Sunday, September 22, 2013

O diplomata


      (Busto de D.Luís da Cunha, por Xavéry, no Rijksmuseum)


Andam pelo mundo e para nada servem,
a não ser para comprar quadros e pratas,
e no fim acabam a vida a fugir às dívidas.
Este viémos encontrá-lo, Majestade, em Paris,
numa casa pobríssima, atulhada de papéis,
amancebado com uma judia, a horrenda Madame Salvador :
altivo nos disse que servira a Pátria, mas nada que nos sossegasse
sobre finanças e devoção. A Pátria? A Pátria, Majestade,
é o que vale uma dívida
e o ouro todo do Brasil não chega
para fundar tão perigosa ideia. Uma Pátria!
Dela não nos salvamos nem nos salva.
Que se nos aproveite a alma e os pecados
nos sirvam de caução e de mentira.
Um dia ele mesmo entenderá. Aprontámos o processo
e Vossa Majestade melhor julgará.

10 comments:

  1. uma carta sem proposta de perdão ou algo assim...

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  2. Decididamente não corresponde à minha imagem de diplomata, mesmo reportando-me à época...
    o texto algo sarcástico não faz jus aos diplomatas, mas o sr. é um verdadeiro corajoso/provocador em selecioná-lo...

    "para nada servem,
    a não ser para comprar quadros e pratas,
    e no fim acabam a vida a fugir às dívidas."... Credo

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  3. O poema é meu, é irónico, mas baseado numa carta ao Rei, que constituíu uma verdadeira inspecção diplomática feita a D.Luís da Cunha pela Secretaria de Estado do tempo. Quando descobri no Rijksmuseum este busto de D.Luís da Cunha quis trazê-lo para aqui, lembrei-me desse documento (a ver se o descubro...) e ocorreu-me este poema, em que a voz é a do inspector do século XVIII. Voilà!

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  4. Na Haia, capital da diplomacia do Norte da Europa, desenvolveu a partir de 1728esforços para defender os interesses comerciais de Portugal, quer no Brasil, quer naCosta de África. Os anos passados na Holanda foram os que mais saudades deixaramem D. Luís. À casa de campo de Hatenbourg onde costumava descansar, deu o nomede
    Mon Plaisir
    , mas contemporâneos como Cavaleiro de Oliveira, acusaram-no deimpedir qualquer estranho de lá entrar, sugerindo outro nome para a residência -
    Prazer Nocturno ou Incomunicável -
    alusão irónica à vida sentimental do embaixador.De facto em Haia D. Luís conheceu a judia portuguesa,
    Madame Salvador
    , com quemmanteve uma ligação duradoura, sendo obrigado a justificar essa amizade junto dacorte, em 1737

    (Isabel Cluny)

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  5. D. Luís da Cunha comprou imensas jóias e obras de arte para o Rei D.João V, daí a referência aos quadros e às pratas. Não encontro o documento, mas a historiadora Isabel Cluny (autora de uma boa biografia de D.Luís da Cunha) refere-o no texto que acima reproduzo.

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  6. Gostei tanto do post, mas reconheço não ter percebido com clareza daí que agradeço o esclarecimento.

    D. Luís da Cunha (1662-1749). O “oráculo” da política

    D. Luís da Cunha (1662-1749). O “oráculo” da política
    "Espírito livre e iconoclasta, apontou com firmeza, mas de forma fina e elegante, o caminho a seguir em épocas de crise"(...)
    "ousou atacar os aspetos mais negativos da sociedade portuguesa – as iniquidades dos processos inquisitoriais, a lentidão da justiça, a decadência das manufaturas e da agricultura no interior do país. Tentou incutir nas orientações da política portuguesa o fomento das atividades produtivas, a redução das propriedades da igreja e do número dos eclesiásticos(...)"

    Valerá seguramente a pena vir conhecer, na Biblioteca Nacional, todos estes testemunhos de D. Luis da Cunha, que marcaram uma época tão importante do império português, tendo alguns dos seus conselhos um valor intemporal, como a célebre frase com que abre as Memórias da Paz de Utreque:

    «Como de ordinário nos grandes apertos se acode a curar o mal presente, ainda que do remédio se deva seguir depois maior achaque».

    Abílio Diniz Silva

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  7. A 'velha senhora' sofre de rimalhite aguda e piora o olhos vistos (é da crise?):

    tento pôr a escrita em dia
    dom luís de castro mendes:
    li há muito e esquecia
    livro antigo que vós tendes
    'correspondência secreta'.
    esse dom luís da cunha
    sei agora onde é que o meta
    lá o li sou testemunha

    ai olé velha xoné…

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  8. Ó minha velha senhora
    sois bem rara criatura,
    ao serdes boa leitora
    de livro que não figura

    nas listas do que se lê
    e que já foi destruído
    pela tão grande mercê
    do editor erudito.

    graças pois minha senhora:
    ledes obras esquecidas
    e a mão deles autora
    de vós é reconhecida!


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  9. Parabéns e raivas da 'velha senhora:

    meu poeta eu amaria
    ser capaz de rimalhar
    nesses ritmo e alegria
    que usais vós a poetar
    parabéns meu professor
    jovem sois e que vigor

    velha eu sou comecei tarde
    a brincar às rimalhices
    no meu peito a chama me arde
    dos meus dedos vêm tolices
    que enraiveço a enversalhar
    quão melhor beber e amar

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  10. Reabri a "Correspondência Secreta"; já a posso reler selectivamente...

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