Monday, June 22, 2009

Quem, se eu gritar...?

Fecho-me aqui:
um blog é uma estratosfera,
é uma maneira de não pertencer a nenhum mundo,
é uma forma mais de estar sozinho. 

É certo que é suposto partilhar:
mas é como se uma mónada do Leibniz
lançasse palavras numa rede de ausências,
para o silêncio das esferas.

Nunca adiamos a solidão!

Sunday, June 21, 2009

Poesia e voz, de novo: obrigado, Luís Quintais

Luís Quintais O grão da voz: http://www.poetryarchive.org/poetryarchive/home.do

Secularismo

O BJP tem uma das duas reacções previsíveis nos partidos derrotados :  não foi por termos perdido o eleitorado centrista que fomos vencidos;  foi porque não fomos suficientemente ideológicos, porque diluímos os nossos ideais nas águas mornas das aspirações da classe média; como não estamos à esquerda nem à direita do Congresso em questões económicas e sociais, a única maneira de nos distinguirmos deles é sermos o partido do Hindutva, os defensores do deus Rama,  os adversários das leis que protegem os muçulmanos e dão alguma autonomia a Caxemira.  Radicalizar, portanto, no sentido comunalista e religioso, rapidamente e em força!

Perigoso, claro!   Mas a questão afinal é sempre a mesma para todos : pescar no centrão ou radicalizar na ideologia?

O erro do BJP parece-me estar em que já não vejo muitos apoiantes para o Hindutva na Índia de 2009...  Mas é verdade que ainda há nas aldeias jovens casais a serem assassinados por terem feito casamentos fora das suas castas...

Mas é isto assim tão exótico e estranho para nós?

Na Europa o Habermas põe o secularismo em questão (com bons argumentos, mas com más razões, como bem diz o Paolo Flores d'Arcais) e os partidos xenófobos e anti-islâmicos sobem nas eleições europeias.  A direita volta-se para os temas identitários e os intelectuais de esquerda procuram responder ao problema fazendo concessões.

Aqui é o Ashis Nandy que denuncia o secularismo do Partido do Congresso e da Constituição indiana como tendo sido o caldo de cultura do Hindutva radical, numa espécie de cadeia causa - efeito, que teria que se quebrar com menos laicismo do Estado.

(Simplifico e reduzo as teorias, é claro).

Tudo isto tem que ver connosco. O que se passa na Índia e o que se passa na Europa, o que se pensa na Índia e o que se pensa na Europa, não acontecem em dois planetas diferentes...

Somos o mesmo mundo!




Saturday, June 20, 2009

Mad Cats and Englishmen

A não perder.

http://www.youtube.com/watch?v=vdEnxNog56E

Friday, June 19, 2009

"O medo da morte é a fonte da arte"(Ruy Belo)


Nesta versão do quadro (ver post anterior)

o ar é limpo, a luz reina

e a nitidez dá um perfil seguro

ao reino dos mortos.

Continuamos na mesma barca

e a beleza das nuvens é para sempre nossa!

Thursday, June 18, 2009

A terceira monção (sem licença do autor citado...)

Duas monções
17.06.2009, Paulo Varela Gomes
Publicado no jornal "Público" e dali copiado sem autorização...



Dizia-se que os europeus na Índia duravam duas monções, frase que serve de título a um livro de Theon Wilkinson publicado em 1987. O autor conta muitas histórias acerca da descontracção com que era encarada a morte: refere, por exemplo, aquilo que escreveu Lady West em 1823: "Aqui as pessoas morrem num dia, são enterradas no seguinte, vendem-lhes os móveis no terceiro dia e já estão esquecidos no quarto." Desde o século XV até à divulgação do ar condicionado, os europeus vivem em regiões tropicais obcecados com a doença. E com razão. A gente passa aqui um tempo e começa a ficar como que gasto, uma fadiga que não tem nada que ver com a actividade, vem do ar, vem do tempo.
Nas planícies do Norte da Índia, terrivelmente quentes durante quatro a cinco meses por ano, os ingleses levantavam-se muito antes do nascer do sol, já estavam abrigados pelas dez da manhã e passavam boa parte do dia imóveis, debaixo dos punkah, os grandes leques movidos por criados.
Mas nas zonas tropicais não há meses de alívio. Em Goa, por exemplo, as manhãs e noites de entre Novembro e Fevereiro são simpáticas. A meio do dia, porém, a temperatura sobe e, com a humidade sempre muito alta, desgasta corpos e humores. Nos meses quentes ou muito chuvosos, anda-se, sem se saber bem porquê, de espírito apagado. Os funcionários europeus queixavam-se de não poderem partir para perto do mar como fazia toda a gente em Abril e Maio. Adivinhamo-los prostrados sobre as secretárias, arrastando sonolências e despachos, e isto quando não estavam doentes, o fígado gasto, ataques de malária, um mal-estar de todos os dias, aliviado apenas na frescura da madrugada ou das chuvas, a partir de Junho.
Os ingleses, que nunca hesitam quando se trata de procurar resolver um problema impossível mesmo que à custa da criação de muitos outros problemas ainda maiores, tentaram erradicar as epidemias na Índia. A National Library of Scotland tem em linha uma portentosa base de dados contendo a cartografia britânica da cólera, peste, lepra, malária, e dos meios postos em acção para combater estas doenças.
O progresso dos meios de combate a doenças foi o primeiro passo de uma higienização não só das condições de vida, mas também da percepção da vida nas regiões tropicais que acabou por criar a ilusão de que os europeus podem habitar e trabalhar nos trópicos como se nada fosse. Pouco a pouco, as doenças começaram a ser relegadas para as "margens" da sociedade. A classe média e alta, de brancos e de não brancos cheios de remédios, servidos por centros de saúde, melhor alimentados, protegidos por ventoinhas e depois pelo ar condicionado, começou a sobreviver bem a duas, três, quatro e muitas, muitas monções. A doença, o desgaste que o clima impõe aos europeus começaram a ser considerados incómodos menores que edifícios climatizados tornam suportáveis.
O homem conquistou o clima. Se eu não andasse quase sempre cansado, acreditaria nisso. Faz-me falta ar condicionado e confiança no progresso.

