Escrevi em Paris muitos poemas da "Ilha dos Mortos", sozinho com a minha filha mais velha (os outros estavam ainda por nascer), num medonho apartamento mobilado, onde a partir das dez da noite eu não podia andar no corredor (entre o meu quarto e o telefone onde te vinha ouvir, de Lisboa) sem provocar enérgicos e solidários protestos dos vizinhos de baixo, tão sensíveis ao barulho quanto empenhados no sono desde muito cedo. A alusão feita num poema desse livro a "um telefone que não funcionava" era bem anterior a este tempo que agora vivemos, em que o amor pode correr por sms, mensagens ou chats do facebook, em viva voz e imagens no Skype, mil caminhos tem hoje o amor para correr os espaços e desafiar as distâncias. Escrevia em cadernos, foste tu que mais tarde me passaste o livro à máquina (Achetée à crédit la machine à écrire/ nous mettait tous les mois dans un bel embarras, Aragon, também não era tanto assim) e os poemas respondiam a um encontro precoce com a morte e a solidão e a um caminhar para ti, o que muito claramente emerge do conjunto. O José Tolentino de Mendonça disse-me, já faz algum tempo, que esse era o meu melhor livro.
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Não sei, ainda, se é o melhor. É cedo para o dizer, embora confie na escolha de Tolentino. Mas que é indubitavelmente um grande livro, isso, não há dúvida!
ReplyDeletecurioso o ponto de vista, sozinho acompanhado é uma situação significativamente diferente de acompanhado pela filha ou acompanhado apenas pela filha, são destas coisas da língua ou do que queremos expressar, claro que o sozinho do texto é externo à filha, e há muitas solidões, solidões concretas de estados de alma ou espirito ou emocionais, ou por outras ausências, pena não ter aqui comigo o livro das poesias completas de lcm, o de capa castanha parece me, para folhear a ilha dos mortos, está longe, em meados de dezembro verei então, não para avaliar se é o melhor mas para ver a sua ligação a um tempo e a um espaço e a um estado, esses vizinhos eram uns irritantes, às vezes é assim, pois Tolentino Mendonça foi agora para os haiku, folheei e pela 1ra vez hesitei em levar, vou folhear de novo; quando se preenche o espaço dalguém que se ausentou, se foi e que era parte do dia-a-dia? numa ilha a solidão será mais visível que numa cidade, como paris, digamos, mesmo que ilha metafórica, um apartamento pode de facto ser uma ilha, robinson crusoe não tinha vizinhos e encontrou algum tempo depois o 6a feira, simpático ser o sexta feira, e acabei de ler um romance de simenon não dos melhores mas que fala duma solidão na cidade, paris, l'homme au petit chien, muitas espécies solidões aliás nestes romans durs dele, pois agora ao ler o texto da entrada vejo que o tema é o mesmo, a solidão acompanhado, o caminhar para alguém ; mas o tema é a revisão e isso não comentei, etc etc
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