Thursday, April 30, 2009

Luang Prabang: os monges, a foice e o martelo


Luang Prabang: descendo da cidade para o rio


Descem para o rio.

Passámos da terra dos sorrisos leves para um mundo camponês
onde se ri sonoramente, como se a alegria resgatasse de tantas guerras,
misérias e opressões: 
será assim?

Ou é o que ensinam os monges budistas, presentes por toda a parte,
enquanto só vimos uma envergonhada bandeira de foice e martelo,
numa modesta sede partidária?


In Luang Prabang the city was "en fête" ...

Festejando o Ano Novo budista...




Sobre a expedição francesa ao Mekong em 1867, sob o comando de Doudart de Lagrée:

For much of their time in Luang Prabang the city was "en fête". With the heavy rains of the wet season close at hand, the population seized the remaining dry nights as an opportunity for dancing and gossip. 

(Milton Osborne, Mekong, Brisbane, 2000)

Luang Prabang, nas margens do rio Mekong

Da vida diplomática

De Henry Jean-Marie Levet (1874 - 1906), Cartes Postales (1902)

REPUBLIQUE ARGENTINE : LA PLATA


Ni les attraits des plus aimables Argentines,
Ni les courses à cheval dans la pampa,
N’ont le pouvoir de distraire de son spleen
Le Consul général de France à La Plata !

On raconte tout bas l’histoire du pauvre homme :
Sa vie fut traversée d’un fatal amour,
Et il prit la funeste manie de l’opium ;
Il occupait alors le poste à Singapoure…

- Il aime à galoper par nos plaines amères
Il jalouse la vie sauvage du gaucho,
Puis il retourne vers son palais consulaire,
Et sa tristesse le drape comme un poncho…

Il ne s’aperçoit pas, je n’en suis que trop sûre,
Que Lolita Valdez le regarde en souriant,
Malgré sa tempe qui grisonne et sa figure
Ravagée par les fièvres d’Extrême-Orient…

Si l'on ouvre l'Annuaire diplomatique, on s'aperçoit que Levet fut chargé de mission dans l'Inde et en Indo-Chine. Le vice-consul de troisième classe se sentira nostalgique à l'ombre des coupoles et des dômes orientaux en carton-pâte de l'Exposition de 1900 (Michel Bulteau, prefácio à reedição de 1993 (La Table Ronde, Paris) das Cartes Postales) 

Tuesday, April 28, 2009

Adeus ao Cambodja (2)

O nosso hotel em Siam Reap era a antiga residência do administrador francês.

Por aqui deve ter passado Malraux, a pedir a autorização oficial para ir explorar os templos periféricos de Angkor, onde roubou tantas esculturas, que acabou por ficar um ano na cadeia de Saigão!

Quando li "La Voie Royale" (ainda na edição Livros do Brasil, "A Estrada Real"), não sonhava vir um dia ficar neste mesmo lugar onde Claude discutia com o velho e cínico administrador colonial!

Às vezes conseguimos reentrar nos livros da nossa adolescência...  




Um adeus ao Cambodja

Monday, April 27, 2009

Indochine

"Il faut que nous fassions appel au peuple de France par le discours, par la réunion, par le journal, par le tract. Il faut que nous fassions signer aux masses ouvrières des pétitions en faveur des Annamites. Il faut que ceux de nos écrivains - et ils sont nombreux - qui ont encore quelque générosité, s'adressent à ceux qui les aiment. Il faut que la grande voix populaire s'élève et vienne demander à ses maîtres comptes de toute cette lourde peine, de cette angoise désolée, qui pèsent sur les plaines de l'Indochine. Obtiendrons-nous la liberté? Nous ne pouvons le savoir encore. Du moins, obtiendrons-nous quelques libertés".

(André Malraux, l'Indochine enchaînée, 1925)


Só para não esquecermos o século XX...

Vítimas das minas espalhadas durante a guerra civil no Cambodja (1979 - 1991)  entre os Khmers Vermelhos de Pol Pot (apoiados pela China e pelo Ocidente e reconhecidos pela ONU) e os comunistas pró-vietnamitas de Hu Sen (apoiados pela União Soviética) : estes últimos governam hoje, desde 1991, um Cambodja com pluralidade de partidos, economia de mercado, mas dentro de um regime de Partido - Estado,  liderado (ainda!) pelo mesmo Hu Sen e dependente do Vietname. Ah, e com um Rei para reinar...

O Ocidente agora condena Pol Pot (3 milhões de mortos numa população de 10 milhões, hoje reduzida a 6 milhões, é de fazer inveja a Hitler e a Estaline!).  Na altura, porém, Pol Pot, como Bin Laden, foram aliados do mundo livre para combater a União Soviética...

