Wednesday, May 27, 2009

Considerações sobre as direitas

Alguns comentários (que não identifico, por respeito ao lugar onde os ouvi e ao anfitrião desse lugar) sobre a morte do João Bénard, além de me irritarem profundamente, por visarem alguém que me foi próximo (embora depois a vida nos tenha afastado), fizeram-me pensar na diferença entre a direita do ressentimento e a direita da modernidade.

Quando a geração do "Independente" veio dividir as águas entre uma direita culturalmente modernizada e os velhos "vencedores do catolicismo", tão bem retratados por Sophia na sua novela "Mónica", esquecemo-nos por algum tempo da outra direita, beata, ultramontana, ressabiada... Até porque a nossa Igreja, na inteligente gestão que faz da sua intervenção pública, nunca põe esse sector na berlinda (ao contrário da Espanha)!

Mas eles aí estão, andam por aí e há quem lhes namore os votos!

Quando ouvimos essa gente, até pensamos que é bom ter uma direita modernaça... Mas em quem votarão eles? E não será a direita moderna que temos a herdeira legítima dessa outra, oriunda do Sr.D. Miguel I?

Sunday, May 24, 2009

Mais pessoanas...



Como na rua de Roma
ou no caos de Deli,
esta ruína que assoma
diz que não somos daqui.

Passado, terra estrangeira:
e o nosso em particular
é palavra derradeira,
não se pode articular.

Toda a memória que fui
longe de mim se escondeu.
E de muitos céus azuis
se fez noite neste céu.

Saturday, May 23, 2009

As hienas e os chacais (uma irritação com destinatários)

As hienas e os chacais
vêm ver os funerais:
e assobiam o perfil
de quem esteve com Abril!

As hienas e os chacais
não perdoam ter perdido:
nasceram entre bragais,
com direito adquirido

de mandar por sua casta
(encontrei isso na Índia!),
não perdoam a devassa
nem perderam a perfídia!

As hienas e os chacais
nem dos brâmanes a graça
tiveram nos seus anais:
foram o vento que passa!

Ozymandias (Shelley) Lodhi Tombs (Delhi)

Grandes monumentos de pedra,
de que não conhecemos mais o sentido,
permanecem solenes, inertes, no meio do trânsito das cidades:


OZYMANDIAS
I met a traveller from an antique land
Who said: Two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert. Near them on the sand,
Half sunk, a shatter'd visage lies, whose frown
And wrinkled lip and sneer of cold command
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamp'd on these lifeless things,
The hand that mock'd them and the heart that fed.
And on the pedestal these words appear:
"My name is Ozymandias, king of kings:
Look on my works, ye Mighty, and despair!"
Nothing beside remains. Round the decay
Of that colossal wreck, boundless and bare,
The lone and level sands stretch far away.[1]

Contra as ideias feitas: o soluço do homem branco

"Le sanglot de l'homme blanc" era o título de um livro de Alain Bruckner contra a culpabilidade pós-colonial. Não sendo nenhum saudoso do colonialismo, oponho sempre aos pós-coloniais o velho Marx fora de moda (artigo escrito em 1853):

"England, it is true, in causing a social revolution in Hindustan, was actuated only by the vilest interests, and was stupid in her manner of enforcing them. But that is not the question. The question is, can mankind fulfil its destiny without a fundamental revolution in the social state of Asia? If not, whatever may have been the crimes of England she was the unconscious tool of history in bringing about that revolution".

Geração, gerações

Extinguem-se as vozes que acompanharam a nossa juventude:
nem um murmúrio, nem um fio de água permanecerá
de tudo quanto fomos; e agora, vêm as hienas do passado
arreganhar os dentes contra o que ousámos transformar!

Também morrerão as hienas. Grandes monumentos de pedra,
de que não conhecemos mais o sentido,
permanecem solenes, inertes, no meio do trânsito das cidades:

tal como a leitura que os vindouros irão fazer
das nossas vidas.

Friday, May 22, 2009

João Bénard

Perdeu-se o timbre de uma voz:

quando alguém desaparece, é isso que me ocorre,
mesmo que o registo dessa voz tenha ficado em filmes

ou entrevistas gravadas, há uma modulação precisa,
uma articulação a que até chamamos música

que se desprende para sempre do universo!

