Si j'étais roi (English: If I Were King)[1] is an opéra-comique in three acts by Adolphe Adam. The libretto was written by Adolphe d'Ennery and Jules-Henri Brésil. It was first performed in Paris at the Théâtre Lyrique (Théâtre-Historique, Boulevard du Temple) on 4 September 1852, opening with a dual cast to allow performance on successive evenings (it made up half of all performances at the Théâtre Lyrique in the last four months of the year and reached over 170 performances in its first ten years). The production was considered lavish, with expensive costumes and jewels being worn by the cast.[2]
It was then staged in Brussels (1853), New Orleans (1856), Turin (1858) and Soerabaya (1864).[3]
The story concerns a young fisherman in Goa who rescues a young woman from drowning. When he discovers that she is a princess he dreams of becoming a king so that he could be worthy of marrying her. The real king grants this wish and he is taken to the palace for one day, during which he manages to win the royal bride in the face of the plots of wicked Kadoor who also wants to wed her.
Though less popular than Le postillon de Lonjumeau, it is often regarded as Adam's finest work. The well-developed overture was quite popular, particularly on recordings. Vocal highlights include the soprano air "De vos nobles aïeux" and the couplets for baritone "Dans le sommeil, l'amour".
Monday, March 30, 2009
Sunday, March 29, 2009
O mundo pós americano
Estamos a sair do mundo americano:
e o mundo pós americano como será?
Como dizia Cavafis, o nosso grande problema vai ser
deixar de haver bárbaros:
já se pode falar com os líbios e os persas,
os chineses são afinal futuros democratas
e só nos resta condenar um sudanês qualquer ou um Mugabe
para mantermos viva a nossa boa consciência
e o direito de ingerência (o Dalai Lama recebe-se na cozinha
e os albaneses do Kosovo na sala de visitas!).
Há o Bin Laden, graças a Deus,
e ele lá vai fazendo o que pode
(a gente aqui em Bombaim que o diga...).
"O Islão é e sempre será o melhor aliado do Ocidente na Ásia"
dizia o Churchill, de que vocês tanto gostam.
Desculpem, estou a falar de política
e falar de política num poema é
(como dizia o Stendhal)
disparar uma pistola no meio de um salão...
(Mas não eram balas de verdade)
Saturday, March 28, 2009
Ainda a poesia
A poesia não é feita por um nem por todos,
nem esteve nunca na rua.
A poesia está na aspereza das coisas contra nós,
tão mais nítidas ao nosso olhar isento
quanto mais doem no coração silencioso.
nem esteve nunca na rua.
A poesia está na aspereza das coisas contra nós,
tão mais nítidas ao nosso olhar isento
quanto mais doem no coração silencioso.
De um artigo que publiquei na revista "Janus"
EXISTE UMA CIVILIZAÇÃO HINDU?
A ideia exposta por Samuel Huntington no seu famoso livro sobre o choque das civilizações levou aqueles que se não revêem em tão particular aberração spengleriana e estão bem conscientes das consequências políticas nefastas que dela decorrem a conceberem uma outra ideia, na linha dos ideais de emancipação do Iluminismo: a Aliança das Civilizações!
Partilho as dúvidas de Amartya Sen: não será um erro aceitarmos a problemática do adversário, irmos à luta no seu próprio terreno? Será legítimo falarmos em “civilizações” como entidades estanques, comunidades de valores reivindicando a sua identidade sob perpétua ameaça? Veja-se o mais recente livro de Huntington, que alerta sobre a ameaça colocada aos próprios fundamentos identitários dos Estados Unidos pelo crescimento exponencial da sua população hispânica.
A Índia obriga-nos ao mesmo tempo a confrontar-nos muito directamente com todas estas questões, dada a heterogeneidade radical do tecido cultural, étnico, religioso e linguístico de que é composta, e a pôr em causa a noção de civilização como comunidade fechada nas suas tradições e rituais (para usar a expressão de Varadarajan). O paradoxo da Índia é cristalino e acaba por ser aquele mesmo com que as nossas próprias sociedades se confrontam hoje: é evidente (é um dado da experiência, um facto do mundo da vida) que existe uma civilização hindu; mas é uma condição de sobrevivência da própria Índia enquanto comunidade política que essa civilização se não considere a si própria como entidade exclusiva e redutora, mas se entenda antes como uma matriz de abertura às mais diferentes influências, misturas e recomposições – e o mais extraordinário é que já há muitos séculos que a Índia sabe isso!
