Tuesday, March 29, 2011

Um fado anarquista de Ronaldo Azenha

Não entres mais no banco, cidadão!
Já fede o rating vil desta carcaça
e teus fundos sob'ranos pelo chão
são só lixo pró gozo desta praça.

E às mulheres perdidas que aí vão
deixar-nos em pecado e agonia,
diz-lhes que já só nas Ilhas Caimão
se encontra o preço certo da orgia.

O anarquismo, escola da verdade,
deu ao meu fado esta irreverência
que me faz desprezar qualquer saudade
pra vir clamar ao Povo consciência.

(descoberto recentemente por aplicados historiadores do fado em Pont de Sèvres, numa mercearia portuguesa)

(a música é certamente a do "Fado do Cavador"; o poema foi assinado por Ronaldo Azenha, mas está datado dos anos 30, o que coloca algumas dificuldades cronológicas, face à biografia conhecida deste Autor contemporâneo : seria o Pai? Um primo mais velho, irredutível anarquista? Mistério...)

4 comments:

  1. Ao Alcipe, amigalhaço da rima, aqui deixo uma poetice ao seu jeito:


    Aterragem em Benguela

    Descemos p’ra Benguela e já lá sobe
    o preto pela bananeira acima.
    Ora bolas, esqueci-me da “Bola”,
    que trazia escondida na moxila,
    para te dar notícias do Benfica
    vício rubro da lampionada à solta pelo mundo.
    Descemos para Benguela e tenho sede,
    sem uma Cuca entro em agonia.
    Eu queria falar-te da kamanga,
    ouvir o que pensas do gandulos
    que foram de cana, à noite, com porrada.
    Escrevi-lhes muitas vezes, mas os gajos
    bazaram a ver se se escondiam
    (A disa tinha olhos a escutar
    quem lhe não dava a kwanzada prometida).
    Agora que em nós só cresce a pança,
    Aperta o cinto, camarada. Já perdeste a corrida.

    Ronaldo Azenha de Noisiel (Pont de Sèvres)


    Extraído do livro “A coisa está preta”, edições Caprivi Norte, Mavinga, 1988, original policopiado

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  2. Este poema faz-me lembrar alguma coisa...

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  3. Eu não queria ir por aí, mas o amigo obriga-me! Uns anos depois de eu ter publicado isto, tendo na capa (lembra-se?) uma serigrafia com o sinaleiro da Jamba, o amigo escrevinhou uma coisitas onde, distraídamente, se revelam influências deste texto. Tal como a Senhora Doutora CPC, o amigo lá trocou Benguela por outra cidadezita menos catita, arredondou o texto com filosofias e ora que se faz tarde para o texto cá do Ronaldo. Eu não sou de raivinhas, amigo Alcipe, mas diga lá que o seu "Nós os vencidos do Surrealismo" não bebeu também no meu "Nós os curtidos do Botabaixismo", um manifesto de defesa da Baixa da Banheira, que dei à estampa nas Edições Pinheiro & Sequeira Nunes, Vale de Lobo, verão 1988, com prefácio de Sinhá Jardin.

    Cumprimentos

    Ronaldo Azenha de Noisiel (Pont de Sèvres)

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  4. Essa editora, Senhor Ronaldo, tinha um grande handicap : nunca baixou da banheira!

    Mas explique-me lá o fado do seu "primo", vá! Uma contrafacção, claro? Uma brincadeira para enganar os historiadores do fado? Como conseguiu imitar tão bem a dactilografia dos anos 30?

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