Tuesday, September 28, 2010

La Solitude

Este blog serviu-me essencialmente para escrever.

Mas escrever em público é estranho : porque a escrita é uma actividade solitária, a que o leitor só deveria chegar no fim do percurso.

Podemos comentar a vida : e Mathew Arnold chamava à poesia "a criticism of life"... Podemos contar histórias. Podemos lançar boatos. Podemos fazer maldades.

E tudo isso pode ser escrita.

Mas a solidão faz falta. Agora faz-me falta.

Pus no Facebook (aqui não consigo copiar do YouTube) "La Solitude" do Léo Ferré.

É do que às vezes precisa a escrita.

Wednesday, September 22, 2010

Lendo Ruy Duarte de Carvalho

Lendo "Desmedida", o excelente livro de viagens de Ruy Duarte de Carvalho pelo Brasil, vejo como um angolano (que era também um bocado português, desculpa lá, ó Ruy!)sente exactamente o que eu senti como português face àquela permanente "fábrica do inédito" (na expressão dele) que é o Brasil : eu só entendi bem o que era ser português (e, pelo que ele diz, o Ruy só entendeu completamente o que era ser angolano) depois de ter vivido a experiência do Brasil.

O Brasil é a nossa desmedida. O Agostinho da Silva tem a clássica fórmula "o brasileiro é o português à solta". Eu penso que esta imagem produzida pelo Ruy do Brasil como "fábrica do inédito" é ainda melhor e mais generalizante. Reparem o que o Brasil faz dos imigrantes de todas as etnias. E reparem na complexidade do processo de branqueamento, que está a ser agora deturpado com acções afirmativas copiadas dos americanos, não que não haja injustiças no Brasil em relação aos negros que têm de ser corrigidas, mas acontece que o Brasil não tem nada que ver com os Estados Unidos (sorry, Mr. Vianna Moog!...).

Pergunto-me : e a Índia? E Goa? E Damão e Diu, tão diferentes de Goa? E Cochim e Calicute? Em que nos vem a Índia confrontar enquanto portugueses?

É muito complicado. Areia demais para a minha camioneta? Ou inibição fatal do diplomata em posto? Só soube responder, até agora, com um livro de poemas, que, em princípio, irá sair em Maio : "Lendas da Índia". Mas talvez se sigam mais reflexões, com tempo e com distância...

Dormente é que não estou!

Tuesday, September 21, 2010

Thursday, September 16, 2010

Et pourtant...



"Il n'y a pas d'amour heureux" (Aragon)

Uma carta de Eça de Queiroz sobre a França



" Quatro quintos da França desejaram, aplaudiram a sentença. A França nunca foi, na realidade, uma exaltada da Justiça, nem mesmo uma amiga dos oprimidos. Esses sentimentos de alto humanitarismo pertenceram sempre e unicamente a uma elite que os tinha, parte por espírito jurídico, parte por um fundo inconsciente de idealismo evangélico. Não nego que, aí por 1848, essa elite conseguiu propagar o seu sentimento na larga burguesia, sensibilizada, amolecida desde 1830 pela educação romântica. Mas logo, com o Império, a França se recuperou, regressou à sua "natureza natural" e recomeçou a ser como sempre a Nação videira, formigueira, egoísta, seca, cúpida"


(carta a Domício da Gama de 26 de Setembro de 1899; a sentença referida foi a segunda condenação de Dreyfus)

À entrada de uma reunião de embaixadores em Nova Deli

Tuesday, September 14, 2010

Passeio matinal



Quando passo à porta da Embaixada da China, todas as manhãs, encontro muitas vezes monges budistas na fila para os vistos.

Sunday, September 12, 2010

Voltámos!



Rumo à livraria Bahri and Sons, no Khan Market!

Friday, September 10, 2010

Intempestivas (reflexões com o jet lag)

Voltemos a pensar a Índia, a partir de a viver.

Os europeus ante a Índia oscilam entre o fascínio e o esquecimento. Considerada ora como uma fonte de sabedoria, ora como um manancial de charlatanismo, o pensamento indiano foi ganhando contornos tanto míticos como mistificadores para a chamada consciência ocidental.