Em 1581, o imperador mogol Akbar chamou os jesuítas de Goa à sua Corte para lhe ensinarem a Fé de Cristo. Entusiasmados, na mira de uma extraordinária conversão, os bons padres acorreram a Fatehpur Sikri, onde, numa tenda especialmente montada para o efeito (pensa-se, porque não há rastos do edifício) sacerdotes de todas as diferentes crenças do Império discutiam àcerca da verdadeira religião, dada a convicção de Akbar que seria possível construir uma religião sincrética, que cimentasse o seu Império de sunitas, xiitas, hinduístas das mais diferentes seitas (incluindo uma que professava o ateísmo!), budistas, jainistas, judeus e cristãos! Desiludiram-se os padres, mas Monserrate permaneceu na Corte do Grão Mogol durante dez anos, observando mais tarde, com amargura tridentina, que “ao autorizar os seus súbditos a seguir qualquer religião, o Imperador Akbar estava na realidade a ofender todas as religiões”. O mesmo pensariam seguramente os devotos teólogos islâmicos! O imperador era influenciado pelas ideias subversivas do filósofo Ibn Al Arabi, que considerava que, sendo o Mundo uma ilusão aos olhos de Deus, todas as manifestações religiosas humanas seriam igualmente ilusões. E Akbar levava a sua abertura em matéria religiosa ao ponto de se ter casado (abençoada poligamia!) com diferentes mulheres de todas e cada uma das religiões do Império, o que certamente representou uma das mais profundas homenagens à liberdade da Fé em toda a História da Humanidade!...
O império mogol começou a desagregar-se quando o pio imperador Aurangzeb resolveu finalmente começar a perseguir todos os infiéis não islâmicos (deixando assim este Império de ofender as religiões com a sua indiferença!), o que levou à revolta dos Maratas, ao fugaz império hindu de Shivaji e à desagregação de qualquer projecto de unidade política do sub continente. Em 1902, já sob o pleno jugo do British Raj, queixava-se Rabindranath Tagore de que
The History of India that we read in schools and memorize to pass examinations is the account of a horrible dream – a nightmare through which India has passed. It tells of unknown people from no one knows where entering India; bloody wars breaking out(…);one set of marauders passing away with another coming in to take its place; Pathan and Mughal, Portuguese, French and English – all helping to add to the nightmarish confusion.
Existe em Nova Deli um grandioso templo hindu, chamado Ashkardam: nele aprendemos, através de uma excelente visita guiada, que a Índia de há 3 000 anos possuía já todas as conquistas da ciência moderna (perdidas, é claro, com a subsequente invasão de todos aqueles predadores muçulmanos e cristãos). Todas as comunidades imaginam o seu passado, mas a desmistificação dos imaginários é parte essencial do pensamento crítico, que não falta na Índia. Os grandes historiadores da Índia antiga, como Romila Thapar, sem negar a grandeza da antiga civilização hindu, ousaram pôr em causa esta versão idílica do passado, tendo sofrido por isso ameaças de alguns hinduístas radicais!
É que nos anos 20 do século passado os ideais da “raça pura ariana” entusiasmaram alguns intelectuais indianos, de que se destacaram Savarkar e Golwalkar, fundadores do RSS (movimento de extrema direita hinduísta, baseada na ideia do “Hindutva”, como núcleo essencial redescoberto da complexa religião hindu). Para esta corrente de pensamento, tudo o que não fosse de pura substância hindu, tudo o que não fosse conforme ao reinventado “Hindutva”, não poderia ser indiano: por isso, cristãos, judeus e muçulmanos (recorde-se que a Índia tem a segunda maior população muçulmana do Mundo) apenas poderiam residir na Índia por generosidade dos hindus, mas nunca poderiam pertencer à sua comunidade nacional - e aqui temos ao mesmo tempo o ideal oitocentista do Estado - Nação homogéneo e a ideia de civilização como identidade estanque, cara a Huntington!