Com que voz?

Essa voz que deixei perder
já não me procura;

e nada será jamais
tão simples e singular
como aquela voz modulada
e firme na sua insegurança,
tão indefesa como estar vivo.

Porque falo nisto agora?
Desista de me ler
quem busca um fio coerente,
uma afirmação rotunda
e concisa. Não tenho loja
com essa mercadoria.

Nem com mais nenhuma.
Procuro apenas o som nítido de uma voz,
entre todas as coisas que deixei perder.
Procuro.

Tuesday, June 16, 2009

Voltando à poesia: reflexões de George Szirtes

Can we hear it as the poet heard it? Is there an authentic, true way of hearing a poem?

These are pretty much philosophical questions. Can we know how the poet heard it? If it is by the poet's performance of the poem that we judge, does that mean everyone else has to imitate the poet's performance to get maximum value from the poem? What if the poet reads it differently at different times (I experiment with my own in performance, not wildly, but a little, depending on the audience)? Does the poet actually know what there is to be heard? Can the poet control hearing? Is the poet the best interpreter of the poem? Is there a best interpreter? Is there a meaning that we are edging towards, like a homing device?

I suspect the answer to all of these is: no. I suspect that if there were a single point, a single hearing, a single voice, a fully articulated intention, there would be no poem. Sometimes when I am not sure if a poem is working aurally, or syntatically, usually because I have got too tangled up with it, I paste it into Text and get the impersonal computer voice to read it for me. That voice has no capacity for sly persuasion. It cannot emote, amplify or give me dramatic pauses. It has no sensibility, no intimacy. The language is naked, out there, shivering in the cold. And somehow it can look a little clearer there.

This is not some precious piece of Poesy mystification, it is, I believe, the very nature of language: a compound of music, distance, breath, loss, the absurd, the attempt to build something out of such codes as we have.

(do excelente blog do poeta George Szirtes, georgeszirtes.blogspot.com - tem até três fados, que ele traduziu... )

Duas maneiras de a Índia se olhar

Kamal Nath, quando Ministro do Comércio, durante uma reunião com a União Europeia, numa tirada de simpatia:

"If we are emergent countries, then there are surely submergent countries..."

Dipankar Gupta, o desmancha - prazeres:

"The idea is that the West will stand still while we are in overdrive. However if that were to happen our growth would slow down perceptibly, for so much of it is dependent on America and Europe. India does not have the purchasing power within to grow autarkically, unaffected by the ups and the downs around it (...). The shocks of 2008 in terms of inflation and the bearish stock market might induce a sense of reality to these roseate projections".

O futuro próximo dirá quem tem razão...

Thursday, June 11, 2009

Dipankar Gupta "The Caged Phoenix-Can India Fly?"

Um livro estimulante e contra a corrente. Cito dois parágrafos:

"India not only assaults the senses but it also appears to leave a deep impress on the intellect, perhaps even confounding it. Not just the dilettante who tends to hit and write, but also those who have spent a lifetime working on India often confess, without embarrassment, that they know so little about this country. After all, India is stubbornly and impenetrably exotic. The commentators extenuate their indolence and lack of analytical rigour by labelling Indians as strange and inscrutable folks. They are not open, normal,and rational like normal people. Hence, the eager confession, made with a self deprecatory smile, that nobody can really understand India (...)
Can we dare to go against such a dominant stream of thought and argue that India is not really exotic?"

A ler, absolutamente. Penguin Books, 2009.

Tuesday, June 9, 2009

No Dia Nacional...Poema de Alexandre O'Neill

Portugal


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

What about India?

Muita poesia e pouca Índia neste blog - muita parra, pouca uva...

Que os meus dez leitores me perdoem: vamos tentar voltar-nos para o mundo da vida! Prometido.

"Sentir? Sinta quem lê" (Pessoa, sempre - o homem veio para o Oriente, no paquete do "Opiário", a obcecar-me a escrita).