Prasat Kravan (Angkor)

No ano de Cristo de 931 construíram este templo.

Vishnu dançava sobre o mar neste baixo relevo,
ao tomar posse do mundo:
na forma de um anão que se equilibra entre um pedestal e um lótus,
o deus dança sobre os oceanos, lançando os seus quatro braços
sobre todo o peso e o esplendor do universo.

Que sabemos destes ritos? Dionísio 
tê-los-á de longe aprovado, com o sorriso enorme do "sim",
de quem diz sim à vida
e dança em desafio por sobre a morte, a miséria e a dor?

Não sabemos. Vishnu dança sobre o mar neste baixo relevo
e a nós só nos cabe imaginar.


Poema publicado na revista "Relâmpago"

A ILHA DOS MORTOS REVISITADA

 

“Um sonho acordadofoi o que a compradora

pediu ao pintor.

 

E o que é mais a morte do que um sonho acordado,

de que deslizam as roupas, ao se entrever na água

a sombra do que sequer chegámos a ser?

 

Muitas vezes me perguntei

onde vim encontrar esta ilha.

Sei-o agora, mas é muito tarde para partilhar

este saber que nunca mais será um privilégio.

Por isso olho esta figura de branco, eternamente de costas  para nós,

ela que olha de frente a água e a morte.

e pergunto-me se o caixão não está vazio.

 

 

 “one Marie Berna, who was widowed young and who later married a Count Oriola in Budesheim, visited Bocklin in Florence and commissioned “a picture for daydreaming view”…

(in Rose Marie and Rainer Hagen, “What Great Paintings Say”, Taschen, Koln, 2003 


 

Cf o meu poema “A Ilha dos Mortos” no livro com o mesmo título (1991)

 

A reprodução do quadro é a da versão de Basileia

 

Sunday, April 26, 2009

Memória pessoal (3)

Entre as claras palavras e os duros conceitos,

que logo se tornaram

em jogos de poder,

alguns (digo eu) assim viveram

num tempo muito antigo

e (eu diria) escorraçado da História,

como se tudo não fosse afinal tecido da História,

mesmo a ingénua narração que balbucia,

o verso que estremece

e o mais não dito.

Memória pessoal (2)

O meu pequeno país: nós não sabíamos,

nós não acreditávamos que mudasse.

Acreditar na Revolução é pedir o impossível

E nós pensávamos que, como os nossos pais,

iríamos continuar o resto da nossa vida

a pedir o impossível.  Ou aqui, na dura pátria,

mãe pobre de gente pobre,

usando a profissão liberal que nos fosse autorizada,

para brincar ao gato e ao rato com a Polícia,

ou no exílio, para fugir à guerra,

que outros queriam que fôssemos “subverter por dentro”.

 Nós nunca percebemos

o possível.

Memória pessoal

A Revolução, quando na cidade passavam

as suaves raparigas, a Revolução,

o ciclópico acto, o dever comunista

inscrito no devir: 

os seus conceitos eram duros como a pedra

dos poemas de Sophia ou de Cabral:

Marx lido pelas Grandes Écoles de Paris,

 conceitos de rigor impiedosos;

 

e a operariazinha de Santa Iria de Azóia, encontrada

num convívio de estudantes e trabalhadores,

que corou de repente ao despedir-se de mim

(Avante, camarada, avante : deveria?).

 

Os papéis colados pelos muros

na policiesca noite da Lisboa,

os poemas medíocres que cantávamos

e a polícia a carregar por dentro das escolas,

para eu te levar pela mão até à rua…

Ernesto Melo Antunes


1

O CAPTAIN! my Captain! our fearful trip is done;
 
The ship has weather’d every rack, the prize we sought is won; 
The port is near, the bells I hear, the people all exulting, 
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring: 
    But O heart! heart! heart!         5
      O the bleeding drops of red, 
        Where on the deck my Captain lies, 
          Fallen cold and dead. 
  
2

O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;
 
Rise up—for you the flag is flung—for you the bugle trills;  10
For you bouquets and ribbon’d wreaths—for you the shores a-crowding; 
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning; 
    Here Captain! dear father! 
      This arm beneath your head; 
        It is some dream that on the deck,  15
          You’ve fallen cold and dead. 
  
3

My Captain does not answer, his lips are pale and still;
 
My father does not feel my arm, he has no pulse nor will; 
The ship is anchor’d safe and sound, its voyage closed and done; 
From fearful trip, the victor ship, comes in with object won;  20
    Exult, O shores, and ring, O bells! 
      But I, with mournful tread, 
        Walk the deck my Captain lies, 
          Fallen cold and dead. 