Os pais fundadores da Índia, Gandhi e Nehru, desde sempre se opuseram a esta ideia exclusivista e redutora da identidade indiana, que obviamente tornaria impossível a instituição da Índia como Estado soberano. Na Mesa Redonda de 1931, convocada em Londres para discutir a questão do estatuto político da Índia com as diferentes comunidades indianas, Gandhi distinguiu claramente o movimento de emancipação da Índia de qualquer movimento especificamente hindu, recusando-se a assumir o papel, que lhe fora distribuído pela potência colonial, de representante dos hindus. Não por acaso, Gandhi foi assassinado em 1948 por um militante do RSS…
Na sua autobiografia, The Discovery of India, Nehru assume a visão secularista da Índia, que veio fundamentar o Estado e a Constituição da actual União Indiana. Em comparação com o nosso laicismo, o secularismo institui a total liberdade de religião e a separação entre o Estado e as religiões, mas não se declara indiferente em matéria religiosa, assumindo antes um sincretismo de matriz hindu, que inspirava Gandhi (um espírito profundamente religioso), mas não já Nehru (um agnóstico).
The Discovery of India (embora datado, um livro notável) pugna por uma Índia múltipla e plural, única possibilidade de este sub continente se constituir como Estado, contrariando assim a afirmação de Churchill segundo a qual a Índia não existia e nunca existiria: seria uma mera noção geográfica, como o Equador.
É importante rever estas ideias, primeiro para entendermos que a Índia, mais do que a antiga e deslumbrante civilização hindu (The Wonder that was India) contém, em si mesma, um permanente confronto de civilizações, entendidas como culturas, religiões, línguas ou filiações étnicas: confronto que tanto pode assumir a forma do compromisso negociado, sempre equacionável no quadro da grande democracia indiana, que funciona plenamente desde 1948, como pode assumir (e assim aconteceu infelizmente em 1948, em 1984 e em 2002) a monstruosa face do massacre colectivo! É o que Martha Nussbaum chama The Clash Within .
Mas para que se chegasse a este movimento pendular entre uma normal convivência democrática quotidiana e o afloramento incidental das piores violências inter comunitárias, é convicção pessoal do autor deste artigo que a recusa do secularismo defendido pelos pais fundadores da Índia tem uma relação causal com os surtos de violência mencionados.
A ideia exposta por Samuel Huntington no seu famoso livro sobre o choque das civilizações levou aqueles que se não revêem em tão particular aberração spengleriana e estão bem conscientes das consequências políticas nefastas que dela decorrem a conceberem uma outra ideia, na linha dos ideais de emancipação do Iluminismo: a Aliança das Civilizações!
Partilho as dúvidas de Amartya Sen: não será um erro aceitarmos a problemática do adversário, irmos à luta no seu próprio terreno? Será legítimo falarmos em “civilizações” como entidades estanques, comunidades de valores reivindicando a sua identidade sob perpétua ameaça? Veja-se o mais recente livro de Huntington, que alerta sobre a ameaça colocada aos próprios fundamentos identitários dos Estados Unidos pelo crescimento exponencial da sua população hispânica.
A Índia obriga-nos ao mesmo tempo a confrontar-nos muito directamente com todas estas questões, dada a heterogeneidade radical do tecido cultural, étnico, religioso e linguístico de que é composta, e a pôr em causa a noção de civilização como comunidade fechada nas suas tradições e rituais (para usar a expressão de Varadarajan). O paradoxo da Índia é cristalino e acaba por ser aquele mesmo com que as nossas próprias sociedades se confrontam hoje: é evidente (é um dado da experiência, um facto do mundo da vida) que existe uma civilização hindu; mas é uma condição de sobrevivência da própria Índia enquanto comunidade política que essa civilização se não considere a si própria como entidade exclusiva e redutora, mas se entenda antes como uma matriz de abertura às mais diferentes influências, misturas e recomposições – e o mais extraordinário é que já há muitos séculos que a Índia sabe isso!
