Wednesday, August 26, 2015

Sonetilho hedonista

O hedonismo meu hóbi,
a poesia meu vício,
o coração como lóbi
e o amor desperdício.

Com palavras pequeninas,
influências certeiras
rondam lóbis nas esquinas:
buscam paixões verdadeiras

que de hóbi se disfarcem
para que amor nos pareçam
e por nossos olhares passem
e nunca desapareçam.

É pura mercadoria
no que deu a poesia!







Sunday, August 23, 2015

Verão e memória de Ruy Belo


A angústia que nasce num dia de verão
pode bem ser fugidio nevoeiro
a esvair-se no tempo da sua promessa
e a dizer-nos com força que não temos razão

em duvidar da vida e da nossa presença
junto à terra e ao mar, aqui nestas areias
onde o tempo afinal nem começa nem pensa
e o sol tudo apaga em qualquer estação.

Eu lembro Ruy Belo no final deste verão,
mas a vida larguei aqui por esta praia
e o reencontro fez-se contida paixão
com o verso a fluir e a vida tão escassa...

A angústia que nasce num dia de verão
é do tempo e da terra uma só comunhão.


Monday, August 17, 2015

Sigmaringen,  Galeria Portuguesa

Tinham-lhes prometido Madrid, a Coroa das Espanhas
( príncipes alemães reinavam pela Europa toda...).
Já a irmã Estefânia casara com o rei português,
moço novo, de muitas leituras,
e a ele, Leopoldo de Hohenzollern -Sigmaringen
com sua jovem mulher Antónia de Bragança, a portuguesa,
caberia reinar sobre os espanhóis, com o assentimento das suas Cortes
e a benevolência dos seus generais. Tudo manobrado por Bismarck...

Até que Napoleão III ( como os prussianos previam)
caiu na esparrela e, como mosca alucinada,
entrou na teia urdida por Berlim
opondo-se terminantemente a que um Hohenzollern reinasse em Espanha.
E a Prússia veio assim a ter a guerra que queria,
com o fervor patriótico a mover todos os alemães em sua volta.

Sigmaringen ainda hoje e não mais que duas ruas e uma praça
a volta do castelo.
Para consolar Antónia, Leopoldo construiu então a Galeria Portuguesa,
onde todas as noites se ouvia Schubert
e se recitava Goethe. Antónia passou com melancolia aqueles anos,
marcados pela solidão do castelo, lutos pelo irmão e pela cunhada,
guerras que marcaram a supremacia final da Prússia
sobre as outras Alemanhas...
O marido caçava
pelos montes.

Hitler não se apercebeu certamente da ironia,
quando enxotou Pétain e os seus fantoches
para aquele castelo, a partir do qual Bismarck, noutra época,
começara a tecer a intriga que derrotara os franceses e levantara o Reich!
Eles, pauvres cons, sempre à escuta de Paris,
deambulavam por aquelas galerias, atontados,
d'un château l'autre, com o Céline e a sua cantora,
para medicar e animar aquela gente,
de quem justamente desconfiavam os camponeses do Wurtemberg.

A Galeria Portuguesa abre-se em vidraças sobre o campo alemão,
onde caçavam principes e os camponeses
seguiam o ritmo das estações. Tem a delicadeza de uma dádiva
ao que não pôde ser.











Saturday, August 15, 2015

Ao soneto


És tu soneto um realejo amigo
que me estende da aranha a teia fina
onde este pensamento que persigo
se desfaz só no verso, só na rima?

Serás então do verso falso amigo,
mecanismo voraz e tentador
a destruir no ovo o que consigo,
tornando o pensamento um só rumor?

Se palavras apenas nossos versos
e as ideias ficaram para trás,
que direi dos meus actos, tão diversos
de tudo o que de nós a vida faz?

És tu soneto aranha e sua teia,
um engano desfeito na areia...






Thursday, August 13, 2015

E A POESIA SURGE NA FIGURA DE UMA JOVEM GNR A CAVALO

E A POESIA SURGE NA FIGURA DE UMA JOVEM GNR A CAVALO

Tu ladeavas o cavalo, rindo
da tua tão perfeita novidade.
Qual amazona de um destino findo,
o tempo não mudava a tua idade.

A pistola exibias sobre a coxa
e do meu desejo tua troça ria.
Enredado na lírica mais frouxa,
um soneto pobríssimo eu trazia

só para teu controle e vistoria.
Mas logo se soltou o teu cavalo
para bem longe de mim e da poesia.

E se guardo teu riso enquanto falo
e me digo e desdigo em cada dia,
guarda republicana, em teu cavalo

trouxeste troça feita melodia.  



Wednesday, August 12, 2015

Sem escrita


Transformation
I haven't written a single poem
in months.
I've lived humbly, reading the paper,
pondering the riddle of power
and the reasons for obedience.
I've watched sunsets
(crimson, anxious),
I've heard the birds grow quiet
and night's muteness.
I've seen sunflowers dangling
their heads at dusk, as if a careless hangman
had gone strolling through the gardens.
September's sweet dust gathered
on the windowsill and lizards
hid in the bends of walls.
I've taken long walks,
craving one thing only:
lightning,
transformation,
you.
Adam Zagajewski, Without End, New and selected poems,
Farrar, Straus and Giroux, N.Y., 2002