Friday, May 30, 2014

A Vasco Graça Moura

Nós atravessávamos contigo as fronteiras que as línguas
impõem umas às outras, de forma que os tercetos de Dante
vinham parar às nossas margens portuguesas,
como se aqui devessem ficar, durar em brilho efémero,
que tudo em poesia é efémero, um dito, uma rima,
uma graça atrevida ou fescenina, passada por detrás de um sorriso
matreiro e cúmplice. Assim estavas connosco.

Bruxelas foi-te pródiga em relatórios como em visitas
demoradas e estudadas à Livraria Tropismes,
e a outras ainda de que me falaste
e eu não conheci. Minha filha, na piscina do teu soneto
"as meninas", brincava com as tuas filhas
e foste o primeiro a publicar-me um livro, há tantos anos,
"julgo que terá de ir ao Porto, à Gota d'Água", disseste,
ainda então estávamos longe de ser íntimos.

Nunca discutimos política: numas voltas eleitorais, disseste-me
"obviamente saio da Comissão dos Descobrimentos",
sem uma ponta de azedume na voz;
e, se não poupavas de nenhum modo os meus amigos,
nunca te ouvi por isso uma provocação, um assomo de mesquinhez,
ou fosse o que fosse de menor no teu modo de estar.

Assim eras e assim nos fazes falta.
Escrevi este poema, porque me convidaram a falar de ti:
mas já não to posso ler nem mandar-to num e-mail...




   

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