Nestas despedidas que deixo nos poemas, deixem que fale um pouquinho em voz baixa e em prosa no meu amigo Millor Fernandes, a inteligência mais feroz e generosa que conheci, a atenção mais implacável jogada sobre o mundo, ali nesses lugares radiosos do Rio de Janeiro onde só peço a graça de poder um dia voltar.
Saturday, March 31, 2012
Millor Fernandes
Dizem que você foi embora.
Primeiro nos deixara sozinho dentro do seu corpo
e agora, pois é, partiu.
Tudo ficou mais pobre, tudo ficou mais baço:
mas olha o mundo lá fora
a rir com você.
Primeiro nos deixara sozinho dentro do seu corpo
e agora, pois é, partiu.
Tudo ficou mais pobre, tudo ficou mais baço:
mas olha o mundo lá fora
a rir com você.
Porque sempre voltamos
Paris
ma belle ville
fine comme une aiguille
forte comme une épée
ingénue et savante
(Paul Éluard)
ma belle ville
fine comme une aiguille
forte comme une épée
ingénue et savante
(Paul Éluard)
Sunday, March 25, 2012
António Tabucchi
Se considerarmos a indignação como fonte da moral,
uma ética da resistência como afirmação heróica
num mundo de perdidas identidades: então António sorri
antes de erguer a voz contra o sombrio manto da injustiça
que desaba a cada hora sobre o esplendor do mundo.
Fernando Pessoa veio à Rua do Monte Olivete
e saboreia uma grappa. Soubeste esconder-te, António,
cercando de jogos de escondidas a tua espada de justiça,
assim como eu cerquei de grandes muros quem me sonhava.
Agora morres e fecha-se sobre ti a curva da estrada,
cintilam as luzes vagas da Ursa no fio do horizonte
e também eu te vou deixar, assim todos verão
que tu não eras uma nova encarnação de mim,
eras um grande escritor italiano que às vezes me intrigavas
e às vezes me perturbavas com o teu vozeirão ardente.
E tu respondes Entre a verdade e a ficção podemos esquivar-nos,
imponderáveis nos nossos "vestimenti leggieri",
mas nunca entre a justiça e a injustiça
poderemos um momento sequer hesitar.
(publicado no JL de 11/4/2012)
uma ética da resistência como afirmação heróica
num mundo de perdidas identidades: então António sorri
antes de erguer a voz contra o sombrio manto da injustiça
que desaba a cada hora sobre o esplendor do mundo.
Fernando Pessoa veio à Rua do Monte Olivete
e saboreia uma grappa. Soubeste esconder-te, António,
cercando de jogos de escondidas a tua espada de justiça,
assim como eu cerquei de grandes muros quem me sonhava.
Agora morres e fecha-se sobre ti a curva da estrada,
cintilam as luzes vagas da Ursa no fio do horizonte
e também eu te vou deixar, assim todos verão
que tu não eras uma nova encarnação de mim,
eras um grande escritor italiano que às vezes me intrigavas
e às vezes me perturbavas com o teu vozeirão ardente.
E tu respondes Entre a verdade e a ficção podemos esquivar-nos,
imponderáveis nos nossos "vestimenti leggieri",
mas nunca entre a justiça e a injustiça
poderemos um momento sequer hesitar.
(publicado no JL de 11/4/2012)
Timtim no dia de poesia do CCB
- Bom dia, que bom ter vindo. Dirija-se ao welcome desk para saber a que horas é a sua leitura.
- Então como vão as coisas lá na Índia?
- Sim, separei-me, foi já há cinco anos, não sabias?
- Não queres ir à sala Fernando Pessoa ler um poema de Jorge de Sena? Ou à sala Jorge de Sena ler um poema de Fernando Pessoa?
- O senhor foi embaixador onde? Deixe-me escrever, para dizer na apresentação.
- Não se lembra de mim? Conhecemo-nos em Aveiro, nos Encontros de Poesia, em 2001.