Em 1581, o imperador mogol Akbar chamou os jesuítas de Goa à sua Corte para lhe ensinarem a Fé de Cristo. Entusiasmados, na mira de uma extraordinária conversão, os bons padres acorreram a Fatehpur Sikri, onde, numa tenda especialmente montada para o efeito (pensa-se, porque não há rastos do edifício) sacerdotes de todas as diferentes crenças do Império discutiam àcerca da verdadeira religião, dada a convicção de Akbar que seria possível construir uma religião sincrética, que cimentasse o seu Império de sunitas, xiitas, hinduístas das mais diferentes seitas (incluindo uma que professava o ateísmo!), budistas, jainistas, judeus e cristãos! Desiludiram-se os padres, mas Monserrate permaneceu na Corte do Grão Mogol durante dez anos, observando mais tarde, com amargura tridentina, que “ao autorizar os seus súbditos a seguir qualquer religião, o Imperador Akbar estava na realidade a ofender todas as religiões”. O mesmo pensariam seguramente os devotos teólogos islâmicos! O imperador era influenciado pelas ideias subversivas do filósofo Ibn Al Arabi, que considerava que, sendo o Mundo uma ilusão aos olhos de Deus, todas as manifestações religiosas humanas seriam igualmente ilusões. E Akbar levava a sua abertura em matéria religiosa ao ponto de se ter casado (abençoada poligamia!) com diferentes mulheres de todas e cada uma das religiões do Império, o que certamente representou uma das mais profundas homenagens à liberdade da Fé em toda a História da Humanidade!...
O império mogol começou a desagregar-se quando o pio imperador Aurangzeb resolveu finalmente começar a perseguir todos os infiéis não islâmicos (deixando assim este Império de ofender as religiões com a sua indiferença!), o que levou à revolta dos Maratas, ao fugaz império hindu de Shivaji e à desagregação de qualquer projecto de unidade política do sub continente. Em 1902, já sob o pleno jugo do British Raj, queixava-se Rabindranath Tagore de que
The History of India that we read in schools and memorize to pass examinations is the account of a horrible dream – a nightmare through which India has passed. It tells of unknown people from no one knows where entering India; bloody wars breaking out(…);one set of marauders passing away with another coming in to take its place; Pathan and Mughal, Portuguese, French and English – all helping to add to the nightmarish confusion.
Existe em Nova Deli um grandioso templo hindu, chamado Ashkardam: nele aprendemos, através de uma excelente visita guiada, que a Índia de há 3 000 anos possuía já todas as conquistas da ciência moderna (perdidas, é claro, com a subsequente invasão de todos aqueles predadores muçulmanos e cristãos). Todas as comunidades imaginam o seu passado, mas a desmistificação dos imaginários é parte essencial do pensamento crítico, que não falta na Índia. Os grandes historiadores da Índia antiga, como Romila Thapar, sem negar a grandeza da antiga civilização hindu, ousaram pôr em causa esta versão idílica do passado, tendo sofrido por isso ameaças de alguns hinduístas radicais!
É que nos anos 20 do século passado os ideais da “raça pura ariana” entusiasmaram alguns intelectuais indianos, de que se destacaram Savarkar e Golwalkar, fundadores do RSS (movimento de extrema direita hinduísta, baseada na ideia do “Hindutva”, como núcleo essencial redescoberto da complexa religião hindu). Para esta corrente de pensamento, tudo o que não fosse de pura substância hindu, tudo o que não fosse conforme ao reinventado “Hindutva”, não poderia ser indiano: por isso, cristãos, judeus e muçulmanos (recorde-se que a Índia tem a segunda maior população muçulmana do Mundo) apenas poderiam residir na Índia por generosidade dos hindus, mas nunca poderiam pertencer à sua comunidade nacional - e aqui temos ao mesmo tempo o ideal oitocentista do Estado - Nação homogéneo e a ideia de civilização como identidade estanque, cara a Huntington!
