Meu pai gritava: comeu-se demais na terra.
Assim meus irmãos eram gigantes. Só um porém
persistiu no eixo só ele beijou só ele lutou
no circo ele só, morreu.
Mas minha mãe (parindo): precisas de comer o mais
que possas e ele com o cérebro a arder comia
devagar
que não seria nunca o filho pródigo, sua mãe
desajustada sobre o trono,
que não seria Édipo oh!
nem um herói nuclear
à míngua.
Crescia a família e meu pai nisto:
"comeu-se demais na terra. Outra imensa mesa
contornei
para saborear coisas diferentes
destes frutos de fórmica pela manhã".
De nós só um morria tomando palavras
como comprimidos para a morte.
Só um morria gritando: frutos havia, ó amada!
(…)
De Dezanove Recantos, 1969
E este outro poema da Luiza Neto Jorge é dedicado à Velha Senhora, com votos de Feliz Ano Novo:
ReplyDeleteNão me quero com o tempo nem a moda
Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda.
Porque envelheço, adoeço, esqueço
Quanto a vida é gesto e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda.
E se a nave vier do fundo espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.
Um poema deixo, ao retardador:
Meia palavra a bom entendedor.
A 'velha senhora' comoveu-se com a atenção e ousou responder:
ReplyDeleteeu envelheço sim mas nunca esqueço
quanto a vida é gesto e amor é foda
de pura raiva e triste me esmorreço
sem ter amor - só vinho - á minha roda
sem quem eu coma e me coma toda
Errata
ReplyDeleteAi, que falthei um 'ai' na última linha da rimalhice da minha amiga:
'sem quem eu coma e ai me coma toda'
Errata da errata
DeleteEra 'falhei' e podia ser 'saltei', mas nunca 'falthei'!!!
o ai fazia falta, sim senhor, é logo outra coisa e quanto ao poema de natal é caso para dizer casa onde nenhum come todos ralham, não sei se é exactamente assim, ou onde não há pão e ninguem tem razão, afinal há casas onde todos comem e todos ralham na mesma, mas natal é tempo de comidas e tambem de circo, aí estão as companhias das mais luxuosas às mais humildes, mas tambem há casas onde não se come mas nem se ralha, afinal há muito de neorealismo nisto das casas sem pão, e a diferença que há entre o pai e a mãe ! as familias por vezes são assim, aquilo de só haver vinho está bem, bonito o soneto, muito mesmo, e tambem boa a glosa, sem que eu coma e (ai) me comam toda, bom não esquecer essas coisas do amor, é sinal de vitalidade, e o esmorecer faz parte, etc etc
ReplyDeleteMeu caro Alcipe se a Luisa fosse viva, muito se teria rido desta "desgarrada".
ReplyDeleteEspero que a Maria Velho da Costa o faça por ela.
A outra Velha Senhora continua bem lembrada do que é o amor. Logo, não estará assim tão velha ...
Ri com gosto.
ReplyDeleteA querida velha amiga responde à altura, subscrevendo Patrício Branco o ai faz mesmo toda a diferença.
Feliz Ano Novo
Isabel Seixas