Thursday, January 1, 2015

Que seja assim o Ano Novo...

— De sua formosura
deixai-me que diga:
É tão belo como um sim
numa sala negativa.

— É tão belo como a soca
que o canavial multiplica.
— Belo porque é uma porta
abrindo-se em mais saídas.
— Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.
— É tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

— É belo porque com o novo
todo o velho contagia.
— Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
— Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.


(João Cabral de Melo Neto, "Morte e vida severina, auto de natal pernambucano")

1 comment:

  1. Os autos são uma forma fantástica de "cantar" estórias.
    João Cabral de Melo Neto é um Mestre.

    Boa noite, Alcipe! :)

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