As razões pelas quais dom joão quinto mandou construir
a capela de são joão baptista, na igreja de são roque, têm sido
atribuídas ao desejo de exibir a ostentação da sua corte,
o poder do dinheiro, a vontade de ficar na História por esse
acto magnânimo para com o santo protector da peste. Os
próprios artesãos do ouro e do mármore, os pintores, os
joalheiros, entregaram-se ao cego cumprimento dessa ordem
de não poupar para que o resultado brilhasse, atraindo
os olhares dos crentes que, desse modo, se desviariam
do que os padres diziam no púlpito de onde pregavam,
após o que publicavam os sermões dedicados ao rei. No
entanto uma única razão levou o rei a escolher são joão
baptista: a celebração de salomé; e o que ele pretendeu
foi pôr no prato a cabeça do santo para que ela saísse
dos ouros e das tapeçarias e repetisse, à sua frente,
a dança que se para sempre a condenou. Seria, então,
um altar em honra de uma salomé que o papa deveria
elevar ao estatuto de santa não por ter dançado quase nua
sob os véus transparentes em frente de herodes mas
por ter conseguido que a cabeça de são joão baptista,
no prato de porcelana em que os pintores a colocam,
tivesse feito dele o primeiro de todos os santos. E
em vez de admirarmos a arte da capela de são joão
baptista na igreja de são roque, o que deveríamos fazer
era rezar a salomé, que dom joão quinto santificou,
por ter pedido a cabeça de são joão baptista, para que
nunca deixe de dançar, sob os véus transparentes
da sua nudez, pelos séculos dos séculos.
Poema
Santa Salomé de Nuno Júdice, in
O fruto da gramática, 2014
Capela de São João Baptista, Igreja de São Roque, Lisboa