Tuesday, May 19, 2009

Poetas

O calor acima dos nossos limites de adaptação vai desfazer-se numa chuvada brutal (ou será tempestade de areia?), porque escureceu de repente em pleno dia.

De manhã, a conversar sobre poesia com uma poeta indiana (veio-me ver). Conhecia Camões, Pessoa, Jorge de Sena, Gastão Cruz e imediatamente depois os mais novos ... Luís Quintais, Ana Paula Inácio, Rui Pires Cabral e Manuel de Freitas!

Perguntei-lhe de onde conhecia tantos jovens poetas portugueses (nunca tinha ouvido falar em Eugénio, Sophia ou Herberto). A internet, respondeu-me. Passa dias na internet à procura de poetas e poemas. E selecciona depois o que gosta mais. Mas só o que está traduzido em inglês (só fala e lê inglês, além de hindi, bengali e urdu, porque aqui estamos noutro continente).

Prometi-lhe uma boa antologia de poesia portuguesa traduzida para inglês e continuaremos a conversar.

E parabéns aos mais populares na internet! Que, aliás, são todos bons poetas. Só é pena as omissões...

Monday, May 18, 2009

Confissões, não de um passeante solitário, mas de um prisioneiro do ar condicionado

Qual é a fronteira entre não nos levarmos demasiado a sério e este "anything goes" em que tudo se mistura e equivale?

Ou estarei velho? Vejo no facebook que as músicas de referência dos meus amigos quarentões são as mesmas dos meus filhos (eu nunca tinha ouvido falar dos Smiths, lapidem-me já na praça pública...).

Não quero ser o velho ranzinza, para quem tudo o que veio depois dos anos 70 é escória. Acho que as novas gerações têm gente e obra francamente boa em muitíssimas áreas. Mas esta ideologia da dessacralização da poesia, que se tornou agora artigo de fé de toda uma geração literária, irrita-me profundamente.

Tentarei começar a dar alguns exemplos do que não aceito, aqui neste blog, após "honesto estudo". Tentarei...

Saturday, May 16, 2009

Dicionário das ideias feitas que me proponho combater





1. A única poesia aceitável nesta época é a irrisão da própria poesia, a desmistificação da sua aura.  Exactamente ao contrário do programa do Verlaine, agora não se torce o pescoço à eloquência , torce-se, sim, à música...  

2. Os povos não europeus nunca guerrearam entre si, nunca se massacraram, nem fizeram escravos ou destruíram civilizações...  Só os europeus cometeram tais barbaridades! Antes de eles chegarem, resplandecia no Mundo a Idade de Ouro ...

3. A Índia é um país profundamente místico e religioso, ao contrário das sociedades ocidentais em que a religião não tem qualquer peso, fora da esfera privada das crenças de cada um.

E mais, de que me lembrar...


Democracia na Índia : as surpresas

Afinal, contra todas as previsões, não resultou da votação um Parlamento fragmentado e uma consequente incapacidade de formação de um governo com hegemonia clara (onde se sabe quem manda).

O eleitorado rural terá sido sensível aos fortes subsídios que tem recebido do Governo e que fazem espumar de raiva o "Wall Street Journal"...

O eleitorado urbano não suporta mais o Hindutva, o Sangh Parivar e Companhia e percebe que provocar os muçulmanos da Índia é brincar com a pólvora ... literalmente. Daí o cartão vermelho ao BJP (excepto no Gujarat, onde o Modi, apesar de todos os seus problemas - não posso ser mais explícito no lugar que ocupo - fez criar riqueza e desenvolvimento).

Portanto, o Congresso Nacional Indiano e a coligação UPA tiveram uma das suas maiores vitórias de sempre - só abaixo dos resultados de 1957 e da excepcional "vaga de fundo" de 1984,imediatamente após o assassinato de Indira Gandhi - e Manmohan Singh é o primeiro PM desde Nehru a ser reeleito para um segundo mandato (e com votação superior à de 2004 - mais 56 deputados!).

Pedimos desculpa pelo Império Romano!

