Tuesday, December 9, 2014

Poema de Natal

Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos e não tiver caridade, sou como o metal que soa ou como o sino que tine. E se eu tiver o dom da profecia e conhecer todos os mistérios e quanto se pode saber; e se eu tiver toda a fé, até a ponto de transportar montanhas, e não tiver caridade, não sou nada.

(São Paulo, Primeira Epístola aos Coríntios)


Quem encontraste hoje que te oferecesse
o puro leite da ternura humana*
e não o mel da lisonja ou a indiferença comum?

Muitos dias ficam assim, suspensos num vazio de desamor,
mas nós já nem damos por isso,
temos que marcar lugar na feira, os carrosséis giram sem nós
e as crianças apontam-nos com o dedo, nós que persistimos
em montar no cavalinho de pau e dar mais uma volta,
sem razão que valha.

O Natal passa por nós, faltam-nos a alguns os pais,
a outros os filhos ou os netos.
Esta festa foi inventada para afastar com luzes, muitas luzes,
o escuro do inverno e a ideia da morte.
Para onde foram todos? Para onde foram todos?

Aproxima-te de mim. Não falo de Cristo.
Só me lembrei da consoada e da tua azáfama festiva,
que afasta de nós a morte ao inventar alegria,
a pura alegria em que duramos.

S.Paulo pergunta-nos pela caridade
e aqui estou eu de pé, envergonhado como uma criança,
porque eu não tenho fé, não tenho a fé, e essa falta não me dói,
mas sei que tenho, que temos, ó irmãos humanos, que responder
por toda a caridade que não tivémos.

*Shakespeare









3 comments:

  1. "a pura (mas breve e quase imperceptível) alegria em que duramos"!

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  2. "A fé e a caridade são afectos muito fidalgos, é muito bons de contentar. A fé para crer, basta-lhe uma profecia e fica satisfeita; a caridade para amar, quando não tenha benefícios, bastam-lhe agravos, que o amor até de ofensas se sustenta."

    Padre António Vieira

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