Invocação a Pessanha

Pessanha, onde está a luz do nosso país perdido?
Quando descobriremos o nosso Ocidente,
nós que de tanto Oriente fomos embriagados
como perus para a ceia da Poesia?

Mas não, nem de ti me sinto afim
(foste o maior dos poetas, depois de ti só o Cesário!)
nem considero o teu fado semelhante ao meu
quando os comparo:
eu também sou jurista e funcionário, mas as musas
nunca escolheram a minha manga de alpaca
para enxugar o génio!
E a ti não te largaram mais...

O Oriente desfaz-nos, por certo, mas pode tornar-nos aves fénix
ou galinhas de capoeira!

Pessoana bêbeda, molhada em Cesário...

Quem deixa a cinza espalhar-se
neste tempo que nos resta?
Bem pode o lume apagar-se,
se ninguém velou na festa...

Bebamos até ao fim
whisky, vinho, malvasia,
pra nos dar um verso afim
ao pão de ló da poesia.

Absinto nos teus braços,
pão de ló em malvasia!
Quebremos todos os laços:
beber é mais que poesia!

Sunday, June 7, 2009

Do Baghavat Gita

Não deves nem desejar nem desdenhar a recompensa dos teus actos.

Friday, June 5, 2009

Ainda a escravatura

O meu amigo Boaventura, o Prof. Hespanha e outras pessoas de bem reclamam porque se celebram as sete maravilhas portuguesas no mundo sem se falar do tráfico de escravos.

Pergunto-me se será legítimo celebrar as pirâmides do Egipto sem exigirmos explicações sobre os escravos dos faraós; o Taj Mahal sem nos indignarmos com a escravatura praticada pelos mogóis; Chichen Itzá, sem condenarmos os escravos e os sacrifícios humanos perpetrados pelos maias; o Coliseu de Roma sem lamentar (ao menos) tantos escravos e gladiadores; a Acrópole sem ... chega!

"Todo o monumento de civilização é ao mesmo tempo um monumento de barbárie" (Walter Benjamin)

Ah, desculpem, esqueci-me : antes dos europeus a escravatura era risonha e franca, como bem testemunhou o Espártaco! Pois claro, que confusão neo-colonial a minha!...

Longe do sublime

A criança que brinca no lixo
é um lugar comum para a nossa indignada compaixão

(eu falei um dia da beleza das garças
voando sobre o lixo de Luanda).

Agora na Índia a contemplação do lixo
leva-me ao pensamento crítico dos indianos
ponderando a sua dividida modernidade.
Em Angola era mais simples:
as garças simplesmente voavam
do lixo para o mar
e ninguém tinha tempo para pensar na modernidade.

Aqui escrevem sobre o lixo e sobre os excluídos,
sobre as tribos, as castas, as seitas,
os movimentos sociais que vêm para a rua,
a guerrilha maoísta que também existe
e tudo se move.

Enquanto alguns pensam que a Índia é um país
de milionários e de faquires...

Wednesday, June 3, 2009

Perto do sublime

O Belo e o Sublime:

aprendeste com os anjos de Rilke, com a música
que vinha nos discos de vinil do teu deslumbramento,
até com a Elegia do Amor do Pascoaes recitada num salão de província...

De tantas coisas é feito o sublime : de um olhar
trocado com a colega de turma, de um encontro
sob as árvores, de uma camisola preta
que ficou para sempre por despir.

Junto do sublime
ficam todas as montanhas da adolescência
a que não quiseste subir.

Música

Esta música acorre da infância
e traz-me toda a adolescência
que trago ainda difusa dentro de mim.

Só a música vence o tempo,
porque se desenrola no tempo.

Esta música devolve-me tudo o que a vida
não me quis dizer.

Tuesday, June 2, 2009

Nous venons de partout, nous sommes sans limites



Volta os olhos para trás,
e irás reencontrar as montanhas inertes do teu coração
e tudo o que não soubeste mais reinventar.

Mas se olhares na tua frente
e as montanhas te oferecerem o seu verde sombreado
como uma promessa de felicidade,
não feches os olhos,
não recordes em vão:

nós somos de toda a terra,
só isso nos foi prometido.

Provérbio dos Himalaias

Confia sempre mais nas ameaças dos teus inimigos do que nas promessas dos teus amigos.

Monday, June 1, 2009

Himalaias:camponesa tradicional comunicando com os espíritos pelo veículo xamânico "wi fi"

Igreja de Kasauli, Church of North India



Estás aqui, como saída de um livro de Jane Austen
ou Elizabeth Gaskell,
aqui junto aos Himalaias,
com a imagem passada do pároco a cumprimentar os coronéis e os tenentes
e as mulheres dos coronéis e as amantes dos tenentes,
cada domingo pela manhã.

O ar é fresco e os fiéis cristãos
tiram os sapatos à porta da igreja, como se faz nos templos hindus.
O padre murmura o sermão em hindi
e cá fora o mundo continua, porque a História não parou,
mas algumas coisas ficaram idênticas ou assim nos parece,
em todos nós e em cada um dos mundos,
aqui e nos Himalaias.

Ao fundo, os Himalaias

Caspar David Friedrich no Himachal Pradesh