A rever provas de um novo livro. O que significou para mim estar dez anos (entre 2001 e 2011) sem publicar, para além da inevitável desaparição da paisagem literária da minha terra ( já que o "meio literário", vivendo eu longe e exercendo funções consideradas por alguns pouco compatíveis com a "razão ardente" da poesia, nunca o cheguei a entender bem) ?
Sem publicar? Não, sem escrever. Alimentado na minha infância poética pela influência mágica de Rilke, sempre tive como adquirido que escrever um poema sem ter disso absoluta necessidade era um pecado contra o espírito. Não quer dizer que não considere a poesia como um trabalho (tive neste ponto um grande mestre, Fernando Echevarría e um grande exemplo, Vasco Graça Moura), aliás o Rilke do mesmo modo o considerava. Mas não é um trabalho a que se possa acudir sem necessidade. Por isso fiquei muitos anos (entre 1983 e 1991, como entre 2001 e 2011) sem publicar, sem aparecer ao público na praça da poesia.
A conversa sobre o Saint-John Perse que noutro post referi levou-me a confrontar comigo mesmo a duração desses períodos de silêncio com o que eu andava fazer então da minha vida.
Na verdade só atingi alguma maturidade e um mínimo de voz própria na minha publicação de 1991 (aos quarenta anos) "A Ilha dos Mortos" (o meu primeiro livro, "Recados", foi primeiro recusado sumariamente pelo Joaquim Manuel Magalhães e publicado depois em 1983 pela generosidade do Vasco Graça Moura, o meu segundo livro, "Seis Elegias", um exercicio rilkeano, com grande influência de muita poesia espanhola, teve em 1985 um prémio no Porto, gracas ao Jose Viale Moutinho). Nao sou, nunca fui, qualquer especie de Rimbaud, e chamo a testemunho os que acarinharam e acalentaram as minhas primícias (o meu acne) de poesia, a Alice Vieira ( as cartas que
ela me mandava para Chaves e as palavras generosas que o Mário Castrim sobre mim escreveu no "Diário de Lisboa Juvenil" chegaram a convencer-me de que eu era um poeta), o Jorge Silva Melo que me ensinou a ser menos sério aos dezassete anos, com a ajuda do João Camilo dos Santos e do José Mariano Gago.
A política desviou as minhas energias e as minhas prioridades de vida nesse momento e estancou-me a poesia. Política nesse tempo era feita de reuniões clandestinas, de medo da policia, de discussões sobre o comportamento a ter durante os interrogatórios, de saídas a noite a medo, a muito medo, para colar panfletos nas paredes, de manifestações à espera sempre da chegada da polícia de choque e das consequentes detenções pela PIDE, de reuniões associativas que desencadeavam greves tremendas onde andávamos todos a pancada (a mim, que era fraquinho, punham-me sempre na retaguarda), como ainda há pouco eu recordava, numa conversa em Paris, com o Jaime Nogueira Pinto, inimigo figadal nesses e noutros tempos - no final "todos burgueses/gatos e ratos", como dizia o Cesariny? - Para não falar dos que tiveram de se exilar ou de entrar na clandestinidade.
(Continua no post seguinte)
8 ou 10 anos é de facto muito tempo sem publicar. fosse sem publicar e sem escrever e seria mais preocupante. mas muito tempo, sem duvida, incluindo para os leitores que esperam.
ReplyDeleteo poema diario de vasco graça moura é um exercicio que mantem a maquina afinada, por funcionar sem parar. mas a quantidade e a qualidade tambem devem ser equacionadas.
cada poeta terá os seus ritmos e volumes de produção, criação e exigencia, o que interessará é escrever boa poesia e publicá la de tanto em tanto, quando o poeta sente que está madura e pronta a sair e ser mostrada.
outras actividades podem de facto roubar tempo à escrita poetica ou a outras, que fazer então?
texto autobiográfico com muito de revelador sobre a actividade poetica passada e presente de lcm
cuja obra fazendo a media não é nada pequena.
esperamos pois um novo livro, os leitores têm direito a pedi lo.
o poeta não tem de pedir ou dar contas ao diplomata nem o diplomata ao poeta e o diplomata que se dê por muito satisfeito/orgulhoso por ser tambem poeta, etc etc
Alcipe
ReplyDeleteAo ler o seu post lembrei-me do meu filho Miguel, do que ele ganhou e do que ele perdeu.
Tenho, para mim, que quem faz política não devia ter família. Ficaram dois filhos em condições económicas precárias e que pouco gozaram a presença do Pai, que sempre punha a política em primeiro lugar, esperançado que mais tarde havia de recuperar esse tempo junto deles. Não chegou, infelizmente, a recuperar...