Tuesday, October 22, 2013

Caro Manuel Valls

Também eu senti grande tristeza com a indecente recondenação do Dreyfus. Sobretudo, talvez, porque com ela morreram os últimos restos, ainda teimosos, do meu velho amor latino pela França. Os suíços, querido Domício, não se enganam generalizando – e atribuindo o julgamento de Dreyfus “à própria essência do espírito nacional”. Quatro quintos da França desejaram a sentença. A França nunca foi, na realidade, uma exaltada de Justiça, nem mesmo uma amiga dos oprimidos. Esses sentimentos d’alto humanismo pertenceram sempre e unicamente a uma elite, que os tinha, parte por espírito jurídico, parte por um fundo inconsciente de idealismo evangélico. Não nego que, aí por 1848, essa elite conseguiu propagar o seu sentimento na larga burguesia, sensibilizada, amolecida desde 1830 pela educação romântica. Mas logo, com o Império, a França se recuperou, regressou à sua natureza natural, e recomeçou a ser, como sempre, a Nação videira, formigueira, egoísta, seca, cúpida. Devia, talvez, acrescentar cruel – porque, de fato, todas as grandes crueldades da História Moderna, desde a guerra dos Albigenses até às Matanças de Setembro, têm sido cometidas pela França. O seu pretendido Messianismo do Amor Social um mero reclame montado pela Literatura romântica – que já fazia rugir de furor o velho e vidente Carlyle. E o processo de Rennes provou que a mesma bondade, a bondade individual é nela rara, ou, tão frouxa, que, se some, apenas a França, um momento, se constitui em multidão. Em nenhuma outra Nação se encontraria uma tão larga massa de povo para unanimemente desejar a condenação dum inocente (que sabia inocente) e voltar as costas, ou mesmo ladrar injúrias, à sua longa agonia.

(Eça de Queirós, Carta a Domício da Gama, 1899)

4 comments:

  1. O que Hollande fez com a família de ciganos é inqualificável. Nem num "homem normal" se admite.
    Quanto mais num presidente normal!

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  2. cada vez é mais dificil lidar com estaes assuntos, pobre hollande, acredito que fosse bem intencionado, uma especie de solução que dava para os 2 lados, e seguramente que não decidiu sozinho, teve os seus assessores, enfim...

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  3. Dar para os dois lados em política e arriscado, as vezes cai-se no meio

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  4. a gregos e troianos, diferente é a sentença salomónica, sim, cair no meio...

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