À POESIA
Sempre voltamos. E nunca conhecemos
os cantos à casa. Caminhamos descalços
sobre tijoleira fria e abrimos a janela,
porque já estivemos nalgum lugar parecido,
mas nunca aqui. Flores secas, o piano
há muitos anos fechado. Falávamos de música?
Heard melodies are sweet
but those unheard are sweeter.
Alguém falou, por detrás desta infindável galeria de retratos
que conduz à torre assombrada.
Nós estamos habituados a ouvir os mortos.
Entramos e saímos e voltamos a entrar nesta casa,
mas nunca os corredores encontramos no mesmo sítio!
Faltam-nos, é claro as castíssimas esposas,
que aninham as mansões de vidro transparente.
Mas este é o nosso tempo e com ele nos medimos,
às vezes irónicos, às vezes vagos ou distantes,
mas nunca fugimos dele. Nós não desertamos.
Não fugir. Suster o peso da hora.
E ouvir vozes e perder vozes e calar um verso,
porque uma palavra sobra e desequilibra.
A atenção às coisas e o voluntário esquecimento
do pormenor insidioso e biográfico,
que desponta como erva daninha
até infectar toda a cobertura da casa
com a humidade que envelhece telhas e madeiras
e acaba por corroer palavras, versos, memórias,
para nas caleiras ficarem por fim amalgamadas
as flores mais puras do engenho e da invenção.
(com versos de Keats, Cesário Verde e Cristovam Pavia)