(Walt Whitman, Leaves of Grass)

Saturday, April 25, 2009

O 25 de Abril numa perspectiva goesa...heterodoxa

Se quiserem uma leitura indiana muito heterodoxa, chocante e provocadora da nossa Revolução, vão a

dervishnotes.blogspot.com/

O jovem (doutorando, menos de 30 anos)  não é reaccionário, até é discípulo do Boaventura Sousa Santos, é inteligente e interessante,  nosso amigo, e provocar é sempre saudável!

Mas fotografias do Salazar eu não publico, só por isso não reproduzo aqui o texto do artigo! 

35 anos!

Esta manhã comprámos 12 cravos ao florista que sempre está acocorado na esquina da pequena rua que cruza com a nossa.


Friday, April 24, 2009

A arte desafia a natureza? Ou aceita o triunfo da árvore?

Pierre Loti "Le Pélérin d'Angkor" (1913)

Quand le déluge s’apaise enfin, il serait temps de sortir de la forêt pour ne pas s’y laisser surprendre par la nuit. Mais nous étions presque arrivés au Bayon, le sanctuaire le plus ancien d’angkor et célèbre pour ses tours aux quatre visages ; à travers la futaie semis obscure, on l’aperçoit d’ici, comme un chaos de rochers, Allons quand même le voir.

En pleine mêlée de ronces et de lianes ruisselantes, il faut se frayer un chemin à coups de bâton pour arriver à ce temple. La foret l’enlace étroitement de toutes parts, l’étouffe et le broie ; d’immenses « figuiers des ruines », achevant de le détruire, y sont installées partout jusque »au sommet de ses tours qui leur servent de piédestal. Voici les portes ; des racines, comme des veilles chevelures, les drapent de mille franges ; à cette heure déjà tardive, dans l’obscurité qui descend des arbres et du ciel pluvieux, elles sont de profonds trous d’ombre devant lesquels on hésite. A l’entrée la plus proche, des singes qui étaient venus s’abriter, assis en rond pour tenir quelques conseil, s’échappent sans hâte et sans cris ; il semble qu’en ce lieu le silence s’impose. On n’entent que de furtifs bruissements d’eau : les feuillages et les pierres qui s’égouttent après l’averse.

Le guide cambodgien insiste pour partir ; nous n’avons pas de lanternes à nos charrettes, dit-il, et il faut rentrer avant l’heure du tigre...

Às portas de Angkor Thom

Não perdei nem ganhai quaisquer esperanças,
vós que entrais : esperar é apenas gritar pela dor.
Despojados de esperança e de desejo defenderemos 
estes muros e estas vidas por que somos responsáveis.

E não duramos nem perdemos : somos o que fica,
sombras de pedra dissimuladas entre as árvores.

Ainda assim, entrai.


 

Angkor Thom


Sorriem. Nada devem aos deuses
nem às guerras. Tudo passa por eles
como a luz e a sombra se sucedem
no vazio do céu. Sorriem.

Nós nada colhemos do tempo
e nem mesmo nos é dado florescer.
Este sorriso, contudo, está para além do esquecimento,
da miséria com que se faz uma vida,
deste renascer perpétuo de que somos as inertes estações.

Sorriem.

Os filhos chegam a nossa casa na Ásia,
precária como se fosse construída sobre estacas.

Mas em Angkor seremos abençoados para sempre pelo sorriso de Buda!

Wednesday, April 22, 2009

A linha do horizonte (Angkor Wat)

A Estrada Real



E vimos os templos de Angkor, as faces humanas
a resistir com o sorriso dos deuses
à morte, a morte  que só é natural na natureza,
como disse alguém; 
e isso o vimos nestas estátuas,
nesse seu sorriso tão distante da vida
que é capaz de fazer frente à morte e à natureza
 - para sempre.

Tuesday, April 21, 2009

Primeiros europeus no Cambodja

"The first European to record his visit to Cambodia and his travel on the Mekong was the Portuguese Dominican missionary Father Gaspar da Cruz. He reached the Cambodian capital at Lovek, a little north of Phnom Penh, in 1555 and remained there until 1557. An account of his experiences was published twelve years later in his homeland. Da Cruz makes clear that he was not the first of his countrymen to make this journey, for he notes that a group of Portuguese had earlier been the cause of "troubles" in the country.

(Milton Osborne, Mekong, Allen and Unwin, Brisbane, 2000) 

No Cambodja

Tim Tim na Indochina

Dez dias por terras do Cambodja, Laos e Sião! Haverá fotografias, logo após o regresso a Deli (amanhã).

