Sunday, April 17, 2011

Citando os clássicos : Eça de Queirós

"O marquês carambolara, ganhando a partida, e triunfava também:

- Você trouxe-me a sorte, Carlos!

Steinbroken depusera logo o taco e alinhava já sobre a tabela, lentamente, uma a uma, as quatro placas perdidas.

Mas o marquês, de giz na mão, reclamava-o para outras refregas, esfaimado de ouro finlandês.

- Nada mach... Você hoje 'stá têrível! - dizia o diplomata, no seu português fluente, mas de acento bárbaro.

O marquês insistia, plantado diante dele, de taco ao ombro como uma vara de campino, dominando-o com a sua maciça, desempenada estatura. E ameaçava-o de destinos medonhos numa voz possante habituada a ressoar nas lezírias; queria-o arruinar ao bilhar, forçá-lo a empenhar aqueles belos anéis, levá-lo a ele, ministro da Finlândia e representante de uma raça de reis fortes, a vender senhas à porta da rua dos Condes!

Todos riam; e Steinbroken também, mas com um riso franzido e difícil, fixando no marquês o olhar azul-claro, claro e frio, que tinha no fundo da sua miopia a dureza dum metal. Apesar da sua simpatia pela ilustre casa de Sousela, achava estas familiaridades, estas tremendas chalaças, incompatíveis com a sua dignidade e com a dignidade da Finlândia."


(Eça de Queirós, "Os Maias", cap. V)

1 comment:

  1. bem a propósito das eleições de hoje no país da "raça de reis fortes e olhos com a dureza do metal".

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