Saturday, March 19, 2016

Dia do Pai: um poema meu

MEMENTO MORI


Death is not in life

(Wittgenstein)

Eu vi morrer três pessoas:
a uma acompanhei até ao fim,
no que seria talvez o que lhe restava de vida
ou porventura o que lhe sobrava de morte;
outra morreu quando eu dormia,
longe do hospital:
e tive que atravessar pela madrugada
uma cidade estrangeira
para chegar à sua morte;
e meu Pai, enquanto eu ia
comprar-lhe uma garrafa de oxigénio,
que nunca soube a quem serviu depois.

Nós nunca vemos ninguém morrer,
porque morrer é por dentro de cada um,
como talvez tudo o que tenha algum sentido,
como talvez o amor.

O que verdadeiramente importa
é opaco ao nosso olhar
e cada prova que vivemos
é só e única:
morrer ou ver morrer

e o amor também.

(de Lendas da Índia, 2011)

2 comments:

  1. O que verdadeiramente importa, para além dessa opacidade que - mais do que o olhar - nos turva os sentidos, talvez seja o jeito translúcido com que deixamos os nossos passos à toa, como se fossem sonâmbulos.

    Um dia, de súbito - basta que não caiamos na tentação de adormecer à sombra dos búzios - o dia amanhece. Transparente!...

    ReplyDelete
  2. "Nós nunca vemos ninguém morrer,
    porque morrer é por dentro de cada um,
    como talvez tudo o que tenha algum sentido,
    como talvez o amor."
    É eu tenho a noção clara que já vi muitos , muitos mesmo corpos fazerem paragem cardíaca e respiratória, agora a morte impotência, a morte desistência é impossivel calcular muito menos por certificado de óbito há homens que nunca morreram, nem na sua paragem cardio respiratória desistiram , aliás foram simplesmente apanhados de surpresa e levados ao engano e à traição aí reside a acutilância da morte mas também a força indelevel da vida.

    ReplyDelete