A seguir veio a promoção da imagem do novo gigante emergente, pronto para arrumar as nossas ineptas idealizações do Estado Social (Bismarck não chegou a conhecer Hayek e o próprio Adam Smith tinha umas ideias morais extravagantes!). A vida num slum de Bombaim conviria perfeitamente aos nossos trabalhadores. Mas a constatação do dinheiro que este gigante gasta a impedir os camponeses de morrerem de fome e a sustentar os luxos e consumos dos funcionários públicos, os mais inúteis e perniciosos dos seres, logo virou os entusiasmos liberais de novo para a grande e democrática China, terra das mais amplas liberdades...

E assim voltámos ao tio Mao, que já nem temos o Simon Leys para dizer que o rei vai nu!

Thursday, September 9, 2010

Fado do Amigo da Onça



Nenhum destino me espera
à beira de entristecer:
se um amigo me faz guerra,
traição o fará morrer.

Trago o soluço comigo
de um choro que jamais tive:
não era amigo o amigo,
nem sei se morre se vive!

Se mentiu ou se levou
a minha amada com ele,
largou memória, passou
por baixo do rio, aquele

que os mortos vão conhecer
quando o tempo se esconder.

Tuesday, September 7, 2010

Regresso à Índia



(imagem roubada no facebook a Assírio e Alvim)

Monday, September 6, 2010

Para encerrar o ciclo do Algarve

Algarve

1

A luz mais que pura
Sobre a terra seca

2

Um homem sobre o monte desenhando
A tarde transparente das aranhas

3

A luz mais que pura
Quebra a sua lança

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Sunday, September 5, 2010

Homenagem ao Algarve e a António Ramos Rosa

Eu sou algarvio, nasci no Sul [...] o espaço mais luminoso de Portugal, sim, terá tido alguma influência na minha obra poética onde a “nudez” é uma palavra que terá talvez alguma correspondência com a paisagem algarvia

(António Ramos Rosa)



Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"

Homenagem à Ria de Faro

LEMBRANÇA DA RIA DE FARO

Dunas atrás da casa
gafanhotos cor de
madeira cardos cor de areia
ao fim da tarde,
barcos na água rósea
onde a cidade, em frente à casa, cai
De madeira caiada a
casa está
sobre a areia, que escurece quando
a maré devagar desce na praia

Gastão Cruz
Crateras
Lisboa, Assírio & Alvim, 2000

Wednesday, September 1, 2010

Homenagem à Ria de Alvor

NUMA NOITE DE AGOSTO SOBRE A RIA DO ALVOR
(à Elisabeth Enders e à Lena Abreu)

Gritam grilos na noite serrilhada, cosidos a ela
como lantejoulas

gritam grilos como as estrelas
no infinito imaginado:

a invisibilidade dos números
faz os brilhos

um gato passa no seu passo lento e fino
um gato temerário que me fita

um comboio corta a noite correndo
pelo som que faz
o romper do ar que há na sua voz
na sua voz

Velocidade é tempo e o comboio é a sua
mais perfeita imagem

- tudo o que corre ocorre no sentido inverso
à marcha do comboio

no sentido inverso à terra, ao seu relógio,
pois que a velocidade é tempo e o comboio

é dela a mais perfeita imagem
Os comboios que eu amo não sabem de onde vêm

perdem-se na noite e refocilam como portentosos sonhos
pelos campos espalham uma quimérica limalha

dispersam-na e refocilam, portentosos bisontes
pois que algo no comboio livremente o toma

como as obstinações, a febre
e porque é febre a pressa que o acirra

(Maria Andresen, "Lugares,3", Relógio d'Água, Lisboa, 2010)

Homenagem à Mexilhoeira Grande

A POESIA

É uma luz que desce a escada do poema e
se senta à porta, esperando que o dia entre
para dentro da estrofe.

É uma voz que se encosta ao corrimão
da palavra e sobe sílaba a sílaba até chegar
ao patamar do verso.

É o eco que nasce de um canto perdido
nos quintais do poema, e atrai os pássaros
para dentro da sua imagem.

É a mão que percorre as linhas da frase,
como se fossem as linhas da vida, e decide
em cada cesura um ponto final.

Como se a poesia nascesse do silêncio, ou
um grito a empurrasse para a vibração
de um último eco.

(Nuno Júdice, "Guia de Conceitos Básicos", D.Quixote, Lisboa, 2010)