Pelo médium habitual, no transe de ontem, recebi a seguinte mensagem do escritor Eça de Queirós:
Estimados compatriotas:
Aqui no Paraíso dos escritores, onde me aborreço mais do que Ulisses no meu conto "A Perfeição", vou recebendo notícias da Pátria, que continua a teimar em parecer-se mais com os meus romances do que com a própria realidade, o que é um incómodo para qualquer escritor. Há pouco surgiu-me o Tolstoi, entusiasmado, a dizer que a magistratura portuguesa estava no bom caminho, a começar a aplicar a ideia, que ele tanto defendeu, de que deveríamos deixar de todo de ter relações sexuais (mal ele sabe o que a Sofia Andreievna, coitada, tem contado à minha Emilinha!). Depois veio um dos irmãos Goncourt (nunca sei qual deles é, só se distinguem pelo formato dos bigodes) dizer-me, muito excitado, que um trineto meu tinha ganho um importante prémio literário em Portugal.
Ora esta notícia não podia deixar de me encher de satisfação e orgulho. Fui logo pedir a São Pedro que me encomendasse o livro, pois nós aqui vamo-nos mantendo ao corrente do que se escreve no mundo dos vivos, o Flaubert, por exemplo, anda contentíssimo com o prémio do Modiano, até deixou a sua lamúria habitual "ai se eu fosse vivo e pudesse reescrever a minha obra toda, aquilo está cheio de falhas", que a gente já não pode aturar. Mas, enfim, lá pedi ao São Pedro que mandasse vir o livro do meu trineto, inchado que estava de alegria.
"Leya?" perguntou São Pedro.
"Uma coisa assim" respondi eu.
"Impossível! Até para Deus é impossível, retomando uma velha querela teológica. É que a Leya não manda livros à consignação." explicou logo o omnisciente São Pedro.
"Nem para o Paraíso?!" espantei-me eu.
"É que o rating de Deus já andava baixo desde o Nietzsche, mas há pouco apareceram o Hitchens e depois o Dawkins e já estamos quase no lixo! Palavra! Pior que a morte de Deus, anunciada por aquele maluco alemão, está a ser agora o lixo de Deus, declarado pela Standard and Poor e pela Fitch. De modo que a Leya mandou-nos dizer "ah, encomendas para o Paraíso nem pensar!". Olhe, mas tenho aqui um poeta novo muito interessante, o…"
"Eu para a poesia, depois do Baudelaire, nunca tive paciência, sabe-o bem. Mas como hei-de então ler o livro do meu trineto?" perguntei, ansioso.
"Eu dessas coisas não posso saber, e que Deus Pai nem suspeite, mas parece que há lá por baixo uns médiuns…"
"Não diga mais!" atalhei, logo. Também há regras no Céu…
De modo que venho solicitar por este meio um médium competente em Portugal (que não seja, por favor, colocado pelo Ministério da Educação) que me possa vir ler o livro do meu trineto. Orgulho de trisavô é três vezes orgulho de avô!
Com todo o amor pela minha Pátria e curiosidade pelas nossas letras, vosso
José Maria Eça de Queirós
Estimados compatriotas:
Aqui no Paraíso dos escritores, onde me aborreço mais do que Ulisses no meu conto "A Perfeição", vou recebendo notícias da Pátria, que continua a teimar em parecer-se mais com os meus romances do que com a própria realidade, o que é um incómodo para qualquer escritor. Há pouco surgiu-me o Tolstoi, entusiasmado, a dizer que a magistratura portuguesa estava no bom caminho, a começar a aplicar a ideia, que ele tanto defendeu, de que deveríamos deixar de todo de ter relações sexuais (mal ele sabe o que a Sofia Andreievna, coitada, tem contado à minha Emilinha!). Depois veio um dos irmãos Goncourt (nunca sei qual deles é, só se distinguem pelo formato dos bigodes) dizer-me, muito excitado, que um trineto meu tinha ganho um importante prémio literário em Portugal.
Ora esta notícia não podia deixar de me encher de satisfação e orgulho. Fui logo pedir a São Pedro que me encomendasse o livro, pois nós aqui vamo-nos mantendo ao corrente do que se escreve no mundo dos vivos, o Flaubert, por exemplo, anda contentíssimo com o prémio do Modiano, até deixou a sua lamúria habitual "ai se eu fosse vivo e pudesse reescrever a minha obra toda, aquilo está cheio de falhas", que a gente já não pode aturar. Mas, enfim, lá pedi ao São Pedro que mandasse vir o livro do meu trineto, inchado que estava de alegria.
"Leya?" perguntou São Pedro.
"Uma coisa assim" respondi eu.
"Impossível! Até para Deus é impossível, retomando uma velha querela teológica. É que a Leya não manda livros à consignação." explicou logo o omnisciente São Pedro.
"Nem para o Paraíso?!" espantei-me eu.
"É que o rating de Deus já andava baixo desde o Nietzsche, mas há pouco apareceram o Hitchens e depois o Dawkins e já estamos quase no lixo! Palavra! Pior que a morte de Deus, anunciada por aquele maluco alemão, está a ser agora o lixo de Deus, declarado pela Standard and Poor e pela Fitch. De modo que a Leya mandou-nos dizer "ah, encomendas para o Paraíso nem pensar!". Olhe, mas tenho aqui um poeta novo muito interessante, o…"
"Eu para a poesia, depois do Baudelaire, nunca tive paciência, sabe-o bem. Mas como hei-de então ler o livro do meu trineto?" perguntei, ansioso.
"Eu dessas coisas não posso saber, e que Deus Pai nem suspeite, mas parece que há lá por baixo uns médiuns…"
"Não diga mais!" atalhei, logo. Também há regras no Céu…
De modo que venho solicitar por este meio um médium competente em Portugal (que não seja, por favor, colocado pelo Ministério da Educação) que me possa vir ler o livro do meu trineto. Orgulho de trisavô é três vezes orgulho de avô!
Com todo o amor pela minha Pátria e curiosidade pelas nossas letras, vosso
José Maria Eça de Queirós
Aqui neste éden plasmado
ReplyDeletenas portas do frigorífico
os ímanes não são pecado
nem há traição ou suplicio
o que há é almas penadas
por proibir o proibido,
na verdade, dão dentadas
e do bem perdem o sentido
o inferno é dos beatos
que vivem da emboscada
do mal dizer e maus tratos
Eva Merkel esconjurada
Só pobres entram no céu
andrajosos esfomeados
com o corpo todo ao léu
por passos Satã crucificados
não há língua universal
nem o linguado estigma
também não há mulher fatal
e nem nas primas se arrima
incesto não é pecado
nem dor nem digno de pranto
o diabo não é julgado
e Deus não é nenhum Santo...
Meu caro Alcipe
ReplyDeleteNum tempo cada vez menos dado ao riso, este seu post fez-me soltar uma boa gargalhada. E lembrar a humildade com que o trisneto agradeceu ao poeta Alegre tanta e tão subida honraria...
Oh! que mal terei eu feito a Deus para, sempre que ligo a tv, apanhar destas baboseiras!