Saturday, December 21, 2013

Poema de Natal para os meus amigos


NOSSA SENHORA DE ROCAMADOUR

Nós peregrinos caminhamos para ti desde todas as derrotas,
filhos espúrios da História, enjeitados de todos os triunfos,
chegamos a ti com o olhar turvo e a pisada amarga
e não somos bonitos de ver:  caminhamos sobre toda a miséria
que o mundo amassou.

Somos muitos séculos e muitas dores,
chegamos a ti com as feridas abertas
e o coração endurecido. Mas viémos.
Que tu nos recebas é o que nos espanta,
que tu nos esperes é o que nos maravilha,
aqui estamos.

Senhora do lado escuro do tempo,
Virgem Negra da grande Dor,
um anjo não estará ao teu lado quando nos vires chegar,
nenhuma gota de água nos virá benzer
e a música continuará calada à beira do teu rosto
que  não sorri.

Nós peregrinos para ti caminhamos
e assim será sobre todas as coisas

e todos os tempos.

(de A Misericórdia dos Mercados, a publicar pela Assírio e Alvim)

8 comments:

  1. Lindíssima oração, Alcipe!
    Bem aventurado seja quem sabe exprimir-se assim!

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  2. Bela amostra para nos aliciar ainda mais a esperar pela publicação.
    Gostei muito.
    "Somos muitos séculos e muitas dores,
    chegamos a ti com as feridas abertas
    e o coração endurecido. Mas viémos."

    Estes versos então, são lindos até ao infinito...

    Aproveito para lhe desejar Boas Festas para si todos os Seus, também aos comentadores de serviço, principalmente às queridas HelenasSC e Oneto assim como o sempre positivo Patrício Branco.


    Ah, vou partilhar.

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  3. Agradeço, Senhor Embaixador, a generosidade que promove a abundância, alegria e o afecto.
    Um Natal que recorde a coragem dos recomeços, a inocência da entrega e que de muitos nascimentos é feita a história da nossa vida, a todos os que ama e, permita, a todos quantos aqui entram.
    Muito obrigada.

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  4. assim como uma oração, bem o diz hsc, um agradecimento e reconhecimento à senhora que sempre está disposta a receber e acolher, aos derrotados aos peregrinos mas tambem certamente a muitos outros, e aproveito e agradeço à isabel seixas as boas festas, e boas-festas para os demais companheiros comentadores, belissimo verso, ou será versículo ? o senhora do lado escuro do tempo, mas não só este, etc etc

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  5. As festas podem ser perigosas. A 'velha senhora' distraiu-se, misturou bebidas - e saiu-lhe isto, confuso e triste:

    peregrina, eu peregrino
    sem caminho ter nem norte:
    amor perto era o destino,
    destino certo é a morte.

    com senhor nenhum atino,
    não tenho quem me conforte.
    misturei champanhe fino
    com verde tinto, do forte:

    nem assim veio menino
    namorar, fazer-me a corte.
    desatino e desafino!

    mas que tenha um bom natal
    quem por tal inda se importe!
    cá por mim já me é igual


    (Reconheço que a rimalhice não tem cabimento a seguir a tão belo poema do caríssimo e consagrado Autor, pelo que deixo a seu alto critério a eventualidade de a publicar.
    Votos de Boas Festas para todas e todos, da minha parte!)

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  6. Ó minha velha senhora,
    publicá-la é um prazer,
    que se mais afoito eu fora
    se transformaria em fazer

    de si a correspondente
    secreta que um dia tive.
    Mas agora, bem diferente,
    o diálogo fez-se livre.

    Tenha pois um bom Natal,
    liberta de todo o Mal.

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  7. "No princípio era o Verbo e o Verbo se fez homem e habitou entre nós"


    Vagueio entre dores e alegrias
    num barco demasiado pequeno
    Passados tantos difíceis dias
    hoje finalmente passo( como de fossem Janeiras)
    por todas as portas abertas
    pelos caminhos que me aconchegam
    para dizer que é bom estarmos juntos

    e que na noite que se aproxima
    estarão comigo todos os amigos
    que
    perto ou longe
    amam as palavras

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  8. A 'velha senhora' ficou encantada:

    limpam-me claros seus versos
    as mágoas que praqui estão
    respondo co'o universo:
    pessoa chora canção


    Sol nulo dos dias vãos,

    Cheios de lida e de calma,

    Aquece ao menos as mãos

    A quem não entras na alma!


    Que ao menos a mão, roçando

    A mão que por ela passe

    Com externo calor brando

    O frio da alma disfarce!


    Senhor, já que a dor é nossa

    E a fraqueza que ela tem,

    Dá-nos ao menos a força

    De a não mostrar a ninguém!

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