Sunday, November 17, 2013

Poetas, políticos e diplomatas(2)

Na livraria dos Bateliers, em Estrasburgo, assisto à apresentação pela sua autora, Henriette Levillain, de uma nova biografia de Saint-John Perse.  Estudiosa há muitos anos deste poeta-diplomata (um caso raro de alguém que foi tão grande poeta como grande diplomata), Henriette é figura proeminente da Fundação Saint-John Perse (trabalhou com Vasco Graça Moura na publicação por esta Fundação da correspondência entre Saint-John Perse e Calouste Gulbenkian, que foi mecenas do poeta em tempos bem amargos para o mundo em geral e para a vida deste em particular) e a biografia que agora veio lançar responde à biografia publicada o ano passado por Renauld Meltz, a qual lançava severas censuras a várias atitudes assumidas por Perse (pseudónimo poético do diplomata Alexis Léger) durante a sua carreira diplomática e o seu percurso político (há sempre escolhas políticas a fazer durante uma carreira diplomática, por muito estritamente profissional que se queira ser).

Por ter lido as duas biografias, por me interessar pelo assunto e até por ter tecido algumas breves considerações sobre Perse num artigo meu a sair na revista "Colóquio", estive particularmente atento aos argumentos da autora em defesa do diplomata - que do poeta bastou ouvir a esplendorosa leitura de um excerto de "Amers" para relembrar que, aqui, nada mais poderá afectar a sua grandeza.  Mas o homem político que Alexis Léger, de bom grado ou mau grado, também foi interessa-nos e bem merece interessar-nos.

Aceito como boa a defesa de Henriette Levillain quanto à lealdade que o poeta-diplomata teria sempre mantido relativamente ao seu antecessor no cargo de Secretário Geral do Quai d'Orsay, Philippe Berthelot. Este encontrava-se muito obviamente diminuído e fisicamente enfraquecido quando Léger o substituiu, pelo que não custa a crer que não tenha sido propriamente ele a vitima das intrigas do sucessor, antes os rivais deste na ambição pelo cargo.

Já me custa mais a crer na ideia da autora de que Léger, residente em Washington após a sua fuga da França de Pétain (que chegou a retirar-lhe a nacionalidade francesa), conhecido como tendo sido o mais importante diplomata no eixo das decisões da política externa de Paris na década que precedeu a guerra, insuspeito de colaboracionismo - não tenha ainda assim tido a menor influência na reserva, e mesmo hostilidade, com que Roosevelt sempre tratou o general De Gaulle.

Uma questão foi a certa altura levantada pela biógrafa, que disse ser a pergunta para a qual nunca conseguira encontrar resposta: por que razão quis Léger manter-se tão distante de Perse, porquê a sua recusa de escrever, publicar ou sequer aludir à sua obra poética durante os anos em que foi Secretário Geral do Quai d'Orsay?

Tentei uma explicação:  é bem diferente, sabe-o quem pertence a esta carreira, estar do lado dos executantes da política externa, por maiores tarefas e responsabilidades que se tenha, e estar do lado dos decisores. Ora, por muito que Léger nos queira deixar a ideia de que foi um mero executante das políticas dos governos que serviu (e, seja dito em sua honra, foi destituído de todas as suas funções pelo governo de Vichy), de todos é sabido que o peso e a influência do experiente e hábil Secretário Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi fundamental (e em alguns casos decisivo) nas decisões de poítica externa tomadas pela França entre as duas guerras, com governos de direita e de esquerda.  Esbocei então com a minha interlocutora (bem ao corrente dos meandros da diplomacia) uma tipologia dos escritores/diplomatas: aqueles, como Giraudoux ou Morand, para quem a diplomacia é apenas um modo de vida, que encaram de um modo mais mundano ou diletante; aqueles, como Claudel, que levam a carreira diplomática e as suas exigências a sério e lhe consagram sem reservas o seu trabalho e a sua energia, mas que não aspiram a pertencer ao "núcleo duro" dos decisores da política externa; e, no caso de Perse/Léger a antinomia entre a criação e o poder. Será o trabalho da poesia compatível com a luta pelo poder e o seu exercício?

