos.
    pois a nave da morte engole-nos em momentos
    e na morte nós portugueses somos perfeitos


    Entremos, despojados, mas entremos.
    pois é o que nos dita a triste sorte
    só quando partimos é que vivemos
    na universal consoada da morte.

    Dá vide ao Mourão da Ferreira?

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  2. Caro Alcipe
    Não me mate com a barbaridade que vou dizer: não gosto deste poema do David. Melhor: há qualquer coisa nele que me desagrada. Logo eu, que tanto amo a sua poesia, e que tanto gostava dele como sedutor.
    Nunca consegui perceber porquê. Mas acontece-me o mesmo - lá vai outra barbaridade - com alguns de Pessoa.
    Vá-se lá perceber esta minha cabecinha e sobretudo este meu coração?!
    Se até agora me não matou, então, posso dizer que gostei muito deste Dá vide ao Mourão Ferreira!

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  3. Helena: Não tem nada que me pedir desculpa. Mesmo nos poetas que mais amamos, há sempre poemas que nos deixam indiferentes ou até mesmo rejeitamos.
    "Il n'y a pas d'amour heureux" (Aragon), não é verdade?

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