Sunday, April 18, 2010

O jogo da guerra : fronteira indo-paquistanesa de Wagah







A cerimónia do arrear das bandeiras no posto fronteiriço de Wagah, para além das exibições das marchas em passo de ganso dos soldados dos dois exércitos, conhecidas do público em geral, tem uma capacidade extraordinária de dar ao jogo bélico (e à ideia de guerra iminente que está por trás de tudo aquilo) uma dimensão espectacular, lúdica e, desse modo, catártica. Com o terror e a piedade expurgados, ficamos mais disponíveis para o enfrentamento...


Dos dois lados da fronteira enchem-se as bancadas em anfiteatro: "Hindustan" gritam deste lado; "Pakistan" respondem do outro lado.


Começa então o desafio com grupos de crianças e suaves raparigas correndo em direcção à cancela fechada, empunhando a bandeira indiana e sorrindo de alegria : ao aproximarem-se da barreira, o soldado indiano manda-os recuar, com ar severo; mas logo vêm outros, mais e mais crianças e jovens, todos desfraldando a bandeira da Índia em direcção ao Paquistão...


Entretanto, do outro lado, velhos barbudos e honrados correm pela parada agitando a bandeira do Paquistão, a multidão entoa hinos patrióticos e os tocadores de tambor executam o seu número frenético : mas tudo acaba por ser abafado pela musica de Bollywood que sai dos altifalantes do lado indiano...


As jovens e os jovens do lado de cá começam então a dançar, numa verdadeira "disco border party", que culmina no "Jai Ho", uma dança de festa juvenil e de desafio trocista aos paquistaneses, que continuam a agitar o tambor, a cantar os hinos e a animar os velhinhos barbudos a continuar a correr com as suas bandeiras.


Surgem então os apupos e os dichotes entre as duas "claques" (a ideia do estádio é imediata) e um concurso entre um lado e o outro para ver quem consegue manter mais alto e mais tempo o seu grito de guerra...


O "Vande Mataram", hino da Índia hindu (não o hino nacional) irrompe então da bancada do lado de cá. Famílias entoam gritos patrióticos. Todos parecem satisfeitos com o que estão a fazer.


Vemos do outro lado alguns colegas diplomatas acreditados no Paquistão : acenamo-nos e sorrimos.


Postos que estão frente a frente os dois valorosos campos, tocam então as trombetas de uns e outros. Os jovens bailarinos do lado de cá e os velhos porta-bandeiras do lado de lá são mandados sair de cena, rispidamente. E têm lugar então as cerimónias militares.


Soldados de um lado e do outro avançam em passo de ganso para a cancela, logo voltando para trás, porque a fronteira só é aberta em dois momentos : no primeiro, um soldado indiano e um soldado paquistanês fixam-se muito tempo de pé, frente a frente, olhos nos olhos (mas não conseguem disfarçar a sua preocupação essencial com a compostura das respectivas fardas...); no segundo momento, há uma espécie de baile ritual entre os soldados (baile feito, entenda-se bem, apenas do cruzamentos das duas marchas), que termina com o alinhamento de todos os militares, o toque do arrear das bandeiras e a descida simultânea, lenta e solene, dos dois pavilhões...


Do cimo do anfiteatro, do outro lado, a fotografia oficial de Ali Jinnah olha para todos nós, com aquele olhar altaneiro e trágico, que hoje sabemos ser o de um homem consciente de que ia morrer em breve (dois meses), mas que só morreria depois de ter conseguido criar o seu Estado!


O oficial indiano e o oficial paquistanês apertam a mão. Terminou a cerimónia. "Este ano correu bem" comenta o meu amigo indiano "não houve muitos insultos vindos das bancadas. Bom sinal". De facto, a cerimónia é de uma inesperada bonomia. Mas é de guerra que se trata : dois predadores a rugir um para o outro, mesmo que sob a forma de gentis meninas a dançar o "Jai Ho"...

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