Saturday, April 12, 2014

Adormecendo Kappus

Um pouco de gentileza, Senhor Kappus,
não lhe fará mal neste ofício de poeta que consiste
no amor extremo do mundo e na repulsa das suas imagens
e das suas palavras, a destruir até à medula.
Quanto mais irrisório lhe parecer o esplendor das coisas
mais perto estará da epifania e do reencontro
com tudo o que tem que perder.
Ah, por certo é um ofício amargo,
como naquela noite de núpcias da Rainha em que ninguém
estava lá para se divertir. Mas o pior, Senhor Kappus,
é que até irá divertir-se
e comprazer-se na tagarelice, nas pequenas misérias, no ridículo das situações -
- e isso está certo, porque nisso tudo vem embrulhado o seu ofício,
como um gaz asfixiante a espalhar-se no metro da cidade da Poesia
e a contaminar sem cura os seus habitantes.
Mas por muito que papagueie que o belo é só o começo do terrível,
irá, creia-me, divertir-se muito com a irrisão de que tudo é feito
e que vai contribuir também para acrescentar. E este conhecimento é duro e penoso,
sobretudo porque nunca se chega a atingir

Hoje calei-o, Senhor Kappus. Tem sono?

2 comments:

  1. Esta série deverá ser encenada. Leio e imagino os personagens em palco. Estas palavras têm uma força cénica fantástica.

    Quando saírem em livro também acho que deverá também convidar alguém para o ilustrar.

    Ou servir de base a uma ópera.

    Há uma unidade fortíssima e que chama outros meios para que as palavras cheguem ainda mais longe.

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  2. concordo com um geito manso, uma cantata, digamos.
    e ah, como gosto dos uniformes vermelhos ingleses, o comandante da unidade fardado de gala a vermelho, um pouco gordo já, com bigode, a receber os convidados de smoking para o jantar, soldados fardados de branco a servir, velas na mesa, brindes no final com porto, etc etc
    tudo muito kipling mas que ainda continua, mesmo na australia, canadá e nova zelandia.
    imagino que kappus e o seu mentor estejam por lá, um ao lado do outro.
    pois é boa ideia, cantata, sonhos imperialistas, na crimeia devia ser parecido, afinal o serviço e a grandeza militares existem, creio que não são incompativeis com a grandeza poética, quando tudo terminou kappus e o poeta continuaram a conversa na rua, foram andando, depois kappus voltará para viena etc

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