- Quantos anos esteve sem publicar?
- Estive à sua procura para me dar um depoimento para a televisão, mas soube que não vivia cá.
- Até já, tenho de ir apresentar os poetas colombianos.
- Ah, publicou um livro o ano passado?
- Quando puderes vai ao nosso espectáculo de poesia infantil, gostávamos de te ver.
- Então encontramo-nos em Paris para a semana? O quê, já lá não está?
- E eu a pensar que era a única pessoa escandalizada com o welcome desk.
- Continua no Brasil?
- Já saíram daqui, foram para a sala Fernando Pessoa ler Jorge de Sena.
- A nossa filha reagiu muito bem à nossa separação.
- Fico muito contente por ter gostado do meu livro.
- Viu o ministro?
- As crianças das escolas vieram ler montagens de poemas.
- Já retirámos o welcome desk. Realmente é verdade, pode dizer-se recepção.
- Então como vão as coisas lá na Índia?
- Sim, separei-me, foi já há cinco anos, não sabias?
- Não queres ir à sala Fernando Pessoa ler um poema de Jorge de Sena? Ou à sala Jorge de Sena ler um poema de Fernando Pessoa?
- O senhor foi embaixador onde? Deixe-me escrever, para dizer na apresentação.
- Não se lembra de mim? Conhecemo-nos em Aveiro, nos Encontros de Poesia, em 2001.
- Quantos anos esteve sem publicar?
- Estive à sua procura para me dar um depoimento para a televisão, mas soube que não vivia cá.
- Até já, tenho de ir apresentar os poetas colombianos.
- Ah, publicou um livro o ano passado?
- Quando puderes vai ao nosso espectáculo de poesia infantil, gostávamos de te ver.
- Então encontramo-nos em Paris para a semana? O quê, já lá não está?
- E eu a pensar que era a única pessoa escandalizada com o welcome desk.
- Continua no Brasil?
- Já saíram daqui, foram para a sala Fernando Pessoa ler Jorge de Sena.
- A nossa filha reagiu muito bem à nossa separação.
- Fico muito contente por ter gostado do meu livro.
- Viu o ministro?
- As crianças das escolas vieram ler montagens de poemas.
- Já retirámos o welcome desk. Realmente é verdade, pode dizer-se recepção.
Thursday, March 22, 2012
Dia da Poesia
DECLARAÇÃO DE AMOR À LÍNGUA PORTUGUESA E AOS SEUS POETAS, COM VERSOS DE CAMÕES E DE DAVID E UM GOLPE DE ASA DE SÁ-CARNEIRO
feitas só de ternura amarrotada,
palavras que passaram pela vida,
a vida feita verso ou quase nada.
Era durar de amor na alegria
de dizer a promessa apaixonada
e em palavras fazer o novo dia
nascer nos grandes olhos da amada.
Sentimos que na língua foi sentido:
porque tantos poetas inventaram
as palavras do amor num golpe de asa,
que quero eu mais ganhar que ser perdido,
perdido nas palavras que criaram
o desenho do amor e a sua casa?
(publicado hoje no JL)
Sunday, March 18, 2012
Saturday, March 17, 2012
Promessa
François Hollande debatia ontem em Estrasburgo com o filósofo alemão Peter Sloterdijk. A reabilitação da ideia de promessa (e da possibilidade da esperança) contra a razão cínica foi o primeiro tema introduzido no debate. A política nos últimos duzentos anos assentou numa constante promessa do melhor. O mundo dos nossos filhos teria de ser melhor que o nosso.
Essa política acabou? O melhor já não nos pode ser prometido? A "promessa eleitoral" passou a definir um mero logro? Caímos sob a hegemonia dessa razão cínica, que Sloterdijk conceptualizou?
Há algo de imortal numa promessa dizia Borges. A promessa rompe a ordem do mundo e alarga o espectro do possível.