Os pais fundadores da Índia, Gandhi e Nehru, desde sempre se opuseram a esta ideia exclusivista e redutora da identidade indiana, que obviamente tornaria impossível a instituição da Índia como Estado soberano. Na Mesa Redonda de 1931, convocada em Londres para discutir a questão do estatuto político da Índia com as diferentes comunidades indianas, Gandhi distinguiu claramente o movimento de emancipação da Índia de qualquer movimento especificamente hindu, recusando-se a assumir o papel, que lhe fora distribuído pela potência colonial, de representante dos hindus. Não por acaso, Gandhi foi assassinado em 1948 por um militante do RSS…
Na sua autobiografia, The Discovery of India, Nehru assume a visão secularista da Índia, que veio fundamentar o Estado e a Constituição da actual União Indiana. Em comparação com o nosso laicismo, o secularismo institui a total liberdade de religião e a separação entre o Estado e as religiões, mas não se declara indiferente em matéria religiosa, assumindo antes um sincretismo de matriz hindu, que inspirava Gandhi (um espírito profundamente religioso), mas não já Nehru (um agnóstico).
The Discovery of India (embora datado, um livro notável) pugna por uma Índia múltipla e plural, única possibilidade de este sub continente se constituir como Estado, contrariando assim a afirmação de Churchill segundo a qual a Índia não existia e nunca existiria: seria uma mera noção geográfica, como o Equador.
É importante rever estas ideias, primeiro para entendermos que a Índia, mais do que a antiga e deslumbrante civilização hindu (The Wonder that was India) contém, em si mesma, um permanente confronto de civilizações, entendidas como culturas, religiões, línguas ou filiações étnicas: confronto que tanto pode assumir a forma do compromisso negociado, sempre equacionável no quadro da grande democracia indiana, que funciona plenamente desde 1948, como pode assumir (e assim aconteceu infelizmente em 1948, em 1984 e em 2002) a monstruosa face do massacre colectivo! É o que Martha Nussbaum chama The Clash Within .
Mas para que se chegasse a este movimento pendular entre uma normal convivência democrática quotidiana e o afloramento incidental das piores violências inter comunitárias, é convicção pessoal do autor deste artigo que a recusa do secularismo defendido pelos pais fundadores da Índia tem uma relação causal com os surtos de violência mencionados.
Thursday, March 26, 2009
Antes da pira
Antes da pira
limpam os pés do corpo no rio sagrado,
antes mesmo de chegarem os padres, os familiares, os amigos.
Só vemos aqui o povo e os intocáveis (diz-se dalits, my friend)
encarregados de manejar a morte.
Vi num documentário um desses : "Ninguém mais pode tocar nos mortos"
dizia com orgulho o sem-casta. "Mesmo que seja o Primeiro Ministro.
Só nós podemos preparar os mortos para o seu final".
Eles não têm medo de olhar os mortos.
Apenas têm quem cuide deles,
quem prepare a lenha, a amontoe,
quem embrulhe o corpo nos panos,
o limpe nas águas sagradas
e ofereça ao filho mais velho a tocha para acender a pira.
Anoitecer no Ganges
Anoitece no Ganges, tudo nos é tão estranho aqui, e no entanto,
vinda de onde não sabemos, de uma casa, de uma ruína, de um templo,
vem uma pequena luz chamar-nos para dizer do nosso comum destino.
Vou contar: íamos para Belur,
onde ensinaram Ramakrishna e Vivekananda,
compenetrados, atentos aos pormenores do caminho fluvial
(os ghats, o povo que lava e queima os seus mortos no rio,
com tábuas, mas sem caixão) e íamos a meditar em coisas muito sérias
e muito hindus e multiculturais.
Mas de repente tudo o que nos rodeava perdeu o seu sentido,
porque anoitecia simplesmente e uma luz nos chamava dentre o lusco-fusco.
Uma pequenina luz bruxuleante. Just a little light...
Tudo se tornou ao mesmo tempo mais comum e mais simples na sua estranheza.
São momentos em que entendemos que somos da mesma gente,
neste país de tão diversa gente...
Mas só porque uma luz se acendeu na margem do Ganges
entre Calcutá e Belur - uma pequena luz vitoriosa!
