Friday, November 27, 2009

Melo Antunes

À medida que a noite avançava, o silêncio atento e pensante transformava-se numa argumentação rigorosa, implacável de lucidez, mas sempre atenta aos argumentos opostos e contrapostos, num permanente jogo socrático, que não inibia as decisões, mas lhes conferia uma dimensão sofrida, longe da alegria irresponsável dos criadores.

Ernesto era um construtor dilacerado: um homem de acção no qual o pragmatismo frio, indispensável a todos os políticos, assumia o drama interior permanente da tensão entre a convicção e a responsabilidade (nos conceitos de Weber), entre o ideal e o possível, diríamos nós.

Os criadores, os construtores de impérios são fingidores irresponsáveis, como os poetas; os homens de acção, os verdadeiros revolucionários são os que vivem dilacerados entre o real e o possível : o que culmina no sofrimento dos bons (Ernesto) ou na pura crueldade dos homens que negam a sua humanidade (Lenine).

Ernesto ouvia Beethoven (ofereceu-me a caixa de Cds dos últimos quartetos). Lenine, esse, dizia "não posso ouvir Beethoven; faz-me esquecer a Revolução".

Ernesto, já estou a dizer demasiados disparates, não é? Eu passo-lhe agora o whisky, desculpe...

5 comments:

  1. Magnífica evocação
    FSC

    ReplyDelete
  2. This comment has been removed by a blog administrator.

    ReplyDelete
  3. Bela e incisiva homenagem a um Homem a quem tanto devemos.

    ReplyDelete
  4. This comment has been removed by a blog administrator.

    ReplyDelete
  5. Belíssimo texto que emociona todos aqueles que tiveram o gosto e a honra de conhecer esse homem a quem o país, de memória curta, tanto deve.
    Bem haja!

    ReplyDelete