Angkor

Os primeiros europeus a olharem estes templos
foram (mais uma vez!) os portugueses.
Mas os padres que aqui chegaram então
não acreditaram que aquele modesto e pequeno povo,
que encontravam nos templos e nos mercados,
e cujo Rei prestava tímida vassalagem ao Sião,
pudesse algum dia ter construído aquelas maravilhas de pedra.
Assim, alguns deles atribuíram os templos a Alexandre Magno,
outros disseram-nos obra dos Romanos,
e até um suspeito frade (seria marrano?) defendeu que os Judeus, sim,
teriam sido os verdadeiros construtores de Angkor.

Nem nós próprios acreditávamos então
que os povos pequenos e pobres
pudessem alcançar de repente a grandeza.

Saturday, April 11, 2009

Pessoanas pobres

Cidades que atravessei
doem-me como um remorso:
e tudo a que mais me dei
é hoje memória que forço.

Porque toco esta sanfona
sem ninguém do outro lado?
Do verso perdi a conta,
sem mesmo ter reparado.

Só falo do que não sei,
porque saber é calar.
A tudo o que mais me dei
é do que não vou falar.



Tuesday, April 7, 2009

Encontro com Juan Gelman


Encontro com Juan Gelman

(Nova Deli, leitura no Instituto Cervantes, 6/4/2009)


Um grande senhor não implora à Poesia que o assista,
mas um poeta sério não se esconde da poesia!

Juan Gelman não precisa de limpar de aura a poesia:
ele esteve demasiado perto do horror para jogar jogos

que não sejam o deambular de uma criança
pela praia do terror e do olvido! 

Sunday, April 5, 2009

Anoitecer em Udaipur, com dois sonetos

1.

Dentro da tua morte eu respirava
-como se perdoar me fosse dado!
Não toquei no teu corpo, velho Pai,
mas só nesse momento e ao teu lado

eu soube dar-te o que tu não podias,
nunca mais poderias entrever:
o gesto que num verso eu não diria
e que uma vez mais te vou esconder.

Só no verso medido, na tensão,
na prosódia que escrevo com temor,
é que posso falar da emoção
de não saber da morte todo o amor!

O que nunca soubeste será dado
quando desapar’cer quem a teu lado.


2.

A cinza que esta angústia deixa em mim
nos recessos da vida é que demora,
como batalha perto do seu fim,
guerra que desconhece a sua hora.

Abandonei as ilusões por fim
e deixei sossegar o pensamento:
a cinza que esta angústia deixa em mim
tolheu-me de lavrar o meu lamento.

Porque venho exibir-me na prosódia,
mais um soneto neste fim de tarde?
Que restos já desfeitos, sem história,
quero mostrar? O fogo que não arde?

Os versos recuperados da lembrança
e eu a balbuciar, como criança…

Saturday, April 4, 2009

Connaught Place, Nova Deli


1. Suicidou-se o filho de Sylvia Plath

Quando estás só e a cidade em volta
se torna num murmúrio sem prosódia,
respiras e vais até ao fundo,
porque sabes que depois podes sempre voltar à tona,

ao contrário daquela que um dia enfiou a cabeça no forno 
e ligou o gás. 

2. Connaught Place, noite

E depois mergulhamos na luz
sem nunca saber o que traremos do fundo:
as pedras cinzentas do quotidiano,
as conchas luminosas dos reis da Golconda,
as lágrimas de Portugal?

Acabamos assim, perdidos numa noite
que não é a nossa.

Thursday, April 2, 2009

Fon, fon, fon

dedicado ao grupo Deolinda

Em cada infância há uma banda de música
que toca para nós do alto de um coreto ou até mesmo
debaixo da  nossa janela (tive essa honra no dia em que festejavam 
o dia do meu aniversário).

Sonhamos levar para a banda a nossa música,
mas depois passaram os anos e não houve tempo
nem oportunidade e o nosso lugar na banda
nunca foi preenchido.

Resta-me o dia glorioso dos meus seis anos
em que a banda veio tocar à minha porta.

Agora, num casamento indiano, reencontro a mesma banda:
mais enfeitada, engalanada, o mundo mudou
na direcção do Oriente. Mas o senhor de turbante sentado na frente
pensa que a banda não toca para ele
(ao contrário da menina feia do Chico Buarque),
porque toda a música deve ser para os noivos.

Engana-se: a banda toca para todos nós,
por detrás de um passado, para além de outros mares...
Toca:

Fon, fon, fon