Se assim for, concluíu Henriette Levillain, ficamos a dever ao general De Gaulle (cujo profundo e insuperável ressentimento fez Alexis Léger afastar-se de vez, agora pelo seu pé, da carreira diplomática, pois sabia bem que, face ao general, jamais recuperaria o poder perdido) a plena realização de um grande poeta.



6 comments:


  1. Li com interesse e atenção, gostei .
    creio que jean giraudoux serviu em lisboa, vou verificar, tendo mesmo um livrinho de contos e outros textos de viagem sobre portugal. mas giraudoux era sobretudo dramaturgo e romancista, o que para os efeitos é igual a ser poeta.
    na verdade ser poeta e ser diplomata equivale a ter 2 actividades, separadas, quase sempre estanques, cada uma com as suas regras e tempos, mas não incompatíveis em democracia.
    Cada uma delas tem o seu espaço gerido por acaso pela mesma pessoa. A diplomacia não cria poetas e a poesia não cria diplomacia.
    o certo é que na maioria dos casos o que ficará para a historia ou para o futuro é o poeta, se ele é mesmo bom poeta para ficar. que foi vinicius de moraes como diplomata? mas como poeta sabemos. mesmo uma biografia pormenorizada não resolve a equação, como diplomata não deve ter importante história.
    claudel fez uma carreira digna de diplomata respeitável e com peso profissional, mas o que hoje permanece afinal é a sua literatura que o levou ao nobel, teatro e poesia.
    alexis léger é um caso particular, como diplomata foi uma vitima dos tempos, retirou se, e o que veio ao de cima foi o s j perse, também nobel. Ao desistir da profissão teve finalmente tempo para escrever à vontade e completar a sua obra, que seria para ele não duvido o mais importante.
    a tendência é pois com o tempo sobreviver o poeta (ou escritor) e esfumar se o diplomata, assim me parece.
    quem lembra o diplomata e embaixador em lisboa juan valera? mas o novelista continua na historia da literatura espanhola, numa historia diplomática não.
    E abel botelho que faleceu em buenos aires onde era embaixador? Conhecemos é o romancista.
    Não confundo diplomata com politico, embora o objecto seja a politica (externa) mas na condição de servidor publico, embora haja excepções, claro.
    Manuel alegre é um caso aparte de politico e poeta de relevo, embora nada tenha que ver com diplomacia…
    vou voltar ao assunto, muito interessante...

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  2. E, Patrício Branco, como diz o Alvaro de Campos na "Gazetilha" - "so o parvo de um poeta ou um louco..."

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  3. sim, é mais ou menos isso...mas nada de depreciativo para com o diplomata, honrosa e bela profissão que sabe bem coexistir com a poesia, etc
    aliás há outras perspectivas para o tema ser tratado, o tema poeta, diplomata, politico, e ocorre me agora, grande politico profissional duma vida e enorme poeta, pena não lhe terem dado o nobel, leopold senghor, o ministro deputado e presidente, mesmo aimé césaire, o deputado e o maire, pois há outras perspectivas para o assunto, mais intrinsecas à poesia, autobiograficas, etc etc

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  4. A 'velha senhora' acaba de me ditar isto ao telefone e pede desculpa de brincar com coisas sérias (parece que exagerou no Alvarinho):

    rimalhadeira distante
    cem mil quilómetros de
    qualquer poeta importante
    entendo - creio - o perse que

    a profissão bem separa
    da sua obra poética
    discrição também me é cara
    não rimalho como médica

    nem permito a paciente
    que saiba pois nunca eu disse
    que a doutora é que é doente
    a brincar à versalhice

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  5. lembrou-me manuel teixeira gomes

    cumprimentos

    (ainda que nao fosse um poeta stricto sensu)

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  6. Manuel Teixeira Gomes foi um bom diplomata da Republica, mas e evidente que o poder estava acima (ou abaixo) das suas aspirações, por isso renunciou.

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