Sunday, April 5, 2009

Anoitecer em Udaipur, com dois sonetos

1.

Dentro da tua morte eu respirava
-como se perdoar me fosse dado!
Não toquei no teu corpo, velho Pai,
mas só nesse momento e ao teu lado

eu soube dar-te o que tu não podias,
nunca mais poderias entrever:
o gesto que num verso eu não diria
e que uma vez mais te vou esconder.

Só no verso medido, na tensão,
na prosódia que escrevo com temor,
é que posso falar da emoção
de não saber da morte todo o amor!

O que nunca soubeste será dado
quando desapar’cer quem a teu lado.


2.

A cinza que esta angústia deixa em mim
nos recessos da vida é que demora,
como batalha perto do seu fim,
guerra que desconhece a sua hora.

Abandonei as ilusões por fim
e deixei sossegar o pensamento:
a cinza que esta angústia deixa em mim
tolheu-me de lavrar o meu lamento.

Porque venho exibir-me na prosódia,
mais um soneto neste fim de tarde?
Que restos já desfeitos, sem história,
quero mostrar? O fogo que não arde?

Os versos recuperados da lembrança
e eu a balbuciar, como criança…

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