Aos dezassete anos, ao contrário de Rimbaud (on n'est pas sérieux quand on a dix-sept ans), eu era um menino sério e calado, a ler tudo o que me aparecia à frente, entre as montanhas (vá lá, os montes) que cercam a cidade de Chaves. Foi então que li A Cidade das Flores, de Augusto Abelaira, uma transposição das inquietações da juventude anti-fascista da geração do MUD Juvenil (a geração dos meus pais) para um cenário ficcional de Florença no tempo do fascismo italiano. Para além da óbvia alusão política e do erotismo insistente e luminoso das relações entre os personagens (Rosabianca!) veio trazer esse livro à minha adolescência a notícia da existência de algumas grandes obras de arte, imagens trazidas pelo Abelaira de uma famosa viagem que fez à Itália, conforme soube eu depois.
Uma das referidas era o fresco de Ambrogio Lorenzetti no Palácio Comunal de Siena, pintado em 1338, inicialmente designado A Paz e a Guerra, mais tarde conhecido geralmente como As Consequências do Bom e do Mau Governo. Fiquei com esta referência no museu da minha imaginação (e talvez tenha visto a reprodução numa história da arte lá em casa ou num dos magníficos livros que eu folheava no consultório do Dr. Montalvão Machado). Conhecera, porém, ainda mais pequeno, um fresco português um século posterior, onde se vê clara influência deste mural de Siena, ou pelo menos de convenções que lhes são comuns, O Bom e o Mau Juiz, de Monsaraz.
Só apenas há vinte anos atrás, numa das nossas viagens a Florença a acolher-nos à hospitalidade da Helena Abreu e do Robert Rowland, visitámos Siena e pude finalmente ver os murais do bom e do mau governo.
Porque falo disto? Porque uma obra de arte para nós é sempre mais do que ela própria, porque fica sempre ligada à nossa vivência pessoal e subjectiva dela, como muito melhor do que eu já antes o disse Marcel Proust. E porque neste momento me entusiasmo na leitura de um livro de Patrick Boucheron (Conjurer la Peur - Sienne, 1338) sobre estes frescos de Lorenzetti, uma análise iconográfica, histórica e política de extraordinário vigor e rigor, da qual gostaria de destacar aqui esta frase:
« Qui ne voit, aujourd’hui, qu’une sourde subversion de l’esprit public ronge nos certitudes ? Lorsque manquent les mots de la riposte, le danger devient imminent. Lorenzetti peint aussi cela : la paralysie devant l’ennemi innommable, le péril inqualifiable, l’adversaire dont on connaît le visage sans pouvoir en dire le nom »
Fresco de Monsaraz, O Bom e o Mau Juiz
interessante esse fresco de monsaraz sobre o mesmo tema, merecia talvez ser restaurado, percebe se mal ou parece em mau estado, a ver se um dia o irei ver, observar, etc etc
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