Natal, e não Dezembro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-FerreiraEntremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
É
ReplyDeleteAlento
Vamos a isso então.
Natal, e não Nevoeiro
ReplyDeleteEntremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
pois aí ainda fica mais frio
e se a gruta aquece nuns momentos
tomba a humidade nos ossos friorentos
ossos presépio, ossos prédio,presídio esses ossos
nossos e vossos que nuns friorentos momentos
nesses húmidos calabouços são destroços
ossos
em bojos de navios pavios
que os carregam aLÉM da barra
ossos em seus corpos erradios
que à tonta carne s'agarra
nesse prédio amanhã demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
nesses ossos sinistros e pequenos
que até nos chegam ao ouvido
Entremos e depressa, em sítio qualquer
porque esta noite chama-se Nevoeiro,
das suas brumas pois Deus o quer
sai do bojo da noite navio traiçoeiro
nave da morte fantasma errante e vadio
que nos corta a vida em grito mudo
porque sofremos, porque temos frio no vazio
e a fraca carne da vida não é escudo
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, dez milhões de nada feitos.
pois a nave da morte engole-nos em momentos
e na morte nós portugueses somos perfeitos
Entremos, despojados, mas entremos.
pois é o que nos dita a triste sorte
só quando partimos é que vivemos
na universal consoada da morte.
Dá vide ao Mourão da Ferreira?
Caro Alcipe
ReplyDeleteNão me mate com a barbaridade que vou dizer: não gosto deste poema do David. Melhor: há qualquer coisa nele que me desagrada. Logo eu, que tanto amo a sua poesia, e que tanto gostava dele como sedutor.
Nunca consegui perceber porquê. Mas acontece-me o mesmo - lá vai outra barbaridade - com alguns de Pessoa.
Vá-se lá perceber esta minha cabecinha e sobretudo este meu coração?!
Se até agora me não matou, então, posso dizer que gostei muito deste Dá vide ao Mourão Ferreira!
Helena: Não tem nada que me pedir desculpa. Mesmo nos poetas que mais amamos, há sempre poemas que nos deixam indiferentes ou até mesmo rejeitamos.
ReplyDelete"Il n'y a pas d'amour heureux" (Aragon), não é verdade?