Thursday, January 10, 2013

Quando nada mais fica


            ODE À INCOMPREENSÃO


De todas estas palavras não ficará, bem sei,
um eco para depois da minha morte
que as disse vagarosamente pela minha boca.
Tudo quanto sonhei, quanto pensei, sofri,
ou nem sonhei ou nem pensei
ou apenas sofri de não ter sofrido tanto
como aterradamente esperara -
nenhum eco haverá de outras canções
não ditas, guardadas nos corações
alheios, ecoando abscônditas ao sopro do poeta.

Não por mim. Por tudo o que, para ecoar-se,
não encontrou eco. Por tudo o que,
para ecoar, ficou silencioso, imóvel -
- isso me dói como se ausência a música
não tocada, não ouvida, o ritmo suspenso,
eminente, destinado, isso me dói
dolorosamente, amargamente, na distância
do saber tão claro, da visão tão lúcida,
que para longe afasta o compassado ardor
das vibrações do sangue pelos corpos próximos.

Tão longe, meu amor, te quis da minha imperfeição,
da minha crueldade, desta miséria de ser por intervalos
a imensa altura para que me arrebatas
- meu palpitar de imagem à beira da alegria,
meu reflexo nas águas tranquilas da liberdade imaginada-,
tão longe, que já não meus erros regressassem
como verdade envenenando o dia a dia alheio.

Tão longe, meu amor, tão longe,
quem de tão longe alguma vez regressa?!

E quem, ó minha imagem, foi contigo?

(De mim a ti, a mim,
quem de tão longe alguma vez regressa?)

Jorge de Sena

4 comments:

  1. gosto do poema embora duvide que seja uma ode, não gostando porem dos fragmentos constituidos pelos ultimos 5 versos, são assim como um remate de quem não sabe bem como rematar...

    ReplyDelete
  2. E exactamente esse remate o cume do poema, a sua "chave de ouro".

    ReplyDelete
  3. Conheci o Jorge de Sena a a sua Mulher no tempo dos católicos progressistas. Esta poesia é lindíssima.
    E, ao contrário do que às vezes acontece, quando se conhece o artista, com Jorge de Sena o convívio era uma mais valia!

    ReplyDelete
  4. para mim, para o meu gosto, o mais belo verso da ode, talvez porque também é camões, é o Tão longe, meu amor, te quis da minha imperfeição,

    ReplyDelete