Saturday, September 8, 2012

O poema pouco original do dia de hoje


O poema pouco original do medo
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
ótimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projetos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

              *

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos

ALEXANDRE O'NEILL



7 comments:

  1. Oh, Com todo o respeito e admiração, mas Ele próprio também um rato...Se não tinha ido a salto (mesmo vendo-se à Nora) ter com a Nora...

    Quase todos...
    Ingénuos,os agressores que pensam meter-Nos medo, a nós, que os parimos tendo o antidoto em segredo...

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  2. Ó Isabel Seixas, já leu as notícias?

    a) Feliciano da Mata, empresário, Golungo Alto

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  3. Ó Caro sr., Feliciano da Mata permita-me, está a falar nos Ganhos de mais Perdas?
    E consegue ainda admirar-se...

    Então não se sente pelo menos já 7% mais seguro socialmente e com menos carga do PIB...

    Não se preocupe que este governo encarregar-se-á
    de lhe aumentar as defesas contra as adversidades reforçando-lhe o sistema imunitário, facultando-lhe com a desfaçatez mais natural a exposição a agentes que o farão habituar-se...

    E Tudo isto "em amena cavaqueira"

    Ora o Climax, conseguir ascender por analogia com os ditames religiosos já crucificados por antecipação ao poder de compra da cruz no deserto.

    Ah, eu já sou Mulher...

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  4. O medo não me terá a mim, que ganhei o direito de dizer o que penso.
    O medo não me terá a mim enquanto for capaz de me indignar
    O medo não me terá a mim enquanto a palavra me não faltar
    O medo não me terá a mim enquanto eu tiver a capacidade de lutar
    O medo não me terá a mim, assim!

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  5. é evidente que o poema pode ser actualizado acrescentando: o medo vai ter a imagem de passos coelhos, o medo falará devagar como os gaspares, o medo será o ultimo e o proximo irs, o medo serão as prosperas casas de penhores, serão os desafios ao tribunal constitucional, o medo será forte como nunca foi, os medos passados eram contos de fadas, os lobos maus já não causam medos pois agora têm medo, etc etc

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  6. A velha rimalhadeira desaustinou de todo com as últimas notícias. Bebeu e berrou insultos e palavrões, mais que de costume, e que queria ir prá luta mas não sabia onde, e que a 'boa amiga helena' a desculpasse mas 'palavrar' não chegava, etc. etc.. Acalmou-se por fim e, exausta e sonolenta (e/ou etilizada?), pôs-se a resmungar em cantilena, que tentei apanhar e aqui transcrevo:

    'deixou medos deu sarilhos
    são mamede em guimarães
    há mães que atacam os filhos
    filhos que batem nas mães

    seguiu teresa mau trilhos
    levada por charlatães
    quem tem filhos tem cadilhos
    cadilhos pequenos cães

    mãe no degredo
    filho caudilho
    a mãe tem medo
    filho tem brilho

    bebo embebedo
    um sonetilho


    não me embebedo
    bebo um quartilho
    ai porra credo
    mas que chorrilho
    em que me enredo
    rompo o espartilho
    findo o brinquedo
    do sonetilho
    digo em segredo
    que é empecilho
    cedo concedo
    ser pecadilho
    tudo arremedo
    mas não me humilho
    vou pró vinhedo
    e as uvas pilho
    com só bruxedo
    do trocadilho
    não sou rochedo
    nem sou rastilho
    aquí me quedo
    sem estribilho
    não tenho medo
    não tenho filho
    não tenho medo
    não tenho filho
    não tenho medo
    não tenho filho'

    …E, repetindo isto, a Senhora adormeceu.

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  7. Caro senhor cuidador da nossa velha Amiga, agradeço e felicito-o por ser porta voz e deixar a Sra fazer catarse pelo menos respira "liberdade de expressão" inibindo o risco de asfixia...

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