Vinde cá, meu tão certo secretário.
Não faça essa cara, Senhor Kappus, eu próprio
fui secretário do escultor Rodin e admirava-o tanto
que ele acabou por correr comigo! Não será o seu caso, Senhor Kappus,
pois tem já dado aqui provas de uma insolência,
que certamente não ousaria assumir na sua vida militar.
Ora se lhe chamo hoje meu tão certo secretário,
foi a lembrar-me do Camões, que via no papel banhado das suas lágrimas
o único possível confidente e interlocutor.
Senhor Kappus, eu estou velho e perfeitamente descartável:
com excepção de uma meia dúzia de pessoas,
o mundo passa muito bem sem mim
e já mo fez saber.
Por isso dei comigo a fazer de si
aquele interlocutor que a poesia procura
e que é sempre um ente ausente ou amado, é a mesma coisa,
ou a figuração do nada, a morte de Deus, o que é mais complicado.
No seu caso, Senhor Kappus, a figura do interlocutor ganha uma espessura
(perdoe-me dizê-lo assim) tão demasiadamente humana
que toda a dimensão metafísica desaparece,
para maior alegria das criancinhas
que ainda nos estejam a ver neste circo. E não esqueça
que eu sou o palhaço rico, eu, o Senhor Poeta,
formado nas melhores academias.
O Senhor Poeta andou a ler Celan e Mandelstam
(ou Mandelstam e Celan, nunca sei quem vem primeiro)
e anda triste, porque ninguém lhe liga pevide
de há uns dias a esta parte.
Eu posso pôr o nariz vermelho, a cabeleira e os sapatões abertos
sem qualquer estado de alma: estou habituado a uniformes.
Agora se quer um ombro para seu consolo e confidência, diga,
mas escusa de me vir com as teorias do interlocutor em poesia,
porque das duas uma; ou o leitor as conhece e não acha graça nenhuma,
ou não as conhece e não sabe sequer se é de achar graça.
Secretário, palhaço pobre, tudo o que quiser,
mas não me impinja teorias como sentimentos nem sentimentos como teorias.
Estamos entendidos?
Não faça essa cara, Senhor Kappus, eu próprio
fui secretário do escultor Rodin e admirava-o tanto
que ele acabou por correr comigo! Não será o seu caso, Senhor Kappus,
pois tem já dado aqui provas de uma insolência,
que certamente não ousaria assumir na sua vida militar.
Ora se lhe chamo hoje meu tão certo secretário,
foi a lembrar-me do Camões, que via no papel banhado das suas lágrimas
o único possível confidente e interlocutor.
Senhor Kappus, eu estou velho e perfeitamente descartável:
com excepção de uma meia dúzia de pessoas,
o mundo passa muito bem sem mim
e já mo fez saber.
Por isso dei comigo a fazer de si
aquele interlocutor que a poesia procura
e que é sempre um ente ausente ou amado, é a mesma coisa,
ou a figuração do nada, a morte de Deus, o que é mais complicado.
No seu caso, Senhor Kappus, a figura do interlocutor ganha uma espessura
(perdoe-me dizê-lo assim) tão demasiadamente humana
que toda a dimensão metafísica desaparece,
para maior alegria das criancinhas
que ainda nos estejam a ver neste circo. E não esqueça
que eu sou o palhaço rico, eu, o Senhor Poeta,
formado nas melhores academias.
O Senhor Poeta andou a ler Celan e Mandelstam
(ou Mandelstam e Celan, nunca sei quem vem primeiro)
e anda triste, porque ninguém lhe liga pevide
de há uns dias a esta parte.
Eu posso pôr o nariz vermelho, a cabeleira e os sapatões abertos
sem qualquer estado de alma: estou habituado a uniformes.
Agora se quer um ombro para seu consolo e confidência, diga,
mas escusa de me vir com as teorias do interlocutor em poesia,
porque das duas uma; ou o leitor as conhece e não acha graça nenhuma,
ou não as conhece e não sabe sequer se é de achar graça.
Secretário, palhaço pobre, tudo o que quiser,
mas não me impinja teorias como sentimentos nem sentimentos como teorias.
Estamos entendidos?
A compreensão e as propostas da 'velha senhora'…:
ReplyDeleteo poeta em seu labirinto!
entendo-o, creio, meu bem.
consolo não dou co'o que sinto?
pois dou-lhe carinho de mãe
- e/ou vinho bom, branco e/ou tinto…