A História continua a ser a dos vencedores:
mas serve agora para pedirmos desculpa do passado,
dispensando-nos de olhar para o presente

ou tornando o nosso olhar bem selectivo,
os bons e os maus divididos segundo os nossos interesses
e a voz a tremer de indignação moral,

como se uns estivessem destinados a ser eternas vítimas
e outros eternos culpados!

Friday, May 15, 2009

Com todo o respeito e amizade por Eduardo Lourenço

O rigor manda distinguir genocídio (extermínio deliberado de uma raça) de "limpeza étnica" (expulsão massiva de um povo ou etnia de uma região em que vive, com massacre dos que resistem). É a diferença entre o massacre nazi dos judeus e os extermínios (vários) nos Balcãs. A questão arménia aqui ficaria numa zona cinzenta entre os dois conceitos...

Confundir holocausto (programa de extermínio total) com escravatura (praticada por diferentes raças e civilizações desde há séculos, define-se pela redução de seres humanos ao estatuto de meras coisas ou animais, de quem se pode livremente dispôr, destinados não à morte, mas ao proveito económico dos amos) corresponde a esta alegre baralhada de conceitos em que se vive agora, para maior glória mediática...

Os próprios nazis, mais rigorosos nos conceitos, distinguiam entre os que havia que exterminar (os judeus) e os que havia que reduzir à escravatura (os eslavos).

Desculpe, Eduardo Lourenço, mas não tem razão... E é por muito o respeitar e estimar que quis aqui anotar esta discordância.

 

Tuesday, May 12, 2009

Ó glória de mandar, ó vã cobiça...


Continuando nesta veia neo-colonial...



Azulejos em Goa: Instituto Menezes Bragança



Afasia

Nem épicas nem líricas,
as palavras vão ficando pelos lugares da terra
onde passei . E nada lamento.

Perdi muito países
e tudo o que ganhei está numa respiração súbita,
numa luz que já não consigo escrever,
em tudo do que já não sei falar.

Por isso regresso à inarticulação
primitiva : eis o poema!

Sunday, May 10, 2009

A poesia, pois então...

Se escrevo poesia é porque nada tenho para dizer,
porque se tivesse alguma coisa para dizer
dizia-o de outra forma,
sem chamar para o caso a poesia.

Não faças poesia sobre os acontecimentos,
dizia o Drummond.
Mas como assim, Mestre, se qualquer poema é um acontecimento,
por menos conseguido que seja?

Saturday, May 9, 2009

Ainda a poesia...

Estas palavras são o eco de uma outra coisa
que provavelmente nunca encontrarás.
A poucos é dado
conhecer o inimigo,
o duplo,
o que espera por nós (quase sempre em vão) até ao fim.

Fantasma adiado,
só ele tem a chave
deste jogo.

Democracia na Índia : eppur si muove...

Votação ontem em Deli e em vários outros estados (a última fase será no dia 13).

Um jantar com amigos (jornalistas) indianos ontem:  as pessoas a telefonarem freneticamente para os institutos de sondagem e sedes dos partidos (as sondagens não se podem publicar, claro) e a fazerem depois contas, que não acertam umas com as outras. Lembrei-me dos nossos jantares nos dias de eleições...

Mas em Portugal, às 8 horas do próprio dia (e é só um dia), já temos projecções e à meia noite temos resultados (antes vemo-los nas caras dos líderes partidários e dos candidatos).  Aqui levam quase dois meses a votar (é verdade que são 734 milhões!) e a contagem final é só no dia 16!

Impressão final deste jantar? Tudo ainda imprevisível...  Mas seja Congresso, seja BJP, vão ter muito que trabalhar para formar uma coligação viável com as dezenas de partidos locais, regionais e de casta! 

 

Friday, May 8, 2009

Ainda o deserto...

Quando o deserto começa a ser por dentro,
alastra a mancha de secura sobre o que chamámos coração
e só esperamos que a noite chegue, pois nenhuma brisa
se levanta já para a podermos imaginar.

Thursday, May 7, 2009

Do nosso quotidiano : o leão familiar brincando

É mais ou menos assim que a gente vive aqui...

Sonho-me ás vezes rei, n'alguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsamica e fulgente
E a lua cheia sobre as aguas brilha...

O aroma da magnolia e da baunilha
Paira no ar diaphano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha...

E emquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto n'um scismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,

Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descanças debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.


Antero de Quental

Um Orientalista confessa-se

La chair est triste, hélàs, et j'ai lu tous les livres
(Mallarmé)


O ar é pesado, o Oriente dói,
alheio aos nossos conceitos estafados,
desfeitos pelas chuvas da monção
ou dispersos pelos ventos do deserto.

Estes rios levam para a foz todos os restos da vida
e o automóvel mais barato do mundo
vai nascer com as monções : que faço eu aqui,
entre deuses farsantes
e programas para computadores?

Os meus textos não têm serventia:
o crescimento do PIB é triste
e eu já li tantos livros...



Tuesday, May 5, 2009

Despedida da Indochina

Uma canção de 1906 para dizermos adeus à Indochina...

http://www.youtube.com/watch?v=vlcW28ZUxFg


Monday, May 4, 2009

In my beginning is my end (2)

We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time.
Through the unknown, unremembered gate
When the last of earth left to discover
Is that which was the beginning;
At the source of the longest river
The voice of the hidden waterfall
And the children in the apple-tree
Not known, because not looked for
But heard, half-heard, in the stillness
Between two waves of the sea.

(T.S. Eliot, "Little Gidding", "The Four Quartets")

Sunday, May 3, 2009

In my beginning is my end

Porque não chegámos às montanhas
e, para além delas, à nascente do rio?
Porque ficamos sempre aquém
do começo?

Rio Mekong

Deli 41º C, alívio

As nuvens de areia fizeram baixar a temperatura de 44 para 41 graus centígrados, o que foi um grande alívio, como podem imaginar.

Este diário de bordo não tem que ser um diário de poemas : aproveito para perguntar aos bloggers se sabem como pôr aqui videos do You Tube.

Boa semana!

Saturday, May 2, 2009

Deli: 44º C, nuvens de areia

O DESERTO AQUI

Vêm ter a nossa casa os desertos:
uma luz amarelada escurece o quotidiano.

Assim como a neve se torna suja e escura nas cidades,
o deserto abafa-nos numa névoa de pó
e fecha-nos em casa, como a esquimós num iglu
ao contrário.

Grandes são os desertos e tudo é deserto... 


Friday, May 1, 2009

Para não esquecermos o século XX: Carta aos meus filhos

CARTA AOS MEUS FILHOS SOBRE OS FUZILAMENTOS DE GOYA (excerto)

(...)

 Mas isto nada é, meus filhos. 
Apenas um episódio, um episódio breve, 
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis) 
de ferro e de suor e sangue e algum sémen 
a caminho do mundo que vos sonho. 
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém 
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la. 
É isto o que mais importa - essa alegria. 
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto 
não é senão essa alegria que vem 
de se estar vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre 
para que um só de vós resista um pouco mais 
à morte que é de todos e virá. 
Que tudo isto sabereis serenamente, 
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, 
e sobretudo sem desapego ou indiferença, 
ardentemente espero. Tanto sangue, 
tanta dor, tanta angústia, um dia 
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga - 
não hão-de ser em vão. Confesso que 
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos 
de opressão e crueldade, hesito por momentos 
e uma amargura me submerge inconsolável. 
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam, 
quem ressuscita esses milhões, quem restitui 
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado? 
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes 
aquele instante que não viveram, aquele objecto 
que não fruíram, aquele gesto 
de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos 
cumpre-nos tê-lo com cuidado, como coisa 
que não é nossa, que nos é cedida 
para a guardarmos respeitosamente 
em memória do sangue que nos corre nas veias, 
da nossa carne que foi outra, do amor que 
outros não amaram porque lho roubaram."


Jorge de Sena

Para não esquecermos o século XX (2)

Lao PDR is the most heavily bombed nation in the world per capita. At least two million tonnes of ordnance was dropped on the country between 1964 and 1973. It is estimated that up to 30 per cent of this did not detonate. Decades later, unexploded ordnance still contaminates rural areas in half the country, killing, injuring and keeping people in poverty by preventing them from using land.* taken from MAG

This is trail determined by small with and red rocks showing people which area has been cleared. Xienkouang region and the plains of jars ( on this photo ) are part of the most bombed region in Laos with HO CHI MIN trail.