Saturday, October 8, 2011

Poema de Tomas Transtromer sobre o Funchal

FUNCHAL
[poema de Tomas Tranströmer]

O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca, construída por náufragos.

Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim as rajadas de vento

do mar. Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa dois peixes,

segundo uma antiga receita da Atlântida, pequenas explosőes de alho.

O óleo flui sobre as rodelas do tomate. Cada dentada diz que o oceano nos quer

bem, um zunido das profundezas.

Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos as agrestes colinas floridas, sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais, bem-vindos, não

envelhecemos. Mas já suportámos tantas coisas juntos, lembramo-nos disso,

horas em que também de pouco ou nada servíamos ( por exemplo, quando

esperávamos na bicha para doar o sangue saudável – ele tinha prescrito uma

transfusão). Acontecimentos, que nos podiam ter separado, se não nos tivéssemos

unido, e acontecimentos que, lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!

Eles tornaram-se pedras, pedras claras e escuras, pedras de um mosaico desordenado.

E agora aconteceu: os cacos voam todos na mesma direcção, o mosaico nasce.

Ele espera por nós. Do cimo da parede, ele ilumina o quarto de hotel, um design,

violento e doce, talvez um rosto, não nos é possível compreender tudo, mesmo

quando tiramos as roupas.

Ao entardecer, saímos. A poderosa pata, azul escura, da meia ilha jaz,

expelida sobre o mar. Embrenhamo-nos na multidão, somos empurrados

amigavelmente, suaves controlos, todos falam, fervorosos, na língua

estranha. “um homem não é uma ilha. Por meio deles fortalecemo-nos, mas

também por meio de nós mesmos. Por meio daquilo que existe em nós e que os

outros não conseguem ver. Aquela coisa que só se consegue encontrar a ela

própria. O paradoxo interior, a flor da garagem, a válvula contra a boa escuridão.

Uma bebida que borbulha nos copos vazios. Um altifalante que propaga o silêncio.

Um atalho que, por detrás de cada passo, cresce e cresce. Um livro que só no escuro

se consegue ler.

Luís Costa (Portugal, 1964). Poeta e ensaísta. Inédito em livro. A tradução do poema de Tomas Tranströmer, feita por Luís Costa, tomou por base a versão alemã, realizada por Hans Grössel e incluída em Der Mond und die Eiszeit (1992), antologia do poeta sueco. Contacto: l.costa@web.de.

4 comments:

  1. Estou absolutamente varada, meu caro Alcipe. Magnífico!
    É nestes momentos que invejo quem traduz, quem faz um trabalho quase tão importante como o de quem cria. Porque recria, sem alterar a criação.

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  2. "O restaurante do peixe na praia..." !? NA PRAIA ??? No Funchal !?

    A minha mae bem que me dizia que nas viagens de fim de curso nao viamos NADA !
    Entao mas o Funchal tem PRAIA ? Mas sera o mesmo Funchal onde eu estive em Maio de 1989 ? Ou havera outro Funchal ?...na Suécia !!!

    Garanto-lhe Caro Alcipe que este poema agora deixou-me Transtörnada : ))

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  3. È óbvio que em vez de "óleo" deveria estar "azeite". Incrível lapso!!

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