Wednesday, September 18, 2013

A nova pedagogia portuguesa


Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: - todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da «fala materna» com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila, introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo. «Rue de Rivoli», «Calle d’Alcalá», «Regent Street», «Willhelm Strasse» - que lhe importa? Todas são ruas, de pedra ou de macadame. Em todas a fala ambiente lhe oferece um elemento natural e congénere onde o seu espírito se move livremente, espontaneamente, sem hesitações, sem atritos. E como pelo verbo, que é o instrumento essencial da fusão humana, se pode fundir com todas – em todas sente e aceita uma pátria.

Por outro lado, o esforço contínuo de um homem para se exprimir, com genuína e exacta propriedade de construção e de acento, em idiomas estranhos – isto é, o esforço para se confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente característico, o verbo - apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de anos esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além da sua, perdeu toda a originalidade de espírito - porque as suas ideias forçosamente devem ter a natureza incaracterística e neutra adaptadas às línguas mais opostas em carácter e génio. Devem, de facto, ser como aqueles «corpos de pobre» de que tão tristemente fala o povo – «que cabem bem na roupa de toda a gente».

Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras constitui uma lamentável sabujice com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de «não sermos nós mesmos», de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio, o vocábulo. Ora isto é uma abdicação de dignidade nacional. Não, minha senhora! Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros! Mesmo porque aos estrangeiros o poliglota só inspira desconfiança, como ser que não tem raízes, nem lar estável – ser que rola através das nacionalidades alheias, sucessivamente se disfarça nelas, e tenta uma instalação de vida em todas porque não é tolerado por nenhuma. Com efeito, se a minha amiga percorrer a «Gazeta dos Tribunais», verá que o perfeito poliglotismo é um instrumento de alta «escroquerie». 

(Eça de Queirós)

7 comments:

  1. mas falta a via del corso e talvez o italiano não tivesse lugar na escala linguistica de eça, mas não interessa, mas está a willhelm strasse e sabemos como a prussia era importante para as brincadeiras satiricas de eça, pois é isso, é muito mais interessante manter o substracto original e aí acomodar a lingua estranjeira ou estrangeira, mas gostaria de ouvir eça a falar linguas estranjeiras etc...

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  2. Só mesmo o Eça para nos ilibar de forma altruísta, do trabalho de aperfeiçoamento e de domínio de outras línguas que não a língua mãe...

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  3. Só mesmo o Eça para nos ilibar de forma altruísta, do trabalho de aperfeiçoamento e de domínio de outras línguas que não a língua mãe...

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  4. Algo desfasado do saber não ocupa lugar...

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  5. Ó Alcipe o problema é que falamos muito mal o português...

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  6. Por exemplo, as criancinhas do ensino básico não precisam de saber inglês...

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  7. Comenta a 'velha senhora':

    "Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros!"

    que grande é o eça
    que grande o pessoa
    alguém há que os meça?
    mais alto qual voa?

    fiel queirosiana
    - difícil não ser -
    mas mais pessoana
    sou eu a valer

    "O povo português é, essencialmente, cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo."
    "Ser português no sentido decente da palavra é ser europeu sem a má-criação da nacionalidade."
    "Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé?"
    (Fernando Pessoa)

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