Saturday, June 28, 2014

Um poema de Fernando Echevarria

Os vivos ouvem poucamente. As plantas, 
como o elemento aquático domina, 
são dadas à conversa. A menor brisa abala 
a urna de concórdia estremecida 
que, assim, sensível, se derrama 
e é solidão solícita. 
Os vivos não ouvem nada. 
Mas, havendo acedido a essa malícia 
de experiência cândida, 
os mortos deixam que o ouvido siga 
o fluvial diálogo das plantas 
umas com outras e todas com a brisa. 
Melhor ainda. Quando, nas noites cálidas, 
as plantas se sentem mais sozinhas, 
os mortos brincam à imitação das águas 
inventando palavras de consonâncias líquidas. 
E esse amoroso cuidado de palavras 
a urna de concórdia vegetal espevita 
até que, a horas altas, 
a noite, os mortos e as plantas 
caiam no sono duma luz solícita. 

Fernando Echevarría, in "Sobre os Mortos"

1 comment:

  1. (3) ouvir poucamente, particular uso de adverbio aqui, pouco é quantidade, poucamente será modo, um modo de ouvir, portanto., mas abaixo está nada, não modo já mas quantidade apenas.
    poema dos vivos, dos sentidos, dos mortos, das plantas, da noite, do barulho mineral, as águas, ou doutros elementos, o ar, o dialogo, a conversa, o ouvir ou não ouvir, entre o vegetal, os vivos, os mortos, plantas, noite, ruídos de fundo, sono e sonho, um bailado encenado pelo poeta a seu gosto, mas noutro lugar que não o da dança das 3 bruxas do macbeth,
    consonancia liquida, boa imagem para as palavras da água; luz solicita boa condição para o sono...

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