À medida que a noite avançava, o silêncio atento e pensante transformava-se numa argumentação rigorosa, implacável de lucidez, mas sempre atenta aos argumentos opostos e contrapostos, num permanente jogo socrático, que não inibia as decisões, mas lhes conferia uma dimensão sofrida, longe da alegria irresponsável dos criadores.
Ernesto era um construtor dilacerado: um homem de acção no qual o pragmatismo frio, indispensável a todos os políticos, assumia o drama interior permanente da tensão entre a convicção e a responsabilidade (nos conceitos de Weber), entre o ideal e o possível, diríamos nós.
Os criadores, os construtores de impérios são fingidores irresponsáveis, como os poetas; os homens de acção, os verdadeiros revolucionários são os que vivem dilacerados entre o real e o possível : o que culmina no sofrimento dos bons (Ernesto) ou na pura crueldade dos homens que negam a sua humanidade (Lenine).
Ernesto ouvia Beethoven (ofereceu-me a caixa de Cds dos últimos quartetos). Lenine, esse, dizia "não posso ouvir Beethoven; faz-me esquecer a Revolução".
Ernesto, já estou a dizer demasiados disparates, não é? Eu passo-lhe agora o whisky, desculpe...
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Magnífica evocação
ReplyDeleteFSC
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ReplyDeleteBela e incisiva homenagem a um Homem a quem tanto devemos.
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ReplyDeleteBelíssimo texto que emociona todos aqueles que tiveram o gosto e a honra de conhecer esse homem a quem o país, de memória curta, tanto deve.
ReplyDeleteBem haja!