Será que essa promessa, que do messianismo judaico-cristão o iluminismo veio reconduzir para a esfera da política, poderá ainda acender a sua chama neste globalizado inverno do nosso descontentamento? Voltaremos a acreditar no melhor?
Essa política acabou? O melhor já não nos pode ser prometido? A "promessa eleitoral" passou a definir um mero logro? Caímos sob a hegemonia dessa razão cínica, que Sloterdijk conceptualizou?
Há algo de imortal numa promessa dizia Borges. A promessa rompe a ordem do mundo e alarga o espectro do possível.
Será que essa promessa, que do messianismo judaico-cristão o iluminismo veio reconduzir para a esfera da política, poderá ainda acender a sua chama neste globalizado inverno do nosso descontentamento? Voltaremos a acreditar no melhor?
Continuar
Pára-me de repente o Pensamento...
— Como se de repente sofreado
Na Douda Correria... em que, levado...
— Anda em Busca... da Paz... do Esquecimento
— Pára Surpreso... Escrutador... Atento
Como pára... um Cavalo Alucinado
Ante um Abismo... ante seus pés rasgado...
— Pára... e Fica... e Demora-se um Momento....
Vem trazido na Douda Correria
Pára à beira do Abismo e se demora
E Mergulha na Noute, Escura e Fria
Um Olhar d’Aço, que na Noute explora...
— Mas a Espora da dor seu flanco estria...
— E Ele Galga... e Prossegue... sob a Espora!
Ângelo de Lima
— Como se de repente sofreado
Na Douda Correria... em que, levado...
— Anda em Busca... da Paz... do Esquecimento
— Pára Surpreso... Escrutador... Atento
Como pára... um Cavalo Alucinado
Ante um Abismo... ante seus pés rasgado...
— Pára... e Fica... e Demora-se um Momento....
Vem trazido na Douda Correria
Pára à beira do Abismo e se demora
E Mergulha na Noute, Escura e Fria
Um Olhar d’Aço, que na Noute explora...
— Mas a Espora da dor seu flanco estria...
— E Ele Galga... e Prossegue... sob a Espora!
Ângelo de Lima
Sunday, March 11, 2012
O nómada consigo
De cada vez montamos a tenda com mais cansaço
e mais suspeita.
Mas quando enfim vemos a cor dos tapetes desfiados
sabemos e calamos o tempo que foi nosso
e que ganhámos na perda.
e mais suspeita.
Mas quando enfim vemos a cor dos tapetes desfiados
sabemos e calamos o tempo que foi nosso
e que ganhámos na perda.
Saturday, March 10, 2012
Vinte anos depois
Nous errons à travers des demeures vidées
Sans chaînes, sans draps blancs, sans plaintes, sans idées
Spectres du plein midi, revenants du plein jour
Fantômes d’une vie où l’on parlait d’amour.
L’ère des phrases mécaniques recommence,
L’homme dépose enfin l’orgueil, et la romance
Qui traîne sur sa lèvre est un air idiot
Qu’il a trop entendu grâce à la radio.
Vingt ans après. Titre ironique où notre vie
S’inscrivit tout entière, et le songe dévie
Sur ces trois mots moqueurs d’Alexandre Dumas
(Louis Aragon)
Saturday, March 3, 2012
Manual de Protocolo
Os que não têm lugar à mesa
devem rodar delicadamente para trás
e afastar-se sem barulho e sem notícia.
Os lugares foram reduzidos por forma a
um número crescente de convidados deixar
de ter lugar no banquete, sem qualquer aviso prévio
ou desculpa improvisada. Prontamente.
Conhecer as regras é necessário,
ignorá-las
é soberano.
devem rodar delicadamente para trás
e afastar-se sem barulho e sem notícia.
Os lugares foram reduzidos por forma a
um número crescente de convidados deixar
de ter lugar no banquete, sem qualquer aviso prévio
ou desculpa improvisada. Prontamente.
Conhecer as regras é necessário,
ignorá-las
é soberano.
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