Sunday, March 25, 2012

António Tabucchi

Se considerarmos a indignação como fonte da moral,
uma ética da resistência como afirmação heróica
num mundo de perdidas identidades: então António sorri
antes de erguer a voz contra o sombrio manto da injustiça
que desaba a cada hora sobre o esplendor do mundo.


Fernando Pessoa veio à Rua do Monte Olivete
e saboreia uma grappa. Soubeste esconder-te, António,
cercando de jogos de escondidas a tua espada de justiça,
assim como eu cerquei de grandes muros quem me sonhava.
Agora morres e fecha-se sobre ti a curva da estrada,
cintilam as luzes vagas da Ursa no fio do horizonte
e também eu te vou deixar, assim todos verão
que tu não eras uma nova encarnação de mim,
eras um grande escritor italiano que às vezes me intrigavas
e às vezes me perturbavas com o teu vozeirão ardente.


E tu respondes Entre a verdade e a ficção podemos esquivar-nos,
imponderáveis nos nossos "vestimenti leggieri",
mas nunca entre a justiça e a injustiça
poderemos um momento sequer hesitar.


(publicado no JL de 11/4/2012)












5 comments:

  1. tempo para lembrar e homenagear o italo-português tabucchi relendo algum livro seu, pode ser o nocturno indiano em português na magnifica tradução de maria emilia marques mano ou o sustenta pereira na boa tradução de gaëtan lampö, se não erro.
    tambem as suas divagações pessoanas como os ultimos 3 dias de fp ou un baule pieno di gente.
    mas talvez tivesse sido requiem o livro dele que mais me impressionou.

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  2. "Cerquei de grandes muros quem me sonhava.
    Fonte da moral,o sombrio manto da injustiça
    que desaba a cada hora..."
    Mudando indolente o sítio das palavras de ...
    António Tabucchi em Tim Tim

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  3. Caro Alcipe
    Vou dizer uma barbaridade: Tabucchi sempre me intrigou mais do que Pessoa, sempre foi mais meu conhecido do que os heterónimos pessoanos.
    Mas eu não sou ninguém com capacidade de ajuizar. Limito-me a falar do que sinto e os sentimentos, como se sabe são enganadores.
    Apaixonei-me por Tabucchi por muitas e variadas razões. Mas uma delas foi certamente o seu terno, amoroso, olhar sobre Portugal.
    Caro Patricio Branco
    Lê-lo em italiano é uma sinfonia. E estou consigo, o Requiem é uma obra impressionante.

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  4. Cara HSC, tabucchi tem de facto algo de intrigante que a dualidade ou ambiguidade italiano-portuguêsa ajuda a estruturar. Possivelmente, em vez de heterónimos, AT tenha optado por assumir nacionalidades civis e literárias, escritor português, escritor italiano.
    açores, goa, lisboa, porto, são cenários da sua obra portuguesa, como o são pereira, damasceno, pessoa, como o são as suas residencias distribuidas nos 2 paises.
    esperemos que tal como o seu amado FP tambem nos tivesse deixado un baule pieno de coisas, papeis escritos, personagens,outros pereiras, tristanos, outras damas açorianas, e italianos, claro, que a partir de agora nos fossem sendo revelados.
    Como não li parte dos livros dele, acho que é ocasião para ler algum dos que não conheça e depois então reler o requiem.
    Era ainda um escritor que sabia dar bons nomes aos seus livros, a linha do horizonte, é cada vez mais tarde, como o tempo envelhece depressa, a gastrite de platão, bonitos, sem duvida.

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  5. Bela homenagem a tua. Tabucchi merece-a. Agora, daqui em diante, fica a releitura às vezes mais enriquecedora que a leitura.
    abraço
    JMCP

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