ROMANCE DE DONA CLEONICE BERARDINELLI
De Cleonice, senhora
em seu saber assentada,
venho dizer sem demora
seu louvor: seja louvada
por quanto de si nos deu,
com o tranquilo fulgor
de tudo o que mereceu.
Esta só prova de amor
à língua e às suas artes
deu-nos a todos a flor
portuguesa em todas partes:
dos sertões e das veredas,
do verso mais fingidor,
de Camões até às sedas
da Índia e mais em redor;
do caminho e mais da pedra,
da faca gume sem dor,
da concha donde não medra
Vénus, mas seu esplendor.
E são alusões marinhas
e são caminhos imensos,
língua tua quando minha
nos percursos mais intensos:
o que se diz literatura,
o que poesia se chama
em tão profunda cultura
teu viver luz e proclama.
Nós passeámos por Praga,
por seus becos e travessas,
numa insaciável saga
de viagens e conversas,
que prolongavam a maga
fascinação com diversas
leituras e descobertas
de uma vida que no Rio
tinha as janelas abertas
para o mundo e pra seu fio
de linhas longas e certas
em que a língua se redoura,
com orgulho em sua oferta.
Pois Cleonice, senhora,
do saber sempre vivido
numa língua que aflora
em povos, versos, sentidos
viveres que aqui se misturam
no riso sempre entendido,
aqui deixo a homenagem
do amigo comedido,
que sem fazer a viagem
deixa o seu preito sentido.