Tuesday, March 24, 2009
Cavalos da Arábia (sobre uma instalação de S. Kerkar)
(foto de uma instalação de Subodh Kerkar, em Goa Velha)
Aqui chegavam os cavalos da Arábia,
sempre prontos para cavalgar os desertos
e enfrentar as espadas:
e aqui eram trocados por especiarias,
essas que aos homens do deserto
faziam tanta falta para conhecerem
o sabor do paraíso.
Assim se passavam as coisas,
ou assim as contaram nos livros
em que as lemos e acreditámos.
Foi antes de nós chegarmos. Os cavalos
olhavam para esta terra com a mesma maravilha,
mas sem o nosso terror.
Mas que fazer,
se para nós é do terror a maravilha?
Sunday, March 22, 2009
Um poema sem acentos, mas com culpas...
O TRAIDOR
Tomaste o chá de folhas negras da melancolia?
Porque fugiste às palavras que te deixaram?
Espera-te o mais amargo fruto e depois vão-te sorrir.
E tu? Porque não disseste simplesmente quem eras?
Sabes que é tarde e já nada podemos fazer.
Como um médico na sala de operações, a tua alma encolhe os ombros,
porque tu renunciaste às palavras
e escolheste a soberba das convicções.
Só não te insultam, porque são bem educados...
Wednesday, March 18, 2009
Lembrar Camilo Pessanha em Jaipur
A não perder
O blog "As outras Índias":
asoutrasindias.wordpress.com/
Para todos os timtins no tibet e também outros indiólogos (oops!) a sério!
asoutrasindias.wordpress.com/
Para todos os timtins no tibet e também outros indiólogos (oops!) a sério!
Tuesday, March 17, 2009
À porta deste blog
Brincando aos filósofos...
A imagem de Nehru era boa: a Índia é um palimpsesto, do qual nenhum texto foi apagado. Todos os tempos e todas as narrativas aqui coexistem. Coincidência dos opostos: toda a dualidade ou oposição se acaba por reencontrar no Um primordial . Daí poder dizer-se uma coisa e o seu contrário, sem se quebrar a lógica argumentativa.
Monday, March 16, 2009
Duas traduções de um mesmo poema sânscrito
Por Octavio Paz:
La belleza no está
en lo que dicen las palabras
sino en lo que, sin decirlo, dicen:
no desnudos sino a través del velo
son deseables los senos.
Por Jorge Sousa Braga:
A beleza não está no que dizem as palavras
Mas no que dizem sem dizê-lo:
Mais desejáveis são os seios entrevistos
Através das madeixas do teu cabelo.
O poeta chamava-se Vallana.
La belleza no está
en lo que dicen las palabras
sino en lo que, sin decirlo, dicen:
no desnudos sino a través del velo
son deseables los senos.
Por Jorge Sousa Braga:
A beleza não está no que dizem as palavras
Mas no que dizem sem dizê-lo:
Mais desejáveis são os seios entrevistos
Através das madeixas do teu cabelo.
O poeta chamava-se Vallana.
Nostalgia pessoana
PESSOANAS
Toda a estranheza
que as palavras deixam
não está na dureza
com que elas se fecham.
Somos estrangeiros
em qualquer lugar:
não temos carreiros
nem onde chegar.
Este é o destino
de se ver por fora:
já em nenhum sino
toca a nossa hora!
Toda a estranheza
que as palavras deixam
não está na dureza
com que elas se fecham.
Somos estrangeiros
em qualquer lugar:
não temos carreiros
nem onde chegar.
Este é o destino
de se ver por fora:
já em nenhum sino
toca a nossa hora!
Sunday, March 15, 2009
Calicute: aqui desembarcou Vasco da Gama
Depois de cruzarmos rios e passarmos outras praias,
mais ao norte de Calicute,
mostraram-nos, por fim, o lugar
onde verdadeiramente ancorou a frota do Gama:
as naus ficavam ao largo
e em pequenos barcos se iam cruzando e descobrindo,
os da terra e os do mar.
Uma mesquita aqui construída não deixa de ser uma homenagem irónica:
os rapazes pescam e correm pela praia, mas a nenhum ocorre
banhar-se no mar, mergulhar, nadar...
Vejo poucas mulheres. Vendem-se, porém, doces, numa barraquinha.
O historiador indiano conta pormenores: vem tudo nas crónicas, assevera,
não se entende como os ingleses se enganaram no local
e foram construir um mamarracho vagamente comemorativo, a dez quilómetros daqui!
"Basta ler as crónicas portuguesas" insiste o Professor John "para reconhecer o lugar certo".
O Samorim espera-nos! Irão os nossos pobres presentes uma vez mais
causar o seu enfado? Entramos no automóvel, agradecemos
e esperamos que desta vez corra melhor a audiência!
A praia de Majorda, Goa
PRAIA DO FIM DO MUNDO
Neste lugar só de areia,
já não terra, ainda não mar,
poderíamos cantar.
Ó noite, solidão, bruma,
país de estrelas sem voz,
que cantaremos nós?
As sombras nossas na praia
podem ser noite e ser mar,
pelo ar e pela água andar.
Mas o canto, mas o sonho,
de que modo encontrarão
o que não é vão?
Cantemos, porém, amigos
neste impossível lugar
que não é terra nem mar:
na praia do fim do mundo
que não guardará de nós
sombra nem voz.
(Cecília Meireles, Poemas escritos na Índia, 1953)
Lendo traduções de poemas antigos
Que ficará das palavras
que tantos escreveram sobre a terra?
Às vezes, num velho mosteiro, aparece um rolo
manuscrito e os poemas sânscritos são tão vivos, maliciosos,
e ao mesmo tempo tão obedientes às fórmulas e às metáforas consagradas,
como os helenísticos da Antologia Palatina.
Um mesmo espírito (wit) liga esses gregos romanizados
aos hindus decadentes e fesceninos que tais versos escreveram
no oitavo século já da nossa era.
Os corpos reinam: próximos, confundem-se
numa aproximação eterna de tão efémera
e assumidamente mortal. Eram assim os deuses, dizes?
Algum dia saberemos?
que tantos escreveram sobre a terra?
Às vezes, num velho mosteiro, aparece um rolo
manuscrito e os poemas sânscritos são tão vivos, maliciosos,
e ao mesmo tempo tão obedientes às fórmulas e às metáforas consagradas,
como os helenísticos da Antologia Palatina.
Um mesmo espírito (wit) liga esses gregos romanizados
aos hindus decadentes e fesceninos que tais versos escreveram
no oitavo século já da nossa era.
Os corpos reinam: próximos, confundem-se
numa aproximação eterna de tão efémera
e assumidamente mortal. Eram assim os deuses, dizes?
Algum dia saberemos?
Entre Veneza e Cochim..
Entre Veneza e Cochim
que fez tanto mar de mim?
Que coisa sou na distância,
no intervalo ou errância,
que vai de mim para mim?
Entre Veneza e Cochim?
Conheço-me em cada terra,
despeço-me em cada mar.
Uma palavra me encerra,
não a vou pronunciar:
a despedir-se de mim
entre Veneza e Cochim!
Odeceixe
Eu e Índia
Pensar em voz alta: é o destino de um blog, não é? Esta espécie de diário partilhado, género a que me procuro arranjar, procurando que as instruções do blogger não me façam perder o fio do pensamento, constituirá uma tentativa de escrita - a que hesito ainda em dar a necessária publicidade do blog...
Querido diário:
Eu e a Índia
Só o que é diferente de nós, só o que nos é fundamentalmente alheio, pode estimular neste nosso vício comum que é a alma a força da sedução: não o amor, não a identificação grata e ternamente desfocada do amor; falo aqui da sedução.
Todo o orientalismo foi uma história de sedução, de que não sabemos mais quem foi o sedutor e o seduzido, porque as relações de poder não explicam tudo.
Como todas as grandes sedutoras, a Índia não quer ostensivamente seduzir.Como dizia o poema sânscrito, não é o seio nu que mais te provoca, é antes o véu que o deixa entrever...
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