O MedoNinguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.
É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.
Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?
Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.
É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.
Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?
Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"
[AOS MEUS LIVROS]
Chamaram-vos tudo, interessantes, pequenos, grandes,
ou apenas se calaram, ou fecharam os longos ouvidos
à vossa inútil voz passada
em sujos espelhos buscando
o rosto e as lágrimas que (eu é que sei!)
me pertenciam, pois era eu quem chorava.
Um bancário calculava
que tínheis curto saldo
de metáforas; e feitas as contas
(porque os tempos iam para contas)
a questão era outra e ainda menos numerosa
(e seguramente, aliás, em prosa).
Agora, passando ainda para sempre,
olhais-me impacientemente;
como poderíamos, vós e eu, escapar
sem de novo o trair, a esse olhar?
Levai-me então pela mão, como nos levam
os filhos pela mão: sem que se apercebam.
Partiram todos, os salões onde ecoavam
ainda há pouco os risos dos convidados
estão vazios; como vós agora, meus livros:
papéis pelo chão, restos, confusos sentidos.
E só nós sabemos
que morremos sozinhos.
(Ao menos escaparemos
à piedade dos vizinhos)
***
Chamaram-vos tudo, interessantes, pequenos, grandes,
ou apenas se calaram, ou fecharam os longos ouvidos
à vossa inútil voz passada
em sujos espelhos buscando
o rosto e as lágrimas que (eu é que sei!)
me pertenciam, pois era eu quem chorava.
Um bancário calculava
que tínheis curto saldo
de metáforas; e feitas as contas
(porque os tempos iam para contas)
a questão era outra e ainda menos numerosa
(e seguramente, aliás, em prosa).
Agora, passando ainda para sempre,
olhais-me impacientemente;
como poderíamos, vós e eu, escapar
sem de novo o trair, a esse olhar?
Levai-me então pela mão, como nos levam
os filhos pela mão: sem que se apercebam.
Partiram todos, os salões onde ecoavam
ainda há pouco os risos dos convidados
estão vazios; como vós agora, meus livros:
papéis pelo chão, restos, confusos sentidos.
E só nós sabemos
que morremos sozinhos.
(Ao menos escaparemos
à piedade dos vizinhos)
***
MANUEL ANTÒNIO PINA
Ambos sabemos que os Poetas não morrem, simplesmente adormecem e logo logo ou talvez mais logo despertem nos versos que semearam.
ReplyDeleteMais um homem bom de quem eu tanto gostava que partiu. Malfadado ano de 2012!
ReplyDeleteAs palavras dos Poetas são eternas, o seu sopro sente-se para sempre.
ReplyDeleteMas é tão triste sabermos que não mais os teremos entre nós a sonhar palavras novas.
Quando morrem os poetas
ReplyDeleteas palavras se confundem
as sílabas discutem
as vírgulas rodopiam
e sobram interrogações
Quando morrem os poetas
os pontos finais festejam
os outros ficam de luto
e todas as reticências são possíveis...
Hoje há mais gaivotas na praia
há mais estrelas no céu
o dia está mais azul
e anda um poema no ar
cantarolando futuro
Será que os poetas morrem?
A velha senhora quase se morre com a morte de mais um dos seus amados. Mas reage ou diz que tem que reagir:
ReplyDeletenão morrem não
era uma vez
não morre não
quem poetou fez
poesia pão
que comes lês
sem solidão
uma e outra vez
